A
bicicleta é um elemento essencial na vida dos povos aveirenses.
Mais
do que os ovos moles, o mexilhão de barrica ou o moliço, ela
acompanha-os Indiscriminadamente desde o berço à tumba como
objecto utilitário ou simples meio de transporte para os seus ócios.
E compreende-se porquê.
Há
da parte dos aveirenses uma certa preferência pelos lugares
sentados. A bicicleta não será dos piores... Por alguma razão,
pois, o cognome de CAGARÉUS que aos também CEBOLEIROS assenta
como uma luva e os mesmos sempre aceitaram com mal disfarçado
orgulho.
Daí
que a bicicleta esteja para os aveirenses como o trenó está para
os esquimós. Tratando-se simultaneamente de um instrumento do
trabalho e de recreio, ela representa para os aveirenses, mais do
que um símbolo, um ancestral comum radicado em seus usos e
costumes, independentemente da casta como do poder económico de
cada qual, constituindo, por assim dizer, um traço de união
permanente entre os homens e que, por isso mesmo, engloba muitos
dos aspectos culturais das próprias gentes de Aveiro.
Facilitando
o contacto entre as pessoas e favorecendo, desse modo, o culto das
relações humanas imediatas, a BICICLETA é, portanto, para os
aveirenses uma extensão deles próprios. E é, nessa medida, que
a trazemos hoje a seus olhos como tema e fonte de inspiração que
tem sido, ao longo dos tempos, para muitos poetas e artistas... E
alguns curiosos que se divertem com isso.
Pinto
da Costa
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GRANDE
PRÉMIO
(Ao Luís Ed. Ramos)
TRIUNFADORES
COMO UM RIO DE SEDE NO DESERTO
CORREMOS SOBRE DUAS RODAS E SEM FUGAS
SERRA ACIMA
VENCEMOS DISTÂNCIAS COMO A ÁGUIA
BEM PERTO JÁ DE TODAS AS METAS NA TERRA
NOSSOS
PEDAIS SÃO ASAS E DESTINO
DOUTROS CORAÇÕES EM PAÍSES DIVERSOS
ONDE AS CORRENTES DO MEDO PARALISAM RODAS
E QUADRIZAM SEUS AROS DE VENCER MONTANHAS
MAS
NÓS NÃO DESISTIMOS
COMO OS PIORES DOS CEGOS QUE NÃO QUEREM VER
SEGUIMOS
EM FRENTE E O PELOTÃO ENGROSSA
PORQUE A NOSSA CORRIDA É UMA SERPENTE
DE MUITAS ETAPAS PARA A VITÓRIA
CONTRA
A GUERRA E PELA PAZ
CONTRA A OPRESSÃO E A FOME
VAMOS DE PÉ COMO AS FRÁGEIS COISAS
QUE SE PODEM PARTIR NUMA VIAGEM
PORQUE OS SELINS DAS NOSSAS MÁQUINAS
NÃO SÃO UM LUGAR SENTADO
ANTES A RAMPA
PARA O UNIVERSAL ABRAÇO QUE SE ESPERA
NÃO
SENDO O QUE MAIS IMPORTA
NOSSOS MÚSCULOS SÃO A ARMA E O COMEÇO
O PRINCÍPIO DOS PRÉMIOS QUE HÃO-DE VIR
POR
ISSO É QUE NOS ACOLHEM MULTIDÕES
SEGUEM CONNOSCO NÓS COM ELAS
E SOMOS DE ANTEMÃO OS VENCEDORES
PORQUE A HISTÓRIA NOS DIZ QUE ESTAMOS CERTOS
Pinto
da Costa, 12/2/1984 |
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A
bicicleta deu-lhe tudo; e tudo lhe roubou.
Da
morte dos homens e das aves
Duas
mortes no mesmo dia: a de Joaquim Agostinho, pela manhã, e a de
um periquito em minha casa, pela tarde. Ambas no dia 10 de Maio de
1984.
Dir-se-á
que tem o grande ciclista a ver com a pequena ave?... Uma coisa
muito simples: um datou o outro. Quando, em tempos a vir, alguém
me falar na morte de Agostinho, no correr dessas conversas de tudo
e nada, eu, um tanto distante, direi:
-
Ah! Sim, foi no dia, em que morreu o meu periquito verde...»
E
quando, por sua vez, num desses momentos de ócio que nos tomam de
maneira desalentada, eu me lembrar do periquito verde,
certamente que não deixarei de pensar:
-
«Ah, sim, o periquito que morreu no dia em que Agostinho
morreu...»
-
Ah, pois, foi no dia em que morreu o meu periquito verde...
E
será desta maneira, um tanto exclamativa (mas não muito), que
duas mortes serão lembradas, pois que tudo anda ligado, embora o
homem pedale e as aves voem até ao ponto final do encontro de
tudo.
Pedro
Alvim, 24/5/1984
Outra
bicicleta mais veloz que a verdade
por
Carlos Leite
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Outra
bicicleta mais veloz que a verdade
das cautelas numeradas sobre a qual Sorte
me queres a toda a força montar quisera eu agora
eu que de tudo o que quero é só não ter ou não ser de
pedalar mas estar agora aqui assim pedalando.
Olha Sorte para melhor me teres ou comigo estares
joguemos um tudo ou nada lotaria simples
a não haver tu nem a verdade nem sequer um
bicicleta mais leve do que esta com que pedalo
ao longo duma ainda mais aleatória estrada
país ou dia intransitáveis. Se ganhares
dizendo sim sem esforço nenhum me ganhaste
Destino cego e eu cumpro monto dócil até ao fim.
Mas se não te perderes então uma de alumínio quero
marca Altis roda 28.
In:
"Diário de Lisboa" de 1/11/1984
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