Poliomielite

E ACÇÃO DO ROTARY CLUBE NO SEU COMBATE

Comemora-se a 24 de Outubro o Dia Mundial de Combate à Poliomielite. É uma data assinalável na história da humanidade, que tentarei sintetizar, mas de forma a não perturbar a compreensão dos progressos registados e, também, sensibilizar os leitores para o que ainda está por fazer.

 

1. Causas e consequências da doença

A poliomielite ou paralisia infantil é uma doença contagiosa provocada pelo polivírus que se instala no sistema nervoso, causando a paralisia dos membros em poucas horas – deixando sequelas irreversíveis – e, nos casos extremos, a morte.

A transmissibilidade deste vírus, que se processa através de águas e alimentos contaminados, está na base de surtos cada vez mais frequentes e de funestas consequências.

 

A mais antiga ocorrência desta doença remonta a 1580-1530 a. C., data estabelecida a partir da observação de uma estela egípcia onde estão inseridas figuras humanas com deformações nos membros.  Seria fastidioso elencar todas as graves crises registadas, mas importa reter que foi nos finais do séc. XIX e primeiras décadas do seguinte que começaram a soar as campainhas de alarme, que fizeram acelerar o ritmo das pesquisas com vista a prevenir as nefastas consequências da doença. Só nos EUA, em 1916, morreram mais de 6000 pessoas e milhares ficaram paralíticas.

 

2. Avanços da Ciência

Em 1905, o médico sueco Ivan Nickman alertou para duas características relevantes: ser uma doença contagiosa e a sua transmissibilidade ocorrer entre os humanos. Três anos depois, Karl Landsteiner e Irwin Popper identificaram o vírus causador da doença. As pesquisas continuaram, levando à descoberta de duas vacinas: uma, por Jonas Salk, que só em 1955 foi considerada «segura e eficaz» pelas autoridades sanitárias dos EUA; a outra, uma vacina oral, desenvolvida por Albert Sabin, viria a receber igual reconhecimento 5 anos depois.

 

3. A acção do Rotary

Apesar das vacinas, em 1988 a doença continuava a difundir-se de forma alarmante, com o registo de 350 000 casos, distribuídos por 125 países. Urgia, pois, gizar uma estratégia adequada de combate à doença. Tal foi concretizado em 1988, em Genebra, na 41.ª Assembleia Mundial da Saúde, onde foi acordada a Iniciativa Global de Erradicação da Pólio, congregando diversas  instituições que assumiram os seguintes compromissos:

- A OMS, a logística da Iniciativa.

- A UNICEF, a formação do pessoal e a distribuição das vacinas.

- O CDC (Centro Norte-americano de Controlo de Doenças), a investigação e a monitorização da doença.

- O RI (Rotary International), a angariação de fundos e a consciencialização das comunidades para a oportunidade de participação neste projecto.

Estava dado o primeiro passo formal. Agora impunha-se meter ombros ao trabalho. Assim, conforme os seus princípios fundadores, RI que tinha implementado o projecto 3 H (Health, Hunger, Humanity), deu o exemplo, quando o seu Presidente, James Bomar JR., vacinou a primeira de 6 milhões de crianças filipinas. O sucesso deste programa de vacinação e a seriedade com que foram utilizados os fundos recolhidos, validada por destacadas entidades externas, concitou a agregação de muitas outras instituições, vindo a destacar-se a Fundação Bill e Melinda Gates (desde 2009), que contribui com o dobro dos montantes angariados por RI. É claro que uma operação desta envergadura – à escala universal – exige verbas avultadíssimas; mas, não são apenas fundações e estados a contribuírem com o seu apoio pois, um pouco por toda a parte, o comum do cidadão pôde associar-se, fazendo doações conformes à sua sensibilidade. Lembro que uma delas consistiu em solicitar o contributo de 1 cêntimo. Embora não tivesse como objectivo específico a recolha de fundos para o combate à pólio, esta campanha foi replicada em Aveiro, anos mais tarde, com a colocação de caixas de acrílico destinadas a acolher as ofertas – pretendia-se alcançar 1 milhão de cêntimos – , tendo como propósito apoiar RI nas seguintes áreas de intervenção (enfoques permanentes): consolidação da paz e resolução de conflitos; prevenção e tratamento de doenças; água e saneamento; saúde materno-infantil; educação básica e alfabetização; desenvolvimento económico e comunitário.

Hoje, qualquer dádiva é um auxílio prestimoso neste combate e Rotary é garante de que a sua utilização nunca será desvirtuada.

