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João Paulo Freire e Carlos de Passos, Mafra, Col. Monumentos de Portugal, nº 1, Porto, Ed. Litografia Nacional, 1933

ACERCA DESTA PUBLICAÇÃO

Como tudo quanto existe à superfície da Terra, e à semelhança do Convento de Mafra, tudo tem a sua história, ainda que nem tudo entre no domínio da História, quando os historiadores entendem não ser digno de ficar para a História. Este livro que ora reproduzimos, se pudesse falar, teria muito que contar. Não este exemplar em particular, mas muito provavelmente algum irmão, serviu para que outros pudessem contar a sua versão do memorial do Convento, pois que os dados nele registados foram utilizados por alguém que os aproveitou para que uma narradora «inculta», porque não sabia ler nem escrever, mas de elevada cultura, por capacidades ocultas que só ela possuía. Mas estas são outras conversas que agora não são para aqui chamadas, porque não é da Blimunda que falamos; o protagonista desta história é o exemplar que nos acompanhou durante três semanas e que tivemos de ressuscitar da humidade e escuridão de uma cave, onde permaneceu durante largos anos, não sei se tantos quantos durou a construção do convento, mas certamente um elevadíssimo número, porque este, tal como outros que lhe faziam companhia, se encontravam num deplorável estado, digno de fazer dó a quem aprecia a companhia de bons livros.

Depois de todo o arrazoado preambular do parágrafo anterior, vamos à história deste exemplar, um pequeno mas para nós valioso livro, publicado em 1933, com as dimensões de 16,5x12 cm.

Certo dia dos começos deste ou finais do ano anterior, já não posso precisar rigorosamente a data, porque os meus neurónios já se encontram gastos devido a um ADN elevado (ADN = Afastamento da Data de Nascimento), e, além do mais, a falta de rigor cronológico não altera em nada o interesse deste verídica história, entrou-me no café onde estava um amigo e colaborador deste espaço, onde vou depositando para a comunidade alguns documentos com interesse. Era ele, por que não dizer o seu nome e para que fique para a História, o amigo e colaborador meu homónimo, quase parecido nos registos escritos do baptismo com o meu nome,  mas com as palavras trocadas, porque tem o José antes do Henrique; e, já agora, também com Neves, que só tem no nome. Ao contrário de mim, que as tenho abundantemente no cabelo, que perdeu o doirado acastanhado com a passagem do tempo, as Neves dele são só no nome, porque na cabeça apenas lhe restam alguns vestígios do cabelo.

Pois é! Entra-me no café o amigo José Henrique Neves e diz-me:

– Professor, está interessado nuns livros antigos?

– Se são livros, antigos ou modernos, já sabe que estou sempre interessado. Sempre me dei bem com eles e continuam a ser para mim uma excelente companhia, apesar das novas tecnologias que, por mais avançadas que sejam, nunca os poderão substituir. Onde é que encontrou esses livros?

– Uma familiar mudou-se do apartamento onde vivia para um lar de terceira idade para professores. Desde há algum tempo que tomo conta do apartamento em que ela vivia. Quase diariamente lá vou, para abrir as janelas e ventilar a casa. Esta sua colega vai vender o apartamento e necessita de esvaziá-lo. Ao entrar na cave, dei com uma elevada quantidade de trastes e livros e revistas empilhados. Alguns devem estar estragados pela humidade e anos decorridos. Quando abrimos a porta, não se podia entrar. Era tal o grau de humidade e o cheiro desagradável! Tivemos de comprar uma máscara para tapar a boca e o nariz.

– Tivemos quem? Não foi só o amigo Henrique Neves? Ou foi com mais alguém?

– Tive de pedir ajuda a amigos. Mas agora, depois de arejada a cave, já se lá pode entrar sem problemas. Quer lá ir comigo e ver o que poderá interessar-lhe? É a cinquenta metros daqui, num apartamento em frente ao Grin's.

