m. bixirão
Por um amanhecer calmo, largamos da Baía-Farta, pequeno centro piscatório
ao sul de Benguela; meia dúzia
de «pescarias», meia centena de casas, uma igrejinha a alvejar lá no
ponto da «restinga», frente virada ao mar como que a mantê-lo
tranquilo, uma toalha de águas calmas e plácidas...
Rumo ao Lobito! Como os nossos corações batem!
É o regresso à
Pátria, aos seres que nos são queridos.
Pouco mais de duas horas e eis-nos no Lobito, saltando-nos à vista
a sua tão pitoresca «restinga», a que os olhos ficam presos com tal
panorama. Nem parece África, a África dos terrenos calcinados,
desprovidos de vegetação, que se avistam do outro lado da baía.
Escassas horas aí estamos; meter água, combustível, mais
mantimentos, que a viagem de regresso é demorada.
Ainda se arranja tempo para trocarmos «dois dedos» de conversa com alguns conterrâneos,
a lembrar Ílhavo e as famílias distantes e de novo largamos para o mar.
E começa a enorme viagem, ainda com uma ligeira paragem em Dakar,
para abastecimento de combustível. Vinte dias a navegar... e como o
mar é grande! Água, sempre água e calor, que nos persegue
tenazmente, de noite e dia; na casa de máquinas, a temperatura sobe rapidamente.
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Um dia, outro e muitos mais se sucedem; é como que um encantamento,
parece que o navio não mais sairá do mesmo lugar.
Mas chegamos a Dakar; três, quatro horas apenas ali estamos, mas
que servem como que para criar novas forças para o prosseguimento da
viagem.
E vamos atingindo outras latitudes, com
ares mais frescos, agora já
com terra à vista, as Canários tão verdejantes, e os nossos corações
vão sossegando, a paz volta aos nossos espíritos; mais e mais a
lembrança dos seres queridos e da nossa Terra se vão
fixando no nosso pensamento.
Tão longe, tão longe, como
ela está, a nossa Terra! Quando veremos nós, a romper pelo mar
dentro, qual dedo gigantesco a apontar-nos o caminho certo e seguro,
a Ponta do Infante? As Berlengas, a Roca, toda esta costa agreste,
mas que é a nossa Pátria?
A nossa Pátria! Oh! como ela é linda e como nós a estremecemos do
fundo do coração!
Terras boas e hospitaleiras, quantas há e quantas vezes nos seduzem,
mas que sempre deixamos pela que nos viu nascer!
Costas agrestes, ventosas, batidas pela tempestade?
É a nossa
Pátria. Penedias, areais imensos, secos, estéreis? É a nossa
Pátria.
Mas também vales lindos e pitorescos, povoações airosas e
cheias de sol, criancinhas descuidadas a brincarem nas ruas, capelas
branquinhas com a sua cruz protectora a adejar lá no alto e seus
sinos a repicarem em ar de festa, rios generosos, terras produtivas,
gentes boas e sãs? É a nossa Pátria. É, sim, a nossa Pátria!
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Mais e mais nos aproximamos dela, e um dia, finalmente, surgiu Lagos,
sua casaria branca, seu aspecto moirisco. Poucas horas aí perdemos e
de novo nos encontramos no mar, ai de nós! Rumo a Itália, aonde
iremos descarregar o atum, produto de tantos meses de trabalhos e
canseiras.
Deixamos de avistar terra, para mais tarde nos surgir Trafalgar, por
um lado e a costa de África por outro. O estreito da Gibraltar está
à vista; mas por um momento, nesse entardecer, parece-nos avistar
ainda as silhuetas das fragatas vitoriosas de Nelson, que aqui
gloriosamente perdeu a vida. Já Gibraltar está à vista! Mas ao
longe, pois que nos vamos aproximando da costa de África.
E surge-nos o Mediterrâneo; aqui, tudo muda; o ar é outro, mais
quente, o céu mais azul, as águas com tonalidades berrantes.
E contra o que sucede ao longo da costa de
África, no Atlântico,
aqui constantemente se avista um grande número de navios, a maioria
petroleiros no caminho do Próximo Oriente. Dezenas e dezenas deles
se avistam sempre, de noite e dia.
Ao largo, cada vez mais longe, já mal se avista «el Peñon»;
também, dentro em pouco, se deixarão de avistar terras de África.
E o navio, ponto minúsculo naquela imensidade, vai sempre e
sempre avançando.
A viagem continua...
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