Aida Viegas, Oliveira do Bairro. Memórias de um século. Águeda, AVI, 1994, pp. 91-95.

Vestuário

Muitas pessoas nascidas na primeira metade do século vinte não terão por certo conhecido seus bisavós. Poderão, no entanto, saber como se vestiam através de fotografias ou por descrições que ouviram.

Os homens usavam: calças, coletes e gabões de teci­dos grosseiros como a lã e o burel. No bolso do colete usavam belos relógios com correntes de ouro. As camisas tinham peitilhos e colarinhos postiços que eram engomados assim como os punhos, estes abotoados com botões de punho em ouro ou pechisbeque. As cuecas e ceroulas de perneiras compridas eram de algodão ou flanela. Alguns homens também usavam faixa ou cinta e vestiam por cima do colete e da camisa um casaco. Nos trabalhos do campo em vez do colete e do casaco usavam uma camurcina. Na cabeça usavam chapéus ou gorros de lã. Os camponeses andavam a maior parte do tempo descalços. Quando andavam calçados usavam botas ou tamancos de cabedal e madeira. As mulheres vestiam três ou quatro saias compri­das umas por cima das outras, sendo as de baixo em pano de algodão ou linho e as outras em lã ou serguilha. Para segurar ou arregaçar a saia e aconchegar o ventre, punham à altura das ancas a cinta, uma faixa de tecido, cujas pontas eram rematadas com franjas, e que era presa com um nó ou laço atrás ou na ilharga.

Foi usada até aos anos cinquenta mas, nessa altura, apenas pelas mulheres de idade.

Havia quem colocasse a cinta com tal arte que esta se tomava verdadeira peça de adorno.

Vestiam por dentro uma camisa ou corpete de breta­nha, linho ou algodão seguida de uma blusa, branca ou às flores, e do colete; raramente usavam casaco. Também faziam parte do trajo o avental e uma algibeira.

O xaile, o seu principal agasalho, era uma peça muito apreciada, de vários tamanhos e espessuras e feito de diversos materiais; havia xailes de lã, de sedas grossas e pesadas com grandes e bonitas franjas e outros de seda fina rematados com franjas curtas e leves. Estes, além de agasalhar serviam simultaneamente de adorno.

O xaile era um precioso auxiliar das mães para traze­rem ao colo seus filhos, aconchegados no calor do seu seio. Ao convite duns braços abertos envolvidos num xaile “anda pró xailinho!” - nenhuma criança resistia.

Ainda hoje algumas pessoas possuem bonitos exem­plares desta peça de vestuário.

Na cabeça, as nossas avós usavam lenços de lã ou algodão e pequenos chapéus pretos de abas curtas ou sem abas, enfeitados com um laço de fita de veludo e uma pena; nas orelhas, as mulheres usavam arrecadas de ouro ou raramente de plaqué.

Nos pés calçavam chinelas ou tamancos e raramente botinas passando, no entanto, como os homens a maior parte do tempo descalças.

Não faziam parte da indumentária feminina das cam­ponesas nem as cuecas nem o soutien; este, em parte, era substituído pelo colete; porém, a outra pecinha parece que apenas tinha como substituto, em certo período do mês, um saiote de flanela vermelha usado junto ao corpo.

Esta e outras situações causam-nos hoje uma certa perplexidade mas esta era a realidade de então.

A lã e o linho eram inicialmente tecidos em casa, no entanto os teares foram rareando e mais tarde apenas se usavam para tecer mantas de lã ou de farrapos, passadeiras e tapetes. Com o correr dos anos o trajo foi sofrendo alterações bem como os adornos e os complementos. Assim, as mulheres passaram a enfeitar as orelhas com as ciganas e as meias libras, sendo estas substituídas por brincos mais pequenos que também caíram em desuso.

As orelhas das meninas eram furadas logo à nascença pela parteira que aí deixava linhas.

Toda a rapariga tinha uma volta de ouro e quando mulher um cordão com medalhão ou argola mais ou menos grosso conforme a sua bolsa.