Arrumei a tralha: o computador e os livros na pasta. Saímos do Convívio. Andámos cinquenta metros. Contornámos o quarteirão. Em menos de cinco minutos estávamos em frente ao edifício. Subimos as escadas para o hall de entrada. Descemos as escadas para a cave. Breve hesitação, porque não dávamos com o interruptor. Acendemos a luz. Demos com a porta. O meu quase homónimo meteu a chave na fechadura, deu a volta e abriu a porta. Fomos atingidos por um odor picante, que nos irritou a garganta e fez tossir. Uns apalpões na parede. Encontrámos o interruptor. Acendeu-se a lâmpada. Na nossa frente, uma imagem confrangedora: pilhas de jornais, revistas e livros, amontoados a um canto, carregados de uma substância amarelada e bolorenta.

– Isto está num estado deplorável! – exclamei.

– O que é que queria? Estão aqui fechados há anos! E agora já não custa tanto aqui entrar. Já retirámos muita coisa e o espaço foi ventilado. Só não mexemos nos livros. Não os quisemos pôr no lixo sem que o professor lhes desse uma vista de olhos. Veja o que lhe poderá interessar.

O aspecto era pouco convidativo a mexer-lhes. Mas a curiosidade era superior. Fez-me vencer resistências. Comecei a separá-los. Colecções completas de revistas publicadas na década de 1910, todas encadernadas, mas com as capas a desfazerem-se e as folhas de tal modo fragilizadas, que não ousei mexer-lhes com os dedos.

– Há aqui material de muito valor, amigo Henrique Neves. É pena que esteja neste estado. Nem sei se terá recuperação.

– O professor separe o que lhe parecer recuperável. Tenho o carro aqui ao lado. Arranjamos uns caixotes de cartão e metemos o material na mala.

– Se eu levasse isto para casa, a mulher moía-me a paciência. E com toda a razão! A solução é levar tudo para o meu gabinete, na Secundária José Estêvão. Hei de descobrir a forma de recuperar todo o material.

– Então vamos a isso. Separe o que lhe interessa.

Aos poucos, com alguma relutância em mexer-lhes – dariam jeito umas luvas de borracha que não possuía! –, separei duas colecções completas mas em mau estado de uma revista que desconhecia, publicada nos começos do século XX, o semanário "Branco e Negro", dois exemplares iguais de um pequeno livro publicado em 1934 da colecção «Monumentos de Portugal», duas colecções de uma revista de cinema, do tempo em que ele ainda não falava, com as encadernações a desfazerem-se aos bocados, uma curiosidade de índole militar destinada ao «Zé tropa», de 1958, e pouco mais.

– Os restantes, nem vale a pena preocuparmo-nos. Estão num tal estado, com as folhas a desfazerem-se, que não passam de cadáveres bolorentos. É tudo lixo. E vamos a ver se consigo salvar o que vamos levar.

Ora  os meus neurónios, que não estão tão gastos quanto pensava há pouco, estão a devolver-me as imagens do dia em que os livros entraram no meu gabinete. Estávamos em pleno inverno, nos começos de Dezembro. Àquela hora do final do dia, já noite escura, porque os dias de Inverno são pequenos, limitei-me a colocar a caixa de cartão com as publicações maltratadas pelo tempo e humidade a um canto da sala. Para adiantar o serviço dos dias seguintes, coloquei o aquecimento no máximo e fechei a porta.

– A recuperação começará talvez na próxima semana – disse eu para o amigo Henrique Neves. Estamos no fim da semana, porque amanhã é Sábado e o fim de semana é para descansar. E vamos lá a ver se para a semana consigo arranjar coragem para mexer neles.

– O professor é que sabe. Eles agora são seus!

A recuperação do material recolhido fez-se aos poucos, por etapas, a partir da semana seguinte. Estávamos próximos das férias de Natal. Coloquei cada exemplar no parapeito da ampla janela que me ilumina durante o dia e lá os deixei a perder a humidade. Quase diariamente, antes de começar o meu trabalho, tal um médico que controla o estado do doente, ia vendo como estavam os meus pacientes. A humidade estava a diminuir, ao mesmo tempo que aumentava um bolor amarelado na superfície das capas e das lombadas.

