João Gonçalves Gaspar, Santa Joana em Roma, In: "Correio do Vouga", 1 de Agosto de 2007, p. 8.

Santa Joana em Roma

 


Roma – Igreja de Santo António dos Portugueses. À esquerda, Stª Joana e D. João II. Óleo sobre tela, 212x139 cm., de Michelangelo Cerruti (1666-1748). Em cima, fachada da igreja, vendo-se por cima da janela o brasão de Portugal.

A igreja de Santo António dos Portugueses, situada na Via dei Portoghesi, deriva de outra muito mais antiga, que teve por titular não o nosso Santo António de Lisboa, mas Santo Antão (ou António), célebre anacoreta da Tebaida (Egipto), dos princípios do século IV, que viveu no deserto, em cavernas e entre os animais, afastado dos homens e só em oração e meditação espiritual.

Porque Santo Antão era e é invocado como protector dos animais, por conviver com eles, foi-lhe dedicada esta zona de Roma — o Campo Marzio — onde se realizavam feiras para compra e venda de animais. Uma capela, que aí existia, por volta de 1440 foi adquirida pelo cardeal português D. Antão Martins de Chaves (bispo do Porto em 1424-1447), anexando-a ao hospício que D. Guiomar de Lisboa havia fundado, cerca de 1363, para assistência dos peregrinos e peregrinas pobres, idos de Portugal com o fim de venerar os túmulos dos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo e de lucrar indulgências. Da invocação de Santo Antão (que em latim e italiano se diz Santo António) tornou-se fácil passar à do nosso Santo António, dito de Lisboa, porque aqui nasceu, ou de Pádua, porque aí morreu e foi sepultado.

No decurso dos tempos, a igreja foi ampliada e diversas vezes restaurada e sempre cada vez mais enriquecida. A fachada ostenta o brasão de Portugal. O interior é harmonioso, rico em mármores, estuques e bronzes; consta de uma só nave, com quatro capelas laterais e amplo transepto.

Na primeira capela do lado esquerdo, há um quadro de Antoniazzo Romano (1430-1508), pintado sobre madeira, que representa a Virgem Maria com o Menino, Santo António e S. Francisco de Assis; é talvez a obra de arte mais antiga e de maior valor. Os restantes quadros são de autores mais recentes. A grande tela do retábulo da abside, que representa a aparição de Nossa Senhora com o Menino a Santo António, é do pintor Giacinto Calandrucci (1646-1707). Também é do mesmo o Baptismo de Jesus, na segunda capela do lado direito.

Singularmente expressivo é o grande quadro de Santa Isabel (entre o marido D. Dinis e o filho D. Afonso IV), no lado direito do transepto dos pintores romanos José Cades (1750-1799) e Luigi Agrícola (1710-1801), que o terminou. Na extremidade oposta do mesmo transepto encontra-se o altar da Imaculada Conceição; o quadro foi pintado por Jácome Zoboli (1681-1717). Na capela-mor, nas duas paredes laterais, há dois quadros, pintados a óleo sobre tela à volta dos anos de 1720-1730; um deles representa as Princesas Santas Sancha e Teresa, filhas de D. Sancho I, e o outro a Princesa Santa Joana, filha de D. Afonso V. Estas figuras, com Santa Mafalda, também se encontram nos medalhões da cúpula desde a segunda metade do século XIX, tendo sido afrescadas pela mão de Francesco Grandi (1831-1891), outrossim autor dos pendentes que representam os Santos Mâncio, Geraldo, Dâmaso e Vítor, de origem ibérica.

Na tarde livre do dia 20 de Junho, aquando de uma semana passada em Roma com um grupo de peregrinos, desloquei-me à igreja de Santo António dos Portugueses, com mais quatro pessoas, entre elas a cooperadora Maria dos Anjos e a minha sobrinha Margarida Maria. Nesta ocasião, levou-me lá a curiosidade de ver novamente, agora com mais minúcia, o grande quadro, do início de setecentos, que interpreta com arte e perfeição a Padroeira de Aveiro, em hábito dominicano; ela resiste corajosamente à interpelação teimosa do irmão D. João II, que lhe oferece uma coroa em ordem a um qualquer casamento real. A pintura, com 2,12 por 1,39 metros, deve-se ao génio e ao pincel de Michelangelo Cerruti (1666-1748), enquanto a do lado oposto é de Giovanni Odazzi (1663-1731). Antes do termo da visita, sobre o altar da liturgia e no meio das nossas Princesas, tivemos o gosto e a devoção de celebrarmos a Eucaristia, com as orações de Santa Joana.

Todo o português, que vai e percorre Roma, tem de colocar no seu programa uma visita à nossa igreja nacional, espécime singular do barroco italiano; e um aveirense, dentro do templo, não pode deixar de admirar o retrato pictórico da sua Padroeira, que lhe aparece com a firme decisão de prosseguir na concretização do projecto da sua própria vida, idealizado nos alvores da sua juventude.

João Gonçalves Gaspar

Colaboração
Maria Fernanda - Aveiro

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15-01-2007