Preâmbulo
– Avô, porque guardas todas estas fotografias de
quando andaste na guerra em Angola?
– Olha, menina, quando lá andei fui tirando
fotografias, que eu mesmo, no mato, revelava e imprimia, porque levei o
meu laboratório fotográfico. Enquanto fazia estes serviços não pensava
noutra coisa!
– Avô, era muito difícil a guerra? Havia em Angola
meninos e meninas como eu? Eles também morriam na guerra? Como era
Angola? Dizem que era muito grande e rica, contou-nos a “Sora” de
Geografia.
– Olha, Ana Rita, és muito nova para te contar tudo o
que lá se passava naquela época, mas eu prometo-te que vou escrever
tudo, para tu, quando fores grande, leres e perceberes o que os
“rapazes” da minha idade lá passaram.
– Tu é que sabes! – Foi a resposta. Sinal de que não
concordava com o que lhe tinha dito!…
Esta malta de agora quer saber imediatamente tudo, mas não julguei
conveniente que uma criança de dez anos tomasse conhecimento, não
daquilo que lá fizemos e sim daquilo que não fizemos e poderíamos ter
feito.
Também nada custa ir contando a história do que
passámos, sempre que haja tempo e disponibilidade mental para o fazer.
Temos que ter em atenção que, mesmo lá, procurávamos esquecer o que se
tinha passado no dia anterior, ou nem pensar no que nos poderia
acontecer no dia seguinte, quando nas estradas – picadas – nos poderiam
esperar emboscadas e, principalmente, minas anti-carro.
As minas eram um terror! A estrada por onde teríamos
de passar quando íamos ao abastecimento em São Salvador do Congo, numa
zona de descida para o rio Luvo, era um local de terra barrenta que
fazia derrapar as viaturas. Tinha sido atapetada com grainha de cobre –
estávamos perto das minas do Mavoio – e esses restos do cobre evitavam a
derrapagem das viaturas. Só que veio a guerra, e o inimigo aproveitando
essa condição montava aí minas, onde era impossível o detector
localizá-las. Ia sempre a cantar, como nós dizíamos. A única solução era
a utilização de ferros afiados numa ponta com os quais picávamos a
estrada.
Para nós foi o período mais difícil. Estávamos
preparados, física e psicologicamente para sofrer emboscadas e reagir a
elas, para montar emboscadas e reagir à reacção do inimigo (IN). Mas
como reagir ao rebentamento de uma mina anti-carro, não sabíamos! Se ao
menos o IN fizesse fogo nós reagiríamos. Mas não, as minas eram armadas
e colocadas durante a noite e bem dissimuladas. Que raiva…
Foi especialmente nessa zona que alguns companheiros
nossos perderam a vida POR ANGOLA.
Só mais tarde descobrimos uma picada – caminho de pé posto – que passava
perto desta zona e então compreendemos o que se estava a passar. Essa
picada era passagem de reabastecimento do IN que, vindo do Congo, se
dirigia para a região dos Dembos, aproveitando a sua passagem para nos
deixarem tristes “recordações”.
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