2011-12

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Intervenção de Helena Bóia. Clicar para ampliar. Intervenção de José Pedro Leitão. Clicar para ampliar. Intervenção de Cristina Borges. Clicar para ampliar. Intervenção de Romeu Costa. Clicar para ampliar.

 
                 


Escola Secundária José Estêvão – 22 Março 2012

Colóquio “ A minha Escola, o meu Futuro...”

Bom dia. Chamo-me Zé Pedro, sou de Aveiro e toco contrabaixo nos Deolinda.

Fui aluno desta escola do 7º ao 12º ano. Na altura, a música ainda não estava tão presente na minha vida. Estudava ciências e ainda pensei seguir a electrónica e as telecomunicações, que na altura eram uma coisa muito avançada e exótica. Praticamente não existia internet, os jogos de computador eram muito básicos. Só muito poucos adultos tinham telemóvel que era mais ou menos do mesmo tamanho que as vossas mochilas da escola. Ocupávamos os intervalos à conversa com os amigos. Ocasionalmente, no ginásio da escola, havia concertos a que ia. Gostava de assistir e não me imaginava em cima de um palco.

Mais tarde, entre o 10º e o 12º ano, alguns colegas meus formaram uma banda. Através da música, conheciam algumas pessoas que tinham mais um ano ou dois do que eu e que nessa altura me pareciam muito mais velhos e adultos. Eu ia assistir a alguns ensaios e achei que devia ter a sua piada tocar um instrumento musical. Não mais do que isto, para mim era um passatempo. Não que os meus pais não tivessem insistido comigo várias vezes ao longo da adolescência para tocar um instrumento musical. A minha mãe perguntava-me de tempos a tempos se não queria aprender, por exemplo, guitarra. Nunca tive grande vontade, até um dia decidir que queria tocar baixo eléctrico. De uma forma muito simples, é um instrumento de 4 cordas, com uma afinação mais grave que a guitarra. Um instrumento que me permitia ter um papel na música, numa banda, mas se calhar um papel mais low-profile, mais recatado. Se calhar, sem me aperceber, mais a ver comigo. Isto aconteceu no final do liceu.

Tenho as melhores recordações dos anos que passei nesta escola. Muito antes de ter sido aqui aluno, estava habituado a vir cá porque a minha mãe era e ainda é cá professora, e está aqui hoje. Impressionava-me o tamanho da escola com corredores gigantes, muitas salas de aula, laboratórios, ginásio, campos de futebol, basquete, biblioteca, um mundo. Muitos professores marcaram-me na aprendizagem, pela grande sabedoria que tinham, mas também pelo dom de nos manter concentrados e com vontade de aprender muitas vezes temas e matérias difíceis para adolescentes. Adorava as aulas de trabalhos manuais, lembro-me de fazer as mais variadas coisas. Um barco pisa papéis em ferro, um candeeiro em barro, um painel de azulejos com a  ponte do canal de São Roque e um tapete de Arraiolos em que conseguimos juntar a turma toda e cada um fazia um quadrado de tapete igual. No final, juntámos tudo e oferecemos à escola.

Para além das aulas, as visitas de estudo eram também uma grande diversão. Organizávamos algumas actividades para juntar dinheiro para ajudar a pagar a visita de estudo. As nossas mães faziam bolos para vender na sala dos professores. Mas havia situações mais engraçadas. No 11º ano, alguém na turma conseguiu que uma fábrica da zona de Aveiro nos desse alguma louça com ligeiros defeitos para vender na escola e ajudar nas despesas de uma visita de estudo a Londres. No final de uma manhã de aulas, chegou à escola uma carrinha completamente carregada de louça. O átrio principal da escola ficou tão cheio, parecia uma feira e nós todos contentes a vender a louça aos funcionários e aos professores. Isto ajudou-me a perceber como uma boa ideia, vontade de trabalhar, não ter medo de arriscar e uma comunidade que dê aos jovens um contributo para poderem extravasar as suas ideias e a sua energia podem dar um excelente resultado. No final do ano, ir a Londres, andar pela primeira vez de avião e ver uma loja de discos tão grande que tinha uma estação de rádio dentro da própria loja foi marcante. Nesta altura, estudava ciências, para poder concorrer a engenharia civil. Ao contrário da música, desde pequeno me fascinavam as obras e as escavadores, muito provavelmente por ser filho e neto de engenheiros civis.

Lembro-me do Verão do 12º ano, em que depois do último exame nacional feito nesta escola, fui com uma série de colegas para o Porto a um grande festival, para ver uma série de bandas que a vocês já não vos devem dizer grande coisa: Smashing Pumpkins, Skunk Anansie, Beck. Com o final do liceu, como a música ainda estava a despontar, segui Engenharia Civil, no Porto, na Faculdade de Engenharia. Comecei a ter aulas de música ao mesmo tempo que estava na Faculdade. Passado um ano de começar a tocar, fui convidado para fazer parte de uma banda em Aveiro, os FULL PULL. Musicalmente era bastante diferente do que faço hoje em dia, uma mistura de rap e metal. Mas, olhando para trás, é engraçado perceber que na minha primeira banda se cantava em Português e que as letras apesar de um teor bastante diferente dos Deolinda, para a nossa idade, tinham uma consciência cívica.

Chegou o dia do meu primeiro concerto. Acho que o nervosismo que sentia não me deixou ficar com grandes recordações. O concerto foi no ginásio desta escola e tocámos 5 ou 6 músicas.  Passou depressa mas a sensação de poder partilhar música foi muito recompensadora.

