«Num deserto de areia ou incerteza
O desejo desenha.
Fantasia um fantasma, que lhe venha
Acudir. (...)»
Miguel Torga, A Miragem in Poemas Ibéricos
Lendas,
Brainstorm, Mensagem, Terra Mar, Espaço e Tempo, Viagens do Olhar —
eis como intitula algumas das suas obras o pintor Fernando
Rodrigues. Seduzido e encantado por viagens/peregrinações, tema
recorrente na sua produção artística, Fernando Rodrigues, não
esconde o fascínio pela Mensagem do seu poeta homónimo. Na exposição
que ora apresenta, das grandes telas em técnica mista aos óleos de
menores dimensões, um fio invisível conduz o espectador por
paisagens imaginárias, mapas/roteiros de viagens sonhadas, caminhos
que levam a lado nenhum senão, talvez, ao fundo da alma. A alma de
um povo que espera Sebastião, o Encoberto, perdido e nunca
encontrado nos campos de Alcácer-Quibir. Será Sebastião o vulto que
encontramos nas telas, saído da lenda para combater o Big Brother
orwelliano que a todos oprime neste tempo de globalização? Será
El-Rei ou o Santo, o S. Sebastião martirizado em nome de uma fé que
levou os portugueses à procura de Preste João? Que nas viagens do
olhar de Fernando Rodrigues se inscrevem paisagens/miragens de
África.., geografias de desertos e oásis de sensualidade e exotismo.
Como em Mensagem, Espaço e Tempo e em outros onde linhas e mais
linhas, redondas, voluptuosas sugerem seios femininos e formas
fálicas; deuses-mãe trazidas de tempos imemoriais para celebrar a
vida nunca esquecida nas manchas verdes e azuis onde se desenha a
Cruz de Crísto, peregrina de mares nunca antes navegados; o
cromatismo de tonalidades quentes, cores de terra, de muitas terras,
desertos sem fim, laranjas e amarelos de invocações selares,
vermelhos sensuais, sangue de heróis e de santos de aquém e
além-mar. As suas telas/mapas registam rios lineares ou ondulantes
como serpentes, árvores outonais, montanhas, grutas e úteros das
Vénus, num simbolismo que leva aos cultos da Terra-mãe. Cartografia
de outros tempos «Lenda(s)» sintetiza a(s) mensagen(s) que perseguem
Fernando Rodrigues. Aqui o pintor perde-se por itinerários do
sagrado e do profano num mapa da Terra que civilizações antigas
representavam como tábua plana flutuando nas águas do grande abismo,
suportada por serpentes e/ou outras criaturas fantásticas. Só um
observador atento descobre nele a magia de símbolos de variados
tempos e lugares: caminhos sem princípio nem fim; setas e
guerreiros; S. Sebastião mártir, o rosário, a igreja; muralhas,
fortalezas e castelos; a casinha branca com telhado vermelho que
lembra a infância; a magia da carta de Tarot dos jogos sagrados
divinatórios só para iniciados; os números 7, 3,1, 2 e 6 de
conotações místicas complexas na tradição do Ocidente e Oriente; a
letra A (de África?); a chave, símbolo místico do conhecimento do
além, ligada ao ocultismo dos magos medievais e às palavras mágicas
facilitadoras das passagens... Também a palavra “Peregrinação”. De
novo as viagens ou será apenas a palavra porque no começo era o
verbo? Os fios que saem da tela e evocam Ariadne que libertou Teseu
do Labirinto de Creta e simbolizam o destino dos povos, a morte e o
renascimento. Recorrendo a colagens, Fernando Rodrigues mergulha na
história com uma espada, recupera o norte com a Rosa dos Ventos e
regressa ao presente em fragmentos de jornais. De novo os vultos
enigmáticos... homenagem a Magritte? Ou serão fantasmas? Camões,
Vieira ou Pessoa? Não importa... é urgente ver para além do visível.
Rosa Idalina Giesta, Março 2005
Fernando Rodrigues, pintor informalista?
Com Kandinsky o
mundo da abstracção foi posto em causa pelos pares da sua época,
dado o corte com a “arte objectiva”. No entanto as suas formas
marcadamente geométricas estavam ainda ligadas a um formalismo
vigente, mas um novo conceito de arte surgiu. Posteriormente Tàpies
mais radical, influenciado pelas tradições artísticas e filosóficas
orientais, concretamente, o budismo zen, deixou para trás caminhos
inicialmente trilhados para se dedicar unicamente à forma matérica
com toda a inocência e pureza que dela emerge, libertada enfim de
todos os seus condicionalismos. Semelhante sentimento de libertação
teria sentido Jakson Pollock.
Na minha
perspectiva a pintura de Fernando Rodrigues poderá ser relacionada
com a de Tàpies, não só pelo conceito como pela forma. Nos seus
quadros, a matéria é espalhada por toda a tela, generosamente, e por
vezes, aqui e ali, são reconhecíveis pequenos elementos figurativos
dentro de uma simbologia que lhe é muito própria. A sua pintura tem
força e desperta no leitor uma aura de magia e deslumbramento. E
como um activador de contemplação, isto é, um instrumento para
perturbar os hábitos perceptivos do espectador, fazendo-o participar
numa realidade alternativa oculta sob a rotina e a alienação.
Jeremias Bandarra, 03/ 02/ 2005 |