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Roma – Igreja
de Santo António dos Portugueses. À esquerda, Stª Joana e
D. João II. Óleo sobre tela, 212x139 cm., de Michelangelo
Cerruti (1666-1748). Em cima, fachada da igreja, vendo-se
por cima da janela o brasão de Portugal. |
A igreja de
Santo António dos Portugueses, situada na Via dei Portoghesi,
deriva de outra muito mais antiga, que teve por titular não o
nosso Santo António de Lisboa, mas Santo Antão (ou António),
célebre anacoreta da Tebaida (Egipto), dos princípios do
século IV, que viveu no deserto, em cavernas e entre os
animais, afastado dos homens e só em oração e meditação
espiritual.
Porque
Santo Antão era e é invocado como protector dos animais, por
conviver com eles, foi-lhe dedicada esta zona de Roma — o
Campo Marzio — onde se realizavam feiras para compra e venda
de animais. Uma capela, que aí existia, por volta de 1440 foi
adquirida pelo cardeal português D. Antão Martins de Chaves
(bispo do Porto em 1424-1447), anexando-a ao hospício que D.
Guiomar de Lisboa havia fundado, cerca de 1363, para
assistência dos peregrinos e peregrinas pobres, idos de
Portugal com o fim de venerar os túmulos dos Apóstolos S.
Pedro e S. Paulo e de lucrar indulgências. Da invocação de
Santo Antão (que em latim e italiano se diz Santo António)
tornou-se fácil passar à do nosso Santo António, dito de
Lisboa, porque aqui nasceu, ou de Pádua, porque aí morreu e
foi sepultado.
No decurso
dos tempos, a igreja foi ampliada e diversas vezes restaurada
e sempre cada vez mais enriquecida. A fachada ostenta o brasão
de Portugal. O interior é harmonioso, rico em mármores,
estuques e bronzes; consta de uma só nave, com quatro capelas
laterais e amplo transepto.
Na primeira
capela do lado esquerdo, há um quadro de Antoniazzo Romano
(1430-1508), pintado sobre madeira, que representa a Virgem
Maria com o Menino, Santo António e S. Francisco de Assis; é
talvez a obra de arte mais antiga e de maior valor. Os
restantes quadros são de autores mais recentes. A grande tela
do retábulo da abside, que representa a aparição de Nossa
Senhora com o Menino a Santo António, é do pintor Giacinto
Calandrucci (1646-1707). Também é do mesmo o Baptismo de
Jesus, na segunda capela do lado direito.
Singularmente expressivo é o grande quadro de Santa Isabel
(entre o marido D. Dinis e o filho D. Afonso IV), no lado
direito do transepto dos pintores romanos José Cades
(1750-1799) e Luigi Agrícola (1710-1801), que o terminou. Na
extremidade oposta do mesmo transepto encontra-se o altar da
Imaculada Conceição; o quadro foi pintado por Jácome Zoboli
(1681-1717). Na capela-mor, nas duas paredes laterais, há dois
quadros, pintados a óleo sobre tela à volta dos anos de
1720-1730; um deles representa as Princesas Santas Sancha e
Teresa, filhas de D. Sancho I, e o outro a Princesa Santa
Joana, filha de D. Afonso V. Estas figuras, com Santa Mafalda,
também se encontram nos medalhões da cúpula desde a segunda
metade do século XIX, tendo sido afrescadas pela mão de
Francesco Grandi (1831-1891), outrossim autor dos pendentes
que representam os Santos Mâncio, Geraldo, Dâmaso e Vítor, de
origem ibérica.
Na tarde
livre do dia 20 de Junho, aquando de uma semana passada em
Roma com um grupo de peregrinos, desloquei-me à igreja de
Santo António dos Portugueses, com mais quatro pessoas, entre
elas a cooperadora Maria dos Anjos e a minha sobrinha
Margarida Maria. Nesta ocasião, levou-me lá a curiosidade de
ver novamente, agora com mais minúcia, o grande quadro, do
início de setecentos, que interpreta com arte e perfeição a
Padroeira de Aveiro, em hábito dominicano; ela resiste
corajosamente à interpelação teimosa do irmão D. João II, que
lhe oferece uma coroa em ordem a um qualquer casamento real. A
pintura, com 2,12 por 1,39 metros, deve-se ao génio e ao
pincel de Michelangelo Cerruti (1666-1748), enquanto a do lado
oposto é de Giovanni Odazzi (1663-1731). Antes do termo da
visita, sobre o altar da liturgia e no meio das nossas
Princesas, tivemos o gosto e a devoção de celebrarmos a
Eucaristia, com as orações de Santa Joana.
Todo o
português, que vai e percorre Roma, tem de colocar no seu
programa uma visita à nossa igreja nacional, espécime singular
do barroco italiano; e um aveirense, dentro do templo, não
pode deixar de admirar o retrato pictórico da sua Padroeira,
que lhe aparece com a firme decisão de prosseguir na
concretização do projecto da sua própria vida, idealizado nos
alvores da sua juventude.
João
Gonçalves Gaspar |