Pode haver meios financeiros, mas de pouco valeriam se não existissem voluntários e profissionais de saúde que depositassem as gotas milagrosas na boca das crianças. Nisto, os rotários foram exemplares, estiveram no terreno vencendo os obstáculos com que se deparavam: se os jipes foram o veículo de transporte mais adequado, dadas as características da topografia de muitas regiões, também motas e bicicletas foram utilizadas… E, mesmo, camelos e outros animais de carga. Em locais sem abastecimento de energia eléctrica foi preciso criar as condições para que o transporte das vacinas fosse feito em contentores refrigerados.

As boas novas – testemunho do sucesso da vacinação – foram-se sucedendo: a doença foi erradicada nas Américas, em 1994; em todo o Pacífico Ocidental, em 2000, depois da vacinação de 550 milhões de crianças. Em 2003, a doença mantinha carácter endémico em 5 países para, no presente, apenas persistir no Afeganistão e no Paquistão. Trata-se de áreas geográficas onde o combate tem sido muito difícil, para tal contribuindo circunstancialismos culturais, naturais (orografia) e o persistente clima de beligerância. Noutros termos: apenas falta vacinar 1% … é, como diz o povo, o que fica para o fim é sempre o mais difícil de esfolar!

No tempo que nos é dado viver, com a endemia da covid-19, fica claro que só acções sinérgicas conduzem ao sucesso no combate a qualquer flagelo. Se foram precisos mais de 3300 anos para obter a vacina oral contra a poliomielite, já os progressos da Ciência permitiram que a vacina contra o corona vírus tivesse ficado disponível em menos de 6 meses.

O Rotary Club de Aveiro tem-se entregue, devotadamente, ao serviço desta causa. Assim, logo em 1987, impulsionou uma campanha de colecta de fundos tendo, no ano seguinte, levado a efeito duas acções abertas à comunidade – o I Salão de Artes Plásticas e um Sarau no Teatro Aveirense (com os Antigos Orfeonistas do Orfeão Académico de Coimbra.); em ambas, a resposta obtida permitiu classificá-las como um inegável sucesso. Outras poderiam referir-se, mas destacam-se as seguintes, dispersas no tempo: o desafio lançado às escolas do ensino básico com um slogan elucidativo – “Um postal por uma vida”, o outro, a um tempo de extrema simplicidade e de forte potencial imagético, decorrente das altas personalidades mundiais que se lhe associaram deixando-se fotografar, fazendo o gesto de quase juntar os dedos indicador e polegar junto da frase “Só falta isto” e o Torneio de Padel, que este ano conheceu a sua segunda edição.

Estes são exemplos pontuais do que tem sido o empenho dos rotários para debelar esta doença. É um combate sem tréguas, mas também sem esmorecimentos. Muito do que é feito até pode passar despercebido: por exemplo, no momento em que está a ler este apontamento, para assinalar este Dia Mundial, decorre o Evento Distrital PólioPlus, organizado pelo Rotary Club de Ílhavo, Estarreja e Albergaria-a-Velha, que consiste numa Caminhada entre a Costa Nova e a Barra. Trata-se de uma acção de sensibilização, pois o grupo far-se-á notar pelo número de participantes e pelas t-shirts alusivas ao evento.

Como acima ficou dito, a humanidade vem averbando vitórias em sucessivas batalhas contra o polivírus, mas falta ganhar a guerra. Quando a trombeta propagar aos quatro cantos a vitória final, decerto que os rotários experimentarão o íntimo sentimento de regozijo pelo dever cumprido. Os rotários são voluntários. Move-os a generosidade. Não estão à espera de qualquer agradecimento. Aliás, diria que tal já foi cumprido, trazendo à colacção, pelo simbolismo que contém, o gesto do petiz filipino, cujo irmão fora salvo pela vacina e que se abeirou de Bomar e, puxando-lhe as calças, disse: “Obrigado, Rotary”.

O mundo não cessa de nos colocar novos problemas e RI, atento, não deixará de dar o seu contributo na busca das soluções mais adequadas. Assim, a par dos enfoques (acima referidos) que constituem a agenda permanente de intervenção de RI nas comunidades, um outro lhe foi acrescentado e que vai concitar uma atenção prioritária nos próximos anos: o ambiente. Onde quer que seja necessário intervir para ultrapassar ameaças ambientais, fica, desde já, a certeza de que RI não vacilará porque, decididamente, os rotários dirão: PRESENTE!

Énio Curvo Semedo, in: “Diário de Aveiro”, 20-10-2021

página anterior início página seguinte

08-11-2021