João Gonçalves Gaspar, O "Cardeal de Portugal" - evocação em Roma, In: "Correio do Vouga", 18 de Julho de 2007, p. 8.

O "Cardeal de Portugal"

evocação em Roma
 

Túmulo de D. Jorge Costa, em Roma.

Nos finais de Setembro de 1471, vitorioso da terceira campanha em Marrocos, D. Afonso V, acompanhado pelo príncipe D. João, seu filho, regressava em glória ao Reino; desembarcou em Lisboa, onde foi recebido com grandes mostras de regozijo. A princesa D. Joana, filha de el-rei, acompanhada pela tia materna, a infanta D. Filipa, e por toda a sua Casa de donzelas, damas e fidalgos, desceu até junto do rio Tejo, para a cerimónia da recepção. Com ela, estavam altos dignitários da Igreja, nomeadamente D. Jorge da Costa, então arcebispo de Lisboa, depois de ter sido bispo de Évora. Nascido em 1406 na vila de Alpedrinha — nome por que ficou conhecido — terminaria os seus dias em Roma, com cento e dois anos de idade.

Foi um dos prelados mais notáveis da Igreja Católica, nos finais do século XV e princípios do seguinte. Na Corte de D. Afonso V, alcançou grande influência pelo prestígio que lhe resultava da sua invulgar formação intelectual e humana, do seu seguro critério, da sua extraordinária perspicácia e das suas qualidades de diplomata.

Porque o príncipe D. João não levasse a bem a sua interferência no ânimo do pai, D. Jorge da Costa, embora já contasse setenta e três anos de idade, decidiu retirar-se para Roma, aonde chegou em 14 de Julho de 1479. Logo obteve grande preponderância na Corte Pontifícia, a ponto de ser camerlengo do Colégio Cardinalício e de conviver com os papas Sisto IV, Inocêncio VIII, Alexandre VI, Pio III e Júlio II, tornando-se uma figura-chave e um verdadeiro árbitro em muitos negócios, particularmente dos que respeitavam ao nosso país. Há mesmo quem lhe atribua a influência decisiva na demarcação da linha dos descobrimentos e conquistas entre Portugal e Espanha, estabelecida pela bula pontifícia "InterCaetera", de 4 de Maio de 1493, e ratificada em 1494 pelos respectivos soberanos no Tratado de Tordesilhas.

D. Jorge da Costa. Pormenor dos painéis de S. Vicente, de Nuno Gonçalves.

Participou em quatro conclaves e neles se tornou notória a sua intervenção, tendo estado na iminência de ser eleito quando, em 1492, Alexandre VI foi escolhido como papa. Conta-se também que, eleito Júlio II em 1503,e indo D. Jorge prestar-lhe homenagem, o novo pontífice ter-lhe-á dito: — "Amigo, esta cadeira a vós se devia e vós ma destes; eu serei papa no nome e vós na realidade". Muitas das rendas que obteve gastou-as no culto divino, na protecção e apoio de vários estudantes e familiares para a sua formação universitária e na caridade em favor dos necessitados, a quem proporcionava asilo no seu palácio. Alguns anos antes de morrer, renunciou a quase todos os benefícios.

Desde 1488, o cardeal D. Jorge da Costa residiu num palácio construído na primeira metade do século XV, sito no ângulo formado pela via do Corso e a praça de S. Lourenço in Lucina e adossado à igreja deste Titular — o palácio Fiano (hoje chamado Almagià). Junto, e sobre a via do Corso, existiu o demolido arco de triunfo do imperador Domiciano, que, em homenagem do mesmo prelado, se passou a chamar "Arco di Portogallo" — Arco de Portugal.

O seu óbito, em 19 de Setembro de 1508, constituiu um acontecimento que enlutou a Cúria Pontifícia e toda a cidade de Roma; os restos mortais jazem na capela de Santa Catarina, a quarta à direita de quem entra, da formosa e multissecular igreja de Santa Maria del Pópolo. Ainda em vida, o cardeal português aí mandou fazer artisticamente o próprio túmulo com estátua jacente. Obedecendo ao seu testamento, lavrado em 1492, a considerável fortuna, de que dispunha, em 1515, foi atribuída pelo papa Leão X ao nosso rei D. Manuel I, a fim de prosseguir na cruzada contra os infiéis, reservando um quinto para a construção da basílica de S. Pedro, iniciada por Júlio II; também foram beneficiados alguns conventos, igrejas e capelas. Os bens restantes seriam distribuídos pelas noivas sem dote, pelos cativos a remir, pelas obras pias e pelos pobres.

Se eu recordo nestas colunas o cardeal D. Jorge da Costa — depois de o ter evocado em Roma no passado mês de Junho — é porque ele foi o arcebispo de Lisboa durante os anos da adolescência e da juventude da princesa Santa Joana. Admirando o seu retrato no Painel do Arcebispo, saído do génio artístico de Nuno Gonçalves, passando junto do palácio Almagià onde viveu e peregrinando até ao túmulo que guarda os seus restos mortais, um português não pode deixar de se emocionar com um extraordinário compatriota... e um aveirense rememorará naturalmente a sua inesquecível diocesana, a nossa Padroeira.

João Gonçalves Gaspar


 

 
 

«Não se esqueça de Fátima.»

Na audiência geral do dia 20 de Julho, Bento XVI saudou Monsenhor João Gaspar. O vigário geral da diocese disse ao Papa que provinha de Aveiro, «entre o Porto e Coimbra», e acrescentou: «Não se esqueça de Fátima!»

Bento XVI, «meio português, meio em italiano», como disse Monsenhor ao "Correio do Vouga", afirmou sorrindo: «Já falei de Fátima no Brasil.»

 

Destaque fornecido por
 Maria Fernanda - Aveiro

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Actualizado em
20-04-2018