A camisa e o corpete deram lugar à combinação, o colete ao soutien. As saias subiram; a cinta, o chapéu e a algibeira saíram de circulação. As cuecas começaram len­tamente a ser usadas pelas mais jovens. O vestido e o casa­co passaram a fazer parte da indumentária feminina. O lenço, o xaile e o avental perduraram por muitos anos como peças de uso diário; este último, umas vezes servia para proteger a saia outras para enfeite e raramente era dispen­sado, apenas algumas mulheres mais distinguidas pela sua posição social não o usavam. No verão, na praia da Costa Nova, era hábito tomarem banho em combinação e alguma mais evoluída alugava um fato de banho ao banheiro. As mulheres usavam o cabelo comprido entrançado em quatro, duas ou uma trança, que só desmanchavam uma vez por semana ou de quinze em quinze dias; pela manhã alisavam a parte do cabelo que não estava entrançado com uma tra­vessa que depois colocavam como adorno sobre as tranças.

A certa altura apareceu a moda dos totós, dos carra­pitos e das popas, mais tarde surgiram as bananas e os rabos de cavalo. Só muito raramente lavavam a cabeça.

O cabelo das meninas era enfeitado com grandes e bonitos laçarotes de fitas de seda. Quando elas iam de anjinho nas procissões, as mães mais briosas faziam-lhes cachos de caracóis; para tal, molhavam o cabelo com água e açúcar e enrolavam-no nos cabos redondos dos garfos de ferro aquecidos ao lume. Uma vez seco os caracóis ficavam direitinhos e tesos.

Pelos finais dos anos cinquenta começaram a apare­cer os cabelos “curtados e à permanente” estando também em voga a brilhantina.

Para entrarem nas igrejas e assistir às cerimónias religiosas, as mulheres eram obrigadas a levar a cabeça coberta com um lenço, um véu ou uma écharpe.

Ano após ano as mudanças foram surgindo e quase sem darmos por ela as mulheres das nossas aldeias hoje pouco se distinguem das da maior parte do mundo.

A mudança no traje masculino não foi muito significativa; foram postos de parte os tamancos, as ceroulas desapareceram, as alpercatas deram lugar às modernas sapatilhas, vulgo ténis. As botas são hoje mais confortáveis embora menos duradoiras.

A cabeça anda definitivamente destapada. Os adere­ços em ouro foram excluídos dos enfeites dos galãs. As camurcinas deram lugar aos kispos. A cinta foi relegada para os ranchos. O gabão foi substituído pelo sobretudo e gabardina. Esta fez furor em determinada época em que os pipis se passeavam cheios de prosa de gabardina ao ombro mesmo que estivesse calor

Colarinhos, peitilhos, punhos postiços e engomados não são mais o inferno das mulheres da família.

As cuecas de meia perna em tecido, que foram reduzi­das a biquinis em malhas aconchegantes, estão hoje a apa­recer de novo embora com cortes e tecidos mais modernos.

A gravata, peça indispensável para quem ia à vila - já que não se podia entrar em nenhuma repartição pública sem a levar ao pescoço - foi pendurada no prego durante vários anos mas também está de novo em voga. Noutros tempos, alugavam-se ou emprestavam-se gravatas à entra­da do clube do Troviscal.

Apresentamos em seguida uma lista de nomes de tecidos, usados pelos nossos avós:

Serguilha - pano grosso de lã sem pelo.

Burel - pano grosseiro de lã.

Bretanha - tecido fino de algodão ou linho.

Pano cru - tecido de algodão que não foi corado.

Estopa - tecido fabricado da parte mais grosseira do linho.

Merino - tecido de lã de carneiro merino.

Chita - tecido ordinário de algodão, estampado a cores.

Baeta - pano felpudo, tecido grosso de algodão.

Adamascado - tecido a imitar o damasco.

Escumilha - tecido muito fino de lã ou seda.

Cotim - espécie de tecido de algodão.

Gorgorina - gorgorão fino em algodão.

Crepe - tecido de seda ou lã fina.

Gorgorão - tecido de seda, encorpado e em cordões.

Popelina - tecido fino próprio para camisas.


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