Minha filha mais nova
resolveu casar. Sabendo como eu sempre estivera e continuava
ligada à casa onde nascera e gostando, também ela, muito daquele
espaço onde brincara com os irmãos sob o olhar ternurento da avó,
resolveu que aí iria receber os convidados e teria lugar a boda no
dia de suas núpcias.
A minha alegria foi grande
pela escolha mas, os gastos e o trabalho não foram menores. Foi
necessário fazer obras; restaurar e pintar, cuidar do jardim e do
quintal enfim, um sem número de tarefas que ocuparam muita gente
durante muito tempo.
Tudo tinha de ficar a
brilhar para em tão célebre data acolher tão distinta festa.
Num certo dia, ao
procedermos a trabalhos de recuperação e restauro, tivemos de
remover uma enorme trepadeira que crescia sobre uma velha trave do
telheiro da eira, para podermos reparar o telhado e caiar as
paredes.
Quando o meu marido
procedia à retirada da planta com todos os cuidados para a repor
de novo no lugar após concluídos os trabalhos, encontrou entre a
folhagem um artístico ninho de melro que já tinha servido de lar.
Pegando-lhe retirou-o do emaranhado de raminhos atirou-o para a
eira seguindo o seu trajecto com o olhar. Quando ele caiu viu
qualquer coisa a brilhar. Interessado e curioso, desceu do
telhado, pegou no ninho e resolveu desmanchá-lo e observá-lo para
ver de onde provinha aquele brilho. Todos os seus sentidos foram
alertados e a sua curiosidade espicaçada quando vislumbrou no meio
daquela artística amálgama de terra e palha mais uns brilhantes
raiozinhos de luz. Mais cuidadosamente e com curiosidade redobrada
desfez entre os dedos, a pasta que compunha o ninho e qual não foi
o seu espanto ao verificar que o que ali reluzia era ouro, ouro de
lei; nada mais nada menos que uma pulseirinha de criança.
Nascido na aldeia, amigo
como sempre foi de observar a vida de qualquer ser vivo no seu
habitat natural, e conhecedor atento do voar, do canto, da forma e
dos ninhos de todos os pássaros da zona, os seus olhos brilhavam
de alegria e curiosidade perante tal achado nunca antes visto.
Cheio de admiração, não se
conteve e correu para casa a mostrar-mo.
– Não queres saber que os
ladrões dos melros além de escolherem a melhor fruta do quintal
para se banquetearem ainda querem ter os filhos em berço de oiro?
Fiquei, também eu, deveras
admirada, deslumbrada mesmo. Lembro-me sempre dos passeios que
dava ainda criança na companhia de meu pai, pelos campos e pelos
pinhais e do modo carinhoso como me ensinava a distinguir as aves
voando. Gosto muito dos melros; de os ver no seu fato preto
parecendo adornados de ouro no rebrilhar do seu bico amarelo,
gosto ainda mais de os ouvir cantar. Já não lhes acho tanta graça
quando ao ir colher a fruta, deparo com eles empoleirados nas
árvores, gulosos, tão gulosos que, por vezes nem deixam nada. Não
esperaria nunca é que, além de gulosos, fossem também tão briosos,
a ponto de quererem que seus filhos nascessem em berço de ouro!
Rimo-nos com o inédito,
contei aos vizinhos e aos amigos, guardei a pulseira, mas o facto
esqueceu no meio da azáfama.
Nas vésperas do casamento
os noivos vieram ali ver os preparativos da festa; só então tive a
oportunidade de lhes contar o sucedido e mostrar a pulseirinha. Ao
vê-la, minha filha admirada sorri feliz e diz-me:
– Não te lembras, Mamã?
Quando eu fiz oito anos qual foi o presente de aniversário que me
ofereceste?
– Claro que não, já lá vai
tanto tempo! Como me haveria de lembrar?
– Pensa, pensa um pouco,
até tivemos uma grande arrelia...
Parando uns momentos,
veio-me à ideia aquela tarde de festa e brincadeira. Tanta
brincadeira, com os irmãos, os primos e os amigos, tanta correria
pelos pátios e pelo quintal que tive de intervir e por cobro à
euforia infantil não fosse terminar a festa com algum deles
magoado.
Abrandaram um pouco mas, passados uns minutos apareceu-me a
aniversariante a chorar, lavada em lágrimas.
– Que aconteceu, minha filha? Caíste ou magoaram-te? –
Perguntei-lhe aflita, abraçando-a.
– Não Mamã, não foi nada disso, foi pior.
– Pior? O que pode ser pior? – quase gritei.
Perdi a pulseirinha de ouro com a medalhinha que hoje me deste e
já procurámos tudo e ela não aparece.
Acalmei-a e fomos todos procurar, revolver a casa, o pátio e o
quintal. Tudo em vão.
Nem queria acreditar mas,
minha filha com a pulseira na mão afirmava:
– Era, esta Mamã!... Vê
bem, ainda tem a medalhinha!
Não fora ela e dificilmente
me teria recordado do acontecido e reconhecido a pulseira.
Toda a família achou
deveras curioso o insólito presente de casamento que o acaso
proporcionara.
Como porém a pulseirinha já
nem servia à dona e se encontrava suja, não havendo tempo de a
limpar para o dia seguinte, fiquei eu como fiel depositária do
tesouro.
Passada a festa quando a
vida retomou o ritmo normal, num dia à noite, fomos visitados pelo
jovem casal que resplandecia de felicidade. Vinham anunciar-nos
que dentro de alguns meses iríamos ser avós. A alegria foi grande
como é natural. Abraçámo-nos, brindámos ao novo membro da família
e após a sua retirada tive uma ideia brilhante. Brilhante porque
tinha a ver com brilho; o brilho do ouro.
No dia seguinte corri à
ourivesaria e mandei limpar a pulseirinha e a medalha que estavam
esquecidas desde a véspera do casamento.
Em Dezembro baptizava-se o
primeiro filho do jovem casal. Entre os presentes do Neófito,
coloquei a pulseirinha da Mamã brilhando como nova.
Hoje o rapaz já é
crescidinho, é um tanto mais irrequieto que a mãe e não gosta
menos de correr e brincar no quintal da nossa antiga e querida
casa.
Faço
votos que, se o traquinas do meu netinho, por sua vez, perder a
pulseira, tenha por perto, de serviço, um dos melros que moram no
meu quintal.
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