A partir deste momento, a minha vida foi mudando. Entre os estudos de engenharia, tinha de arranjar tempo para estudar música. Passados dois anos no Porto, mudei-me para Lisboa, para o Técnico. A música ocupava cada vez mais tempo e tinha de me organizar meticulosamente para seguir a aprendizagem do contrabaixo, o meu instrumento, que comecei a tocar em Lisboa pela influência do Jazz. Estava a estudar ao mesmo tempo na Escola de Jazz do Hot Club, em Lisboa, no Conservatório Nacional, onde me encontrava a estudar contrabaixo clássico, e no Instituto Superior Técnico onde estudava engenharia. Foram anos agitados, em que a música muitas vezes era o escape para o estudo da engenharia. Isto levou-me a perceber que áreas tão distintas como a música, uma arte e a engenharia, uma ciência, estão aparentemente muito mais próximas do que eu imaginava. Se por um lado, para nos expressarmos musicalmente temos de utilizar a criatividade a improvisação e a emoção do momento, por outro, temos de ter o rigor de cumprir a harmonia, de ter um tempo consistente a tocar ou uma intensidade adequada. Expressões que, quando aplicadas à engenharia, também fazem todo o sentido. Se ao rigor na análise do problema e à consistência do cálculo efectuado não improvisarmos uma nova solução, harmoniosa, não conseguiremos avançar.

À medida que ia tendo mais experiência a tocar, ia-me entusiasmando cada vez mais e os concertos começavam a suceder-se. Quer em grupos de jazz, quer na banda que tive antes dos Deolinda, os Lupanar. Foram muitos anos a estudar, a ensaiar, a tocar em salas vazias em péssimas condições para os músicos e o público mas com a certeza de que, um dia, se dependesse de mim, iria fazer apenas o que gostava verdadeiramente. Música.

Mas esse dia tardava em chegar. Acabei o curso e naturalmente comecei à procura de emprego como engenheiro. Conciliava as horas de trabalho como projectista de redes de abastecimento de água e saneamento com os concertos nos tempos livres. Os primeiros ensaios dos Deolinda eram à noite ou aos fins de semana, depois de um dia de trabalho esgotante, dia após dia, semana após semana. Destes tempos retiro que uma grande qualidade que a escola nos incute é a organização do tempo. Apercebi-me também que aguentamos muito mais do que alguma vez podemos pensar. Chega o dia do primeiro concerto dos Deolinda em 2006 em Lisboa. Há pouco menos de 6 anos. Foi num sala, em Lisboa para não mais do que 50 amigos. As músicas foram bem recebidas, mas mal imaginávamos o que se passaria nos anos seguintes. Entre dias de trabalho e noites de ensaio, os concertos com os Deolinda começavam a suceder-se. Cada vez tínhamos mais público nos concertos e a vontade de gravar um disco surgiu. Em Dezembro de 2007, entrámos em estúdio e em Abril de 2008, saiu o primeiro disco, “Canção ao lado”. Depois de um final de Primavera e Verão com muitos concertos, com muitas pessoas e as primeiras salas esgotadas, era impossível aguentar este ritmo. Impunha-se uma escolha. Ou continuava a trabalhar como engenheiro, e arrepender-me-ia até ao fim da minha vida, ou então, dava um salto para o desconhecido e tornava-me músico, trabalhador independente, gestor da minha vida e da minha vontade, em conjunto com os meus colegas e familiares de banda e toda a equipa que nos acompanha.

Depois de muito pensar, era óbvia a decisão a tomar. Tinha passado os últimos meses a pedir ao chefe no trabalho mais um bocadinho de hora de almoço, que compensaria ao final do dia, para poder ir tocar à televisão. Saía mais cedo no final da semana e metia-me a correr no carro para de Lisboa ir até Aveiro, Coimbra, Porto e chegar a horas de poder tocar. Até que em Fevereiro de 2009, despedi-me de todos e saí do trabalho rumo a Abrantes para o meu primeiro concerto somente como músico profissional. Com muita persistência e organização, tinha conseguido o que a partir do final da adolescência sempre quis, ser músico profissional. Nesse mesmo mês levámos pela primeira vez a Deolinda além fronteiras. O nosso primeiro concerto fora de Portugal foi na Bélgica. Graças a estarmos a fazer a primeira parte da Tereza Salgueiro, cantora que havia pertencido aos Madredeus, tínhamos um teatro cheio para nos ouvir. Correu muito bem, o receio de que a mensagem das canções não passasse, desapareceu. Ao fim ao cabo, a música é uma linguagem universal. No final do concerto, tínhamos Belgas e Portugueses a aplaudir. Não parámos mais, temos tocado um pouco por todo o Portugal. Do Teatro Aveirense ao Açores e à Madeira. Já tocámos em mais de 25 países, da Suécia a Itália, de Espanha à Bulgária, de Marrocos à África do Sul, dos Estados Unidos, a Goa, na Índia, ou Macau. Nada me dá mais prazer do que ver o que estudei em História e Geografia ao vivo. E penso que na altura em que estudei nesta escola, sem ver com os meus olhos, não consegui imaginar tudo o que tenho visto. Como Aveirenses, como Portugueses, como cidadãos do mundo, chegámos muito mais longe do que alguma vez imaginei. Para além das marcas que deixámos noutras terras, da nossa cultura, descobri uma coisa que me deixa muito feliz. Há, em todo o mundo, um gosto por Portugal, pelo que fazemos e pela maneira como somos. Há interesse pela nossa música, pela nossa cultura, pela nossa maneira de ser, pela nossa generosidade e simplicidade. Acho que um dia, quando terminarem os vossos estudos nesta escola, e levaram o vosso talento para onde forem, serão diferentes, serão melhores mas, de certeza, levarão convosco um pouco desta escola, de Aveiro e de Portugal. Muito obrigado!

José Pedro Leitão
 

 

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