Do movimento ao drama - Textos de Apoio

MOVIMENTO: definição, elementos, tipos de movimento e possibilidades corporais.

ESPAÇO, TEMPO e ENERGIA

QUALIDADES DO MOVIMENTO e JOGO DRAMÁTICO

ESPAÇO-CENOGRAFIA e REGRAS PARA A ACÇÃO DRAMÁTICA

UM GUIÃO E SUAS ESTRUTURAS

DIDÁCTICAS ESPECÍFICAS: INFLUÊNCIA ANGLO-SAXÓNICA e INFLUÊNCIA FRANCÓFONA

CORPO EM MOVIMENTO, O MOVIMENTO NASCEU e O JOGO DÁ-NOS

O GRUPO FORMA

REFLEXÃO e AVALIAÇÃO


MOVIMENTO

O ESQUEMA CORPORAL, A IMAGEM DO PRÓPRIO CORPO OU SOMOTOGNOSIA, É A INTUIÇÃO QUE CADA PESSOA TEM DO SEU CONJUNTO CORPORAL, QUER NUMA SITUAÇÃO ESTÁTICA, QUER NUMA SITUAÇÃO DE MOVIMENTO, RELACIONANDO OS DIFERENTES PONTOS CONSTITUINTES, ENTRE SI E EM RELAÇÃO AO MEIO E OBJECTOS DO MEIO.

MOVIMENTO - é a deslocação do corpo ou parte do corpo de um lugar para outro.

ELEMENTOS DO MOVIMENTO - espaço, tempo e força.

TIPOS DE MOVIMENTO - funcional, comunicativo e expressivo.

POSSIBILIDADES CORPORAIS

1- EQUILÍBRIO - estático, referente a postura e atitude física; dinâmico, referente às formas de locomoção.

2 - COORDENAÇÃO - é o sistema de movimentos conjuntos em função de um fim a atender.

3 - FLEXIBILIDADE - é a mobilização articular.

4 - ACÇÃO TÓNICA - é o que normalmente se designa por força.

5 - RESPIRAÇÃO - oxigenação do sangue; o movimento respiratório sublinha formas de expressão, desgosto, cansaço, tristeza, nervosismo...

6 - OLHAR - a forma de olhar, a sua direcção e a sua focalização têm significado expressivo.

7 - O TACTO - a necessidade de contacto físico com o outro é uma necessidade de especial significado expressivo.

ESPAÇO - LUGAR OCUPADO PELO CORPO E PELO MOVIMENTO.

FACTORES DO ESPAÇO - DIMENSÕES, DIRECÇÕES, PLANOS, FOCO.

CARACTERÍSTICAS DO ESPAÇO

DIRECTO

CORPO EM TRAJECTÓRIA DIRECTA EM MOVIMENTOS BEM MARCADOS E RECTILÍNEOS.

FLEXÍVEL

CORPO EM MOVIMENTOS ONDULANTES OU CURVOS COM DELINEAÇÃO POUCO NÍTIDA.

TEMPO - A DURAÇÃO DE UMA ACÇÃO ENERGÉTICA.

FACTORES DO TEMPO - DURAÇÃO, PAUSA, VELOCIDADE.

CARACTERÍSTICAS DO TEMPO -

            SÚBITO - MOVIMENTO INSTANTÃNEO E RÁPIDO;

            SUSTENTADO - MOVIMENTO LENTO E PROLONGADO.

 

ENERGIA - É O QUE VAI DOS GRAUS ASCENDENTES OU DESCENDENTES DA ACÇÃO À INACÇÃO, DA TENSÃO À LASSIDÃO...

FACTORES DA ENERGIA - FORÇA, PESO.

CARACTERÍSTICAS DA ENERGIA -

            FORTE - FIRME, RESISTENTE, PODEROSA, PORQUE SE EMPREGA O PODER MUSCULAR;

            LEVE - DELICADA, FINA E SUAVE PORQUE A TENSÃO É ESSENCIALMENTE SENSITIVA SEM MOVIMENTOS BRUSCOS OU RÁPIDOS.

 

QUALIDADES DO MOVIMENTO

IMPULSO - movimento lançado, com continuidade dada pela inércia, após um esforço inicial. (lançar disco)

SUSTENTAÇÃO - movimento suave, resultante de uma manutenção de energia, "sem início nem fim". (fumo)

PERCUSSÃO - movimento brusco e rápido obtido por rápidas contracções musculares. (martelar)

SUSPENSÃO - movimento parado devido a duas forças opostas. (salto congelado)

VIBRAÇÃO - movimento intermitente de pequenos espasmos. (tremer de frio)

TORCER - movimento exercido sobre o mesmo sentido. (dor prolongada)

EMPURRAR - movimento de impelir vigorosamente o corpo. (pressa ou agressividade)

PRESSÃO - movimento de constância energética sobre um ponto ou sentido. (beliscão)

COLAPSO - movimento de corte de tensão energética. (balão a vazar-se) 

 

ENERGIA

TEMPO

ESPAÇO

MOVIMENTO

leve

súbito

directo

IMPULSO

leve

sustentado

directo

SUSTENTADO

firme

súbito

flexível

PERCUSSÃO

leve

sustentado

flexível

SUSPENSÃO

leve

súbito

flexível

VIBRAÇÃO

firme

sustentado

flexível

TORCER

firme

súbito

directo

EMPURRAR

firme

sustentado

directo

PRESSIONAR

interrompida

súbito

directo

COLAPSO

 

B - JOGO DRAMÁTICO

Fases de trabalho

1 - Preparação no desenvolvimento de capacidades físicas, mentais e de linguagem;
2 - Trabalho de “acção/improvisação/dramatização” na elaboração do conflito, personagens e local de acção;  
3 - Desenvolvimento do jogo:

- construção do conflito com o jogo corporal e verbal;  
primeira fase da construção da personagem com pesquisa de época e sua realidade caracterizando-a física, psíquica e socialmente;  
- segunda fase da construção da personagem adicionando o que diz o texto, o que o jogador pensa, o que a personagem exige, o que o orientador define e o que o grupo sugere;  
- definição e construção do local/espaço;  
- elaboração dos materiais aderentes como os figurinos, cenografia, adereços, sonoplastia e luminotécnica.

O trabalho técnico de estética deve ser retomado sempre que surgem novas ideias.

 

C - ESPAÇO/CENOGRAFIA

 

CENÁRIO BRANCO

CENÁRIO DESPROVIDO DE QUALQUER ELEMENTO é aquele que sugestiona o espectador a imaginar o seu próprio cenário; 

CENÁRIO MINIMALISTA

                CENÁRIO MINIMALISTA COLADO  
                CENÁRIO MINIMALISTA DESCOLADO

CENÁRIO COM MUITO POUCOS ELEMENTOS em que o colado apresenta elementos falados ou pertencentes ao conteúdo do texto e o descolado apresenta elementos mais do espírito do texto e que não são falados;

 

CENÁRIO CHEIO

            CENÁRIO REALISTA 
           
CENÁRIO SUBJECTIVISTA

CENÁRIO CHEIO DE ELEMENTOS em que o realista apresenta referências a épocas ou rigor à autoria do texto e o subjectivista apresenta elementos neutros ou longe das referências dadas no texto.

 

D - REGRAS PARA A ACÇÃO DRAMÁTICA

1 - É importante começar qualquer actividade dramática com aquecimentos gerais;  
2 - Depois do aquecimento devemos fazer viagem de concentração;  
3 -
É fundamental ter confiança em nós, nos outros e mostrar sensibilidade respeitando tudo;  
4 -
Deve haver comunhão e coordenação empática entre os intervenientes na acção;  
5 -
O teatro é fazer acreditar;  
6 -
Devemos ter consciência do fazer acreditar numa relação não directiva com o público;
7 - Quando se está em palco não devemos fazer olhares de aprovação;  

8 - Não devemos acusar acidentes e levar o acidente a fazer parte da acção;
9 -
O imprevisto, inesperado e surpresa é essencial;  
10 -
No jogo vocal, com boa dicção, devemos utilizar a intensidade necessária à acção e ao espaço;  
11 -
Não devemos descer de intensidade no fim das frases.  
12 -
A respiração abdominal leva o actor a cansar-se menos e a projectar melhor a voz;  
13 -
Em mímica não devemos fazer gestos demasiado bruscos;  
14 -
Na Linguagem gestual é importante a pausa n mudança da acção;  
15 -
Não devemos abandonar a personagem rapidamente;
16 - O teatro é vida, expressão, tempo e emoção concentradas;  
17- O diabo é o aborrecimento.

 

F- GUIÃO E SUAS ESTRUTURAS

 

CABEÇALHO

          - Nome da escola, da disciplina e ano civil ou lectivo;
          - Turma, nomes e números do grupo ou pessoa singular.

INTRODUÇÃO / INTERPRETAÇÃO

          - Título do trabalho e seu tema principal designando o seu conteúdo;
          - Origem da obra (inédito, adaptação ou colagem de textos – obra integral ou parcial).

TEXTO DE ACÇÃO

          - Nomes das personagens com os dos alunos destinatários;  
          - Descrição das personagens com as respectivas características;  
          - Falas e didascálias com indicações de jogo corporal e outros;  
          - Espaços em branco para indicações pessoais;  
          - Figurinos, adereços, cenário exequível, som e luz.

 

FASES DE TRABALHO COM O TEXTO E A ACÇÃO

1 - Qualquer fase de trabalho deve ter implícita a necessidade de aplicar sempre princípios de análise, crítica e reformulação;
2 - Devemos começar por pesquisar temas, obras e seus autores, ou fazer escrita dramática original;  

3 - Depois de seleccionado o produto primário devemos fazer uma interpretação profunda localizando-o no tempo, no espaço, na perspectiva do autor e na do leitor;  
4 - Seguidamente deve-se fundamentar o que se quer levar para palco, sublinhando os elementos essenciais, porque cada criador modifica sempre algo na obra original;  
5 - Elabora-se uma composição dramática nomeando a respectiva estética e incluindo novos elementos complementares;
6 - O texto deve ser informatizado para acrescentar dados quando necessário;  
7 - O texto deve ser explícito na designação e no confronto das realidades das personagens para os actores;  
8 - A sua forma deve ter sempre um começo onde se pode desenhar a apresentação de personagens, que nunca deve ser completa para haver surpresas durante a peça, e deverá contemplar um acontecimento maior para existir um clímax que origina um desfecho que deverá ser sempre surpreendente;
9 - Depois devemos entrar no estudo expressivo do texto e dos jogos das personagens;  

10 - A distribuição de papeis por negociação acontece no caso de se efectuar na escola, e por contracto no caso de se efectuar no teatro profissional;  
11 - De seguida devemos fazer pesquisa e construção de personagens aplicadas aos jogos verbais e corporais em que o actor deve adicionar o que quer, ao que o orientador define, ao que os colegas sugerem, ao que a própria personagem exige e ao que pode ser exequível;  
12 - Depois deste processo de construção, o texto deve ser memorizado com fluidez e expressividade visualizando todo o conflito a partir de um fio condutor;  
13 - Seguem-se improvisações para melhorar o espírito do trabalho e devemos começar por realizar cenas soltas para isolar factos importantes, depois com personagens trocadas para o outro se poder sentir no papel do colega e finalmente com expressividades opostas para melhor ser aplicada a expressividade que tanto se quer;  
14 - Deve-se trabalhar, em fase demorada, o fazer acreditar com o corpo e a voz em interacção, porque nunca se repete o trabalho, acrescenta-se algo sempre que se experimenta mais uma vez, interiorizando-se a construção estética/cenográfica;  
15 - Os figurinos e adereços com o respectivo cenário devem ficar para as últimas sessões de trabalho, tal como o som, luz e efeitos especiais;  
16 - Deve-se dar informação completa de produção a todos os elementos participantes no trabalho e realizar um catálogo de apresentação composto por um título, autores, designação de técnicas aplicadas, sinopse, participantes e suas tarefas e agendamento do trabalho;  
17 - No dia de apresentação do trabalho a público, devemos ter em atenção algumas regras comportamentais devendo evitar a divulgação do trabalho, o encontro com amigos já com o figurino e caracterização aplicados, a ingestão de muitos líquidos ou sólidos que provocam desconforto físico, o barulho dentro da sala com o público à espera, atrasos no começo, a recusa de fazer todo o tipo de tarefas adjacentes e todo o tipo de aquecimentos próprios;  
18 - Nunca devemos esquecer a importância de uma avaliação e de nomear todos os frutos que se ganharam ou perderam no processo e resultado.

 

DIDÁCTICAS ESPECÍFICAS

Qualquer didáctica específica, estuda cientificamente tendo em conta sempre o como, o porquê, o onde e o que foi, leva sempre o docente a tornar-se mais performant, consciente, eficiente e responsável, à medida que evidencia uma autonomia que lhe será necessária para sempre na sua prática. É claro que a formulação de uma metodologia só é entendida se houver conhecimentos básicos de História da Pedagogia, para que os conceitos escolhidos sejam aplicados compreendendo as evoluções tanto na sociedade como nas pesquisas científicas, consequencializando princípios pedagógicos. É por isso que as didácticas não podem funcionar como receita, porque o reestudo dos métodos leva-nos sempre a reformular novos conceitos e novas fórmulas. Devemos é ter em conta uma realidade específica - o conhecimento e a realidade dos componentes dos grupos com quem se trabalha, para que a utilização de uma estratégia e método não se transforme numa experiência gratuita. Qualquer situação pedagógica deve-nos facilitar a análise explícita e justificada que provoque deduções pertinentes e coerentes ao processo. Daí a grande necessidade de uma planificação actualizante que considere as condições epistemológicas e as circunstâncias didácticas. Se nos prevenirmos da justeza das circunstâncias escolhidas, todas as situações que se improvisem para além da programação correm menos riscos de insucesso. Os alunos terão tendência em ser mais colaboradores se as actividades preconizadas lhes parecerem úteis no sentido de resultados, e credíveis se for aplicado rigor na manutenção e na orientação dos conteúdos. É evidente que quando se definem objectivos, temos de pensar que estamos a definir um pouco a "construção humana" que se espera. Daí que os conceitos de vida devem respeitar a construtividade positiva a todos os níveis. Nunca será só programar por programar, jogo pelo jogo, prazer pelo prazer, mas sim programar para construir sabendo, jogo pelo dinamismo do controle das regras sabendo fazer, prazer para que a alma estética do indivíduo se eleve com amor sabendo ser.

Tudo isto leva-nos sempre a uma avaliação, que no caso do uso de didácticas específicas da Expressão Dramática e Teatro na Educação não deixa de se fazer em dois sentidos - a avaliação do trabalho do formador e a avaliação do trabalho do formando, sempre mais no sentido de uma avaliação criterial do que normativa.

 

INFLUÊNCIA ANGLO-SAXÓNICA

As actividades começam por ser ligeiramente fechadas no grupo, dentro dos conceitos psicopedagógicos defendidos por Brian Way depois por Dorothy Heathcote e um pouco mais tarde por Gavin Bolton. Os princípios que norteiam as suas correntes são baseados na pedagogia do não directivo que obriga o orientador a controlar todas as atitudes de emissão/recepção, de forma a que o grupo não entre em anarquia, mas que perceba, ou não percebendo, sinta a harmonia tão necessária para que a disponibilidade psicológica funcione; Indirectamente em termos de estratégia, para o jovem não se sentir uma cobaia em experimentação, mas que a experimentação seja uma necessidade, um meio e uma luta que cada um terá de travar em função do seu próprio desenvolvimento. Não devo esquecer de referir um aspecto importantíssimo - o amor, para sensivelmente usar o saber e a intuição. Não impor completamente e sem sensibilidade as propostas, é para o grupo se sentir em situação de verdadeiro trabalho colectivo (sempre debaixo de uma auréola ficcional para melhor intrusar as linguagens dramáticas).

É este estatuto disciplinar de prática do drama, como promotor para o conhecimento e para a formação estética, que nos leva a um género de planificação que contemple factos e princípios como:

            1- O Jogo e o Teatro estão interligados por laços de Jogo/Acção onde o acreditar funcione;
           
2- Ao acreditar que  o Jogo é pensamento em acção, creio ser o sustento do jogo o enredo, e quando o jogo se sustenta no enredo, efectuam-se aprendizagens nas descobertas objectivas ao elaborar conceitos praticados em abstracções. Consequentemente delineamos valores, atitudes e sentimentos; tudo é claro quando se joga o Jogo que se produz e entende, quando se constrói o sentido de colectivo na focagem de ideias para soluções;
           3- Como professor, não posso valorizar só a intuição, devo dominar uma série de técnicas para poder dominar as situações;
           4- A planificação deve ser clara no percurso da aprendizagem, no sentido de criar ambiente propício e espaço mágico de indução, na (re)construção de um mundo interior a partir da relação com o mundo exterior.

Gavin Bolton define nas suas teorias a base da sua causa estética/pedagógica, em que as suas convicções de estrutura dramática dão-nos claramente a conceitualização de improvisação num DRAMA FOR UNDERSTANDING.

Ao explorar situações para serem aplicadas posteriormente, o animador deve preocupar-se em fazer entender ao jogador as linguagens que ele próprio vai descobrindo, a sua análise e reflexão, para um futuro encontro com um destinatário em situação de Expressão/Comunicação. Claro que implica sempre uma exploração estética da criação e neste caso o orientador deve preocupar-se em que o grupo não fique em relação directa com estereótipos formais. Abrem-se outras perspectivas de fundamentar o trabalho não só no conteúdo mas também na forma de construção que implicam todos os apêndices da Linguagem Dramática. Não será só um ensino centrado no Jovem, nem na actividade, nem só centrado em atingir objectivos do domínio cognitivo. Hoje podemos concluir que as teorias  Anglo-saxónicas apresentam-nos um perfil pedagógico e filosófico que vão além do querer desenvolver as capacidades do indivíduo. A Arte, a sua prática efémera, como o é no DRAMA/ACÇÃO onde as coisas acontecem em teia e se reconstroem constantemente, é o outro estandarte que norteia estas teorias e exigem de nós professores, a tal noção artística e pedagógica de GESTOR DO IMPREVISTO / ARTÍFICE / PEDAGOGO / ARTISTA / COMUNICADOR / CIENTISTA.


INFLUÊNCIA FRANCÓFONA

É mais do que evidente que é importante conhecer as ideias de Gisèle Barret, Augusto Boal e de Jean-Pierre Ryngaert, as técnicas, as actividades e os seus recursos para qualquer planificação em Oficina de Expressão Dramática.

Para além do que é nitidamente comum às correntes francófonas e anglo-saxónicas, saliento a influência de Augusto Boal, que assenta na ideia de que todos podemos ser actores. Os esquemas de trabalho por ele propostos estão sempre de mãos dadas, tanto com a realidade da sua própria vida como com os seus próprios conceitos de "ser".

Há princípios básicos que procuram definir a sua causa estética/pedagógica, porque Augusto Boal entende ( e bem ) que todas as pessoas têm capacidade de expressão, precisam é que um orientador bem formado saiba fazê-las "acordar", vindas de dentro pela sua própria existência e vindas de fora através da forma que exerce sobre o que é o célebre "Teatro do Oprimido" como génese. Em qualquer projecto de trabalho que eu encete, há evidências do Teatro Jornal, do Teatro Imagem e do Teatro Forum em que os seus conceitos estruturais definem as respostas de improvisação. Boal quer sempre, através do trabalho, que se valorize esteticamente o conteúdo, mas eu penso que não devemos ficar pela mensagem de um conteúdo.

Ao lermos Ryngaert, abrem-se outras perspectivas de fundamentar o trabalho não só no conteúdo mas também na composição formal/estética que se aproxima das ideias partilhadas pelos didactas anglo-saxónicos ao querer implicar qualquer instrumento de linguagem possível.

 

CORPO EM MOVIMENTO

" O corpo fala pelo movimento em frases com uma acentuação com hesitações, transições, pausas e chega mesmo ao silêncio. "

O Homem dispõe do seu corpo para agir e para exprimir em presença de situações às quais se deve ajustar e não somente reagir.

Ter a noção exacta e real do que é a expressão pelo movimento do corpo, impõe, em termos de estratégia, uma preparação e manutenção assídua para que se efectue um trabalho fundamental de consciencialização do corpo, sem a qual, a unidade mental e motriz do comportamento é ilusória e não autêntica, como deverá ser.

Todo o corpo é importante para que a parte ou as partes do corpo possam ser relacionadas no todo.


O MOVIMENTO NASCEU...

A criança apercebe-se do mundo que a rodeia pelo gesto, explorando, comunicando, muito antes de aprender a andar e a falar. E à medida que vai crescendo, vai-se lentamente integrando numa vida com ritmo e gesto, até que surge o movimento expressivo executado sem necessidade funcional ou de comunicação. A criança possui naturalmente um vocabulário espontâneo de movimento, que necessita de experimentação, a fim de evoluir para poder dominar a sua própria linguagem do corpo. O uso da sua linguagem do corpo através de vivências de actividades expressivas, a criança desenvolve a sua personalidade, afirmando-se, libertando-se, para conhecer-se melhor, comunicar mais facilmente, ao mesmo tempo que forma e desenvolve o seu sentido estético.

 

O JOGO DÁ-NOS...

O jogo é uma actividade séria, importante e catártica que pressupõe regras, onde se conquista autonomia e forma o carácter.   Por isso, qualquer animador de educação deve reservar grandes momentos da sua prática utilizando a força educativa do jogo. É aqui que se cria com facilidade mundos de ilusão, fundindo-se com o ambiente criado pela imaginação e com o real. Deve-se dar ao jogo o estatuto potencial de agente criador, não como fim mas como meio de se chegar a um fim, onde cada um se possa expressar para melhor crescer.

 

O GRUPO FORMA...

A comunicação é uma necessidade natural para ser realizada uma integração social capaz. A troca de ideias e conhecimentos e sua ponderação, considera a existência do outro e promove o auto conhecimento, armando o trabalho em comum de riqueza de iniciativas, propostas, sugestões, discussões para finalmente se encontrar plataformas de actuação do agrado de todos. É dever do animador de educação, não deixar que aconteçam marginalizações, desacordos que levem a recusas de actuação, autoritarismos que não consideram a opinião dos outros, más distribuições das acções individuais, e discussões prolongadas por falta de bases de relação entre os membros dificultando a ideia comum.

O homem da mesma maneira que os animais, utiliza o movimento em acções quotidianas em resposta às necessidades da vida, assim as expressões primárias estão relacionadas com as funções biológicas.

A dança foi uma expressão espontânea da vida colectiva, muito antes de ser uma forma de arte. Nos povos primitivos dançava-se como manifestação emocional, traduzindo impressões vividas. Além deste fim socializante e unificador que está inserido na dança, não podemos deixar de frisar que a dança teve principalmente um fim de ordem utilitária; ex.: as danças com fins medicinais, religiosos, bélicos, etc... Os seres "primitivos" acreditavam que imitando os acontecimentos que desejavam ver realizados conseguiriam torná-los reais. Estas danças imitativas deram lugar a um simbolismo convencional. A própria vida passa do instintivo para o codificado. Um exemplo bem elucidativo da substituição das formas instintivas pelo simbolismo gestual onde tudo está previsto, desde a posição das mãos aos detalhes do vestuário, são as danças na Índia. O dançarino ou a dançarina tornou-se ( neste caso ) num instrumento estereotipado; toda a iniciativa ou expressão pessoal estava-lhes interdita, tudo o que passasse além das regras impostas tornava a cerimónia ineficaz.

No Ocidente surgiu o mesmo problema, mas indivíduos como Jean Georges Nouvert, Isadora Dunkan, Delsarte, Jaques Dalcrote, Vou Laben, etc..., tentaram libertar a dança de alguma tirania clássica, dando-lhe mais expressividade na transmissão das mensagens emocionais e estéticas, tendo em conta o aspecto, originalidade e instintivo. Considera-se contudo que tanto na dança como na expressão corporal em geral, as possibilidades de expressão dependem de um controle e de disponibilidade que só podem ser obtidos duma formação muito prolongada. Se esta formação não é profunda cai-se facilmente na tentação de proceder por tentativas de mecanização e de adestramento a que se pode chamar "técnico".

Outra corrente afirma que dando um "certo espírito", e tendo a intuição como ajuda, poder-se-á passar sem uma formação real e atingir reais possibilidades expressivas. O essencial será utilizar a dança criativa não sob os aspectos artísticos mas com fins pedagógicos permitindo assim ultrapassar o anátema desvalorizador que pesa sobre o corpo há já muito tempo o que é um motivo de dificuldades regressivas no comportamento.

Sobre o jovem e a sua criatividade no movimento, na dança, John Lindstone diz que, "pouco importa a facilidade que um jovem tem na forma como dança porque ele não recebe qualquer benefício criativo duma experiência em que seja forçado na interpretação tradicional duma determinada forma de dança ou num material coreográfico estranho à sua criação". Ele poderá até receber outro tipo de aquisições, como a possibilidade de transmitir ideias de outrem; mas é só através de uma completa expressão de si próprio que o jovem chega a uma verdadeira libertação e exaltação de alegria que provém de um factor muito importante para ele: é o facto do seu depoimento artístico ser inteiramente obra sua.

Desde o nascimento, o movimento é para a criança a sua forma mais importante de expressão. E mesmo quando a palavra se torna o melhor veículo dessa expressão, ela volta constantemente ao movimento e ao gesto como variante ou reforço das suas intenções.

De facto, é pelo gesto que a criança consegue, a maior parte das vezes, encontrar a mais profunda e verdadeira manifestação das suas emoções.

O saltitar a caminho de casa, vinda da escola, é uma expressão de exuberância, conforto e alegria interior que ela não saberia encontrar em palavras, e o mesmo acontece quando num caso de prostração ou desconfiança ela executa um movimento típico de balanceio agitado.

Conforme vamos crescendo, mesmo assim, marcamos os nossos estados de emoção ou sentimentos com movimentos, tendo em conta um determinado comportamento que nós consideramos mais apropriado ao momento ou tipo de situação que escolhemos viver ou jogar.

A criança, no entanto, não hesita em revelar imediatamente os seus sentimentos e acções através dum movimento que é desinibitório e honesto.

O próprio movimento espontâneo e desacertado do gesticular do bebé é, sem duvida pela sua vitalidade e libertação, a mais real identificação de si mesmo e o melhor indicador do seu estado e das suas emoções.

Basta-nos observar o recreio numa escola, para nos apercebermos da importância do vigor com que a criança se move alternando o seu estado mais enérgico com o de descanso; e a confiança, graça e destreza com que se movimenta, correndo, escorregando, pulando, saltitando, a criança encontra uma enorme libertação saudável de energia física, e é também através de movimentos emotivos que ela obtém a mais real exteriorização da sua sensação mais profunda.

Partindo dos seus movimentos naturais e da forma de expressar as suas emoções pelo movimento, até a sua aproximação à dança, a criança demonstra a importância que o sentir tem, como factor de transformação dum movimento elementar natural, num movimento de criatividade.

Não é só o facto de ser capaz de construir o seu próprio movimento mas, é sobretudo, o aspecto global de que a criança se envolve no interesse de criar a sua própria forma de expressar-se pelo movimento, tomando consciência da importância da sua iniciativa e da forma como a aguenta.

A criança que explora a expressão pelo movimento dá-se à alegria e à confiança de cada gesto, cada movimento é uma criação sua, é ela.

A criança não deve ser forçada a aperfeiçoar determinado estilo, ou determinado passo, mas sim encorajada a criar a sua própria expressão pelo movimento que nasce da sua exploração; do seu sentir, da sua própria maneira de se mover sempre originalmente sua.

O jovem chega-nos à escola secundária, na maior parte dos casos, ou intimidado, assustado, ou até com vontade de executar movimentos que foram sendo reprimidos por questões de educação. Mas é justamente nesta ocasião que o jovem pode pôr em prática o seu repertório de movimentos apreendidos funcionalmente, dar conta do espaço, da sua energia e do tempo, para mais facilmente chegar à exploração dos movimentos comunicativos e expressivos.

Só que nem sempre é capaz, porque ao entrar na adolescência entra num mundo onde a competição e a exigência exagerada são chaves mestras, onde é responsabilizado pelo que faz e pelo que não faz.

Cabe-nos também a nós professores, fazer com que o jovem se desenvolva harmoniosamente, com algum rigor comportamental (o que é difícil porque a sociedade é muito pluralizada e torna-se difícil encontrar uma uniformidade pedagógica), ao mesmo tempo que se explora em todos os aspectos ligados à expressão dramática, não esquecendo nunca o verdadeiro significado da liberdade, com constante adaptação aos contextos sociais e culturais de cada adolescente. Pensar/geometrizar mentalmente imagens expressivas / projectar a imagem com o movimento do corpo - tudo isto faz parte de um mundo sem limites, um mundo de liberdade do imaginário.

As imagens não podem ser submetidas a leis. Elas estão fora do mundo das regras e das convenções sociais, por serem únicas, por fazerem parte do que cada um tem mais íntimo. Criticá-las em nome de dogmas ou conveniências, é cometer um atentado contra a vida, tal como elas se manifestam nas suas formas mais perfeitas, a vida do imaginário/através do corpo e sua expressão porque a expressão é a exteriorização de emoções e isso não se ensina.

A criação de uma imagem é a primeira expressão visual de um impulso -  pode ser de origem visual ou literária, toma a forma de um esboço mental que se transmite ao corpo e fica assim criado um quadro que o corpo irá registar num "momento decisivo".

Espaço não significa apenas o espaço físico de trabalho, importa considerar igualmente o espaço objectual e o espaço do corpo, ou seja o jogo de combinações materiais e semânticas produzido pela aproximação entre o corpo e os elementos que o envolvem. O espaço das imagens físicas e vivas com a evocação de uma multiplicidade de referências. E para além de tudo, os espaços ilusórios que dão corpo ao corpo.

Os rostos são máscaras que produzem a identidade retratável dos sujeitos. As máscaras são revelatórias no sentido estrito do termo, porque sem elas a identidade do sujeito não toma corpo. O acto expressivo quando acontece, torna-se aqui uma forma de demiurgia.

No princípio a imagem fotográfica trazia consigo a promessa de reter o sujeito. O sujeito era a imagem e a imagem era avaliada segundo a capacidade de retenção aferida por critérios subjectivos de adequação entre a coisa impressa e uma ideia de si próprio ou de outrem. Mas a coisa impressa era sempre um corpo onde o sujeito se mostra. Então, no processo que faz a imagem ser o movimