Entrar no universo dos Anjos.
Uma
metafísica angeológica se nos impõe.
Mas
também uma ontologia
uma
diferença ontológica,
uma
escala de gradação de entes,
de
criaturas,
na
sua irredutibilidade ontológica,
ou
"enteológica",
uma
diferenciação topológica e cronológica,
no
traço invisível da dualidade cosmológica.
Dois mundos completamente distintos se presentificam,
se
interpenetram,
pelo mais ténue sopro que choca com o rosto dos homens,
um
sopro oriundo de um a presença incógnita,
que
se sente e presente, mas que não se vislumbra mais...
Pela mão que toca no ombro, num momento de angústia
ou
de desespero existencial,
para acalmar, apaziguar...
ou
para trazer a esperança da vinda de um mundo mais radioso,
isento de vazio e de solidão.
O
toque de uma mão também não vista,
mas
incomensuravelmente sentida,
por
um encéfalo,
fonte de inteligência,
de
recordação e de afecto,
que
comunica monadicamente com outros encéfalos,
no
seio da multidão,
da
massa humana indiferente e indiferenciada,
do
caótico trânsito da cidade minada por projectos ideias,
onde ainda se medita,
em
escassos momentos,
sobre o sentido da vida e da morte, do ser, do não-ser e do nada...
em
busca de um caminho que entrelaça o mesmo "jardim de caminhos que se
bifurcam", entre uma visão a cores e outras a preto e branco.
Sim, "os caminhos que se bifurcam".
Qual universo borgesiano,
onde,
a
cada passo,
se
ergue um labirinto,
no
qual todos os homens se perdem...
Um
labirinto perdido, infinito,
um
labirinto de labirintos.
O
labirinto do Minotauro...
Um
sinuoso labirinto crescente,
abarca o passado e o futuro,
envolvente,
ao
mesmo tempo que indeterminado
e
proporcionador de um conhecimento
abstracto do mundo.
De
longe se vislumbram os restos de tarde,
entre os caminhos que se bifurcam,
entre as várzeas indistintas...
Paira uma música, ao mesmo tempo aguda, grave e inquietantemente suave,
agressiva e embaladora, mágica e embriagante.
Silábica se aproxima a melodia,
ao
mesmo tempo que afasta,
no
vaivém do vento que as folhas faz mover.
Encaminha os bandos de pássaros que o céu povoam,
como nuvens escuras,
anunciantes de tempestades...
E
aí se encontram os Anjos,
no
alto,
eternos observadores dos homens;
mensageiros,
comissionários das palavras,
anunciadores,
intermediários,
companheiros,
guardas e sombras dos homens.
De
asas brancas ou negras,
neste tempo de indigência,
são
entes alados,
vagueantes num espaço atópico,
num
tempo intemporal,
num
tempo redondo,
num
espaço e num tempo outro,
fora do alcance dos homens.
Atentamente viajam,
vigiam e escutam,
penetram na interioridade dos homens,
eles que são "Nada",
e
estes "Tudo"...
É o
mundo dos Anjos,
eternamente invisíveis,
sempre "tão longe e tão perto",
"nas asas do desejo",
entre o mundo dos homens,
da
efemeridade do visível,
das
coisas mutantes,
da
permanente metamorfose,
da
qual não temos fuga possível,
até
que a morte nos separe,
até
que vejamos esse outro lado da vida que não está iluminado,
virado para nós...
Assim nos informou Rilke,
o
poeta do Anjo belo e terrível,
consagrado islamicamente,
nessa vida confinada à celebração da Vida,
à
morte e aos amantes,
aos
terrestres e aos celestes,
ao
Aberto,
à
Terra silente,
que
grita desesperadamente
perante o ruído ensurdecedor das máquinas...
2 de Fevereiro de 2005 |