Os doentes mantiveram-se em recuperação durante semanas. Passaram as festividades do Natal. Acabaram-se as férias. Novo período recomeçou, o segundo dos três que compõem o ano lectivo. Munido de um pincel largo de pelos macios, comprado numa loja das muitas chinesas que proliferam na cidade de Aveiro, como em tantas outras localidades de Portugal, dei início à remoção dos bolores. Fora do gabinete, evidentemente, fui limpando cuidadosamente cada exemplar, com muito carinho, para que as folhas se não desfizessem.

Com tudo liberto de fungos, daqueles resíduos amarelentos e irritantes, empilhei os exemplares em cima da tampa metálica que recobre os aparelhos de reconversão de filmes, com que tenho recuperado para DVD os registos fílmicos existentes na escola. A tampa metálica superior dos leitores de VHS tem ranhuras metálicas. Como os aparelhos se encontram permanentemente em «stand-by», liberta-se deles um ligeiro calor, que para o nosso caso concreto funcionou perfeitamente como uma estufa de recuperação. Por isso, os livros foram por mim empilhados por ordem crescente de tamanho, no intervalo entre as duas ranhuras laterais, constituindo uma pirâmide invertida, mais concretamente, uma espécie de mastaba bibliográfica. Os resultados foram positivos. Ao fim de algum tempo de paciente espera, os livros passaram de um estado deplorável a um estado manuseável, ainda que necessitando sempre de algum cuidado.

A primeira recuperação é o exemplar que agora está disponível na Internet, ou seja, o pequeno livro sobre a história do Convento de Mafra, da autoria de João Paulo Freire, «Da Associação dos  Archeólogos e do Instituto de Coimbra», e de Carlos de Passos, «Da Academia de História de Madrid», publicado em 1933 e impresso no Porto na «Litografia Nacional-Edições». Proximamente, talvez os artigos do semanário "Branco e Negro"; mas só aqueles que me pareçam apresentar maior interesse.

 

O que fizemos relativamente a esta versão electrónica acerca do convento de Mafra?

Embora o original esteja em Times New Roman, corpo 8 (ou talvez 6) e a um espaço, tornando difícil a leitura, adoptámos na versão html o tipo de letra Arial no tamanho 14 normal, com espaço duplo, para maior comodidade dos leitores.

Aproveitámos os elementos decorativos (tarjas e desenhos) das páginas originais, mantendo-os nas mesmas posições relativas e mudámos as notas de rodapé do final de cada página para o fim da página html, dado que cada capítulo ocupa uma folha única, mantendo os indicadores de mudança de página para correspondência com o original.

Salvo raras excepções, passámos o português para a forma actual, de acordo com o correcto acordo ortográfico, sem ter em conta o actual após 1990, que consideramos uma verdadeira aberração e atentado ao nosso património linguístico.

Se viermos a conseguir os restantes 10 exemplares, talvez em alguma das nossas bibliotecas públicas, convertê-los-emos para html, para que esta valiosa e interessante colecção fique acessível a toda a comunidade portuguesa.

Para facilidade de leitura das páginas nas modernas tabletes, uma vez que nelas não existem as teclas [PgUp] e [PgDn] e muito menos [Home] e [End],  no final das páginas que tenham uma elevada quantidade de informação, a tecla «Índice», em vez de remeter directamente para aquilo que ela indica, permite ao leitor ir para o início da página. Por sua vez, clicando no título do cabeçalho, acederá directamente à hierarquia superior, ou seja, tem acesso ao índice de conteúdos.

A leitura horizontal, utilizando os botões de avanço ou recuo no final das páginas, permite aceder às fotografias suplementares inseridas no meio da publicação, não indicadas no índice, quer na versão impressa, quer nesta reconversão electrónica.

A visualização do apêndice fotográfico, com 40 imagens e uma vista panorâmica, apresenta dois tipos de leitura: página a página, utilizando os botões de navegação horizontal, tal como se estivéssemos a folhear o livro, e um desfile vertical das fotografias. Este modo de visualização vertical é acedido através do ecrã colocado no canto superior direito da página de apresentação.

O mais importante está referido. Esperemos que este trabalho de cerca de três semanas seja do inteiro agrado do leitor. Já agora, se encontrar alguma gralha, porque este é bichinho difícil de erradicar, agradecemos a gentileza da respectiva informação.

Aveiro, 27 de Maio de 2014

Henrique J. C. de Oliveira

 
 

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