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       Academia de Saberes de Aveiro                                                                                                                          Começamos a envelhecer quando perdemos a capacidade de aprender.



De um exemplo de Vida a um projecto para a Cidade

Num país que, após o 25 de Abril, se abriu finalmente à Europa e ao Mundo e em que a sociedade dava conta, com mais atenção e liberdade, do que se passava à sua volta, dos novos problemas e desafios postos por uma Europa em vias de unificação, já há quase duas décadas que outros países tinham começado a encarar a idade da reforma com o respeito e a dignidade que esta fase da Vida merece... Fase da Vida em que cada um de nós, após décadas de trabalho, se vê a braços com o Tempo. E ainda que o Tempo seja para qualquer um de nós, jovens ou não, o capital mais precioso e mais fugidio, era necessário e urgente olhar a Idade Maior como aquela em que também vale a pena investir.

A partir dos anos sessenta, os jovens passaram a ter maior importância nos domínios do consumo e do mercado do trabalho. Mas, paralelamente, os países mais avançados desta Europa, que havia pouco tempo acabara a reconstrução exigida pela destruição causada pela 2ª Guerra Mundial, começaram a ter que dirigir a sua atenção para os mais velhos, aqueles que tinham sobrevivido e eram agora donos dum saber feito de dolorosas e penosas experiências e que tinham reganhado uma palavra a dizer na manutenção e transmissão das atitudes e valores tão abalados pelo terrível conflito. Foi então que governos e sociedade começaram a encarar os mais velhos como capital social a preservar e a rentabilizar. Já na 1ª metade da década de sessenta me dei conta de que a Alemanha, então Ocidental, dispunha de Volkshochschulen, escolas destinadas ao povo, frequentadas maioritariamente pelos mais velhos e destinadas ã aprendizagem e reaprendizagem de matérias que englobavam Línguas Estrangeiras, Botânica, História Universal, História de Arte, Sociologia, Biologia, etc. E que envolviam também convívios, visitas a exposições, colóquios, conferências, e visitas dentro e fora do país. Ora foi numa dessas visitas da Volkshochschule de Colónia que, em meados dos anos sessenta, tive a oportunidade de acompanhar como guia intérprete, convidada pela então Junta de Turismo de Aveiro, grupos de visitantes alemães, com uma média de idades que rondava os sessenta e que se deslocavam a Portugal para conhecer melhor, in loco, a nossa História e a nossa Geografia. Todavia, foi na minha qualidade de finalista do Curso de Filologia Germânica, estando então a preparar a minha Tese de Licenciatura em Colónia, que vim a conhecer e a conviver com a mãe da senhora Reinsch, que conhecera em Aveiro.

Essa Mulher – Anne Reinsch –, que vivera intensa e dolorosamente duas guerras mundiais, que criara três filhas num clima de insegurança e de dificuldades inimagináveis para nós, continuava, apesar da sua avançada idade e da sua fragilidade, a actualizar-se no Francês e no Inglês, a estudar História e Botânica, frequentando as aulas e visitando com colegas exposições, assistindo a concertos e viajando pelo país.

O exemplo daquela senhora inteligente, activa e actuante, apesar da sua fragilidade, ficou gravada na minha memória como modelo a seguir.

O tempo passou. Durante mais de três décadas fui professora. Logo que me aposentei, veio-me à memória o exemplo daquela mulher. Olhando à minha volta, nesta cidade que me viu nascer, mas da qual estive ausente três décadas, dei-me conta que, para além de uma ou duas iniciativas que acabariam por morrer, a cidade de Aveiro não oferecia aos aposentados, aos Maiores como dizem nuestros hermanos, oportunidade de aprendizagem de novos conhecimentos, reaprendizagem daqueles já esquecidos e possibilidades de convívio. Os cafés, lugares de largas tertúlias e espaços de encontro, eram há muito espaços pouco conviviais, porque a Vida se havia alterado e, consequentemente, a rotina das cidades. Embora muitos aposentados e aposentadas se dedicassem a missões de voluntariado, sempre dignas de apreço e louvor, no Hospital, nos lares de 3ª Idade, na Santa Casa da Misericórdia, a cidade não oferecia oportunidades de desenvolvimento e realização pessoais, consentâneas com os anos que um aposentado tem pela frente. A oferta das Universidades, nesse campo de alargamento de conhecimentos ou a aquisição de novos não era, e continua a não ser motivante, nem em termos de horários, nem em termos económicos. Assim, por um lado, faltava aos maiores algo que os motivasse e os prendesse, numa perspectiva mais de acordo com a idade e os diferentes graus de formação e de cultura. Por outro, a necessidade de se sentir actuante e não posto de lado, após tantos anos de intensa actividade, leva, como sabemos, a problemas de saúde, dos quais o mais conhecido é a depressão. Embora a participação activa na Família jogue um papel importante – no apoio à educação dos netos e na ajuda directa ou indirecta aos filhos seja uma realidade – não é suficiente para que o Maior se sinta realizado. Sabemos que o acompanhamento educacional e emocional das crianças se apresenta como uma tarefa gratificante para os Avós, porque também eles apostam no reforço dos laços da vida do casal e na sua relação com os filhos. Claro que o trabalho de Voluntariado está demonstrado ser uma opção bem considerada pela sociedade, que assim aproveita e beneficia das competências e dos tais saberes adquiridos e aplicados ao longo de toda uma carreira e uma vida... Mas isso não chega para a maioria de nós, porque a Reforma não pode ser vista como o fim que assusta, porque limitativo e perturbador. Ela deve ser vista como o princípio, o início de aproveitamento de novas oportunidades de aceder a novos cometimentos, na aquisição de novos conhecimentos e no readquirir de outros que, durante largo tempo não foram aplicados e se foram lentamente esquecendo. E há cada vez mais Seniores a querer ir além.

 

Vejamos então o que tem vindo a acontecer:

Entre 1960 e 2000, a proporção de jovens – dos 0 aos 14 anos – diminuiu de 37 para 30%. E esta proporção continua a diminuir, de tal forma que, em 2050, chegará aos 21%. Estes números são resultado duma projecção mundial das Nações Unidas sobre a população mundial. Ao contrário, a proporção da população mundial com 65 anos ou mais registou uma tendência crescente, aumentando de 5,5 para 6,9% do total da população, também entre 1960 e 2000, e subirá para 15% até 2050, segundo a mesma projecção. É pois de notar que o ritmo crescente da população idosa é quatro vezes superior ao da população jovem.

À semelhança do que acontece no Mundo, também em Portugal esta tendência se vem mostrando. Em 1960, Portugal tinha 8% de idosos para 29,1% de jovens. Mas em 2000 a proporção era de 16,4% de idosos para 16% de jovens. Quer isto dizer que, em termos absolutos, a população com mais de 65 anos aumentou quase um milhão, passando de 708.570 em 1960 para 1.702.120 em 2001; logo, mais do dobro.

Pelo que foi dito, conclui-se, que com esta tendência de crescimento de pessoas com mais de 65 anos, é importante que se aposte nas políticas de envelhecimento activo. Tender-se-á assim a permitir a plena integração dos Seniores, porque, como elementos de pleno direito de uma sociedade, merecem poder continuar a participar na vida da Comunidade, mostrando-se-lhes reconhecimento e dando-se-lhes o apoio que a sociedade lhes deve. Trata-se, pois, de direitos e não de favores.

O Professor António Fonseca, da Universidade Católica, membro da Unidade de Investigação e Formação sobre Adultos e Idosos, alerta e passo a citar: «É preciso combater estereótipos e sobretudo a ideia que a reforma é para descansar.» Diz ele «que há que mudar o enfoque, evitando a ligação da reforma à velhice, centrando a atenção na pessoa, que antes de reformada ou activa, é sempre ao longo de toda a sua vida uma pessoa em desenvolvimento.» E o professor Fonseca continua, dizendo que «de facto, houve uma alteração nos usos e costumes e que os relacionamentos pessoais se alteraram, mas o impacto psicológico e social será tanto maior quanto menos a pessoa estiver preparada para isso. A verdade é que, por volta dos 65 anos, nada ocorre biológica ou psicologicamente, para que se utilize essa idade como uma fronteira de diferenciação social, em que para trás o indivíduo é útil, válido e responsável, e daí para diante se veja rejeitado ou marginalizado por uma sociedade competitiva para a qual deixou de ter valor.»

Efectivamente, vivemos numa época em que há ausência de consciência da importância do Aposentado no tecido produtivo e social da nação. Por isso é que se torna mais importante valorizar e rentabilizar o valor do Aposentado, do Maior. É fundamental que se respeitem a sua competência e a sua sabedoria. É fundamental evitar que as pessoas se sintam auto-despromovidas, que se sintam em abandono físico ou psicológico, que, como já se disse, lhes acarretará consequências muito nefastas para a sua satisfação como seres humanos. É aqui que as Universidades Seniores têm uma palavra a dizer.

E foi pensando na Senhora Anne Reinsch, que conheci na década de sessenta – era eu então uma jovem – nas poucas ofertas que a cidade de Aveiro abria aos Maiores e na minha própria situação como recém-aposentada, que nasceu em mim a ideia da criação duma Universidade Senior em Aveiro, que viria a chamar-se Academia de Saberes de Aveiro. Ela tinha que ser uma associação que congregasse na cidade, se possível no seu centro cívico, como depois no ano 2005/2006 veio a acontecer, todas as pessoas em situação de pré-reforma ou reforma, com formações académicas diferentes, com interesses variados, mas com objectivos comuns – aprender, reaprender, trocar saberes, conviver, viajar, reconhecendo-se assim como pessoas válidas, porque participantes.

Cada um de nós tem o direito de expressar a sua cidadania activa, que permita participar na sociedade em que estamos inseridos, mantendo-nos informados e, sobretudo, curiosos por tudo que se passa à nossa volta. Portanto, ser aluno duma Universidade Senior faz parte dessa educação, que tem que ser mantida ao longo de toda a Vida e que nos torna ainda mais válidos nas nossas qualificações e nas nossas competências, tanto cívicas como sociais.

Maria Teresa Silva C. Albuquerque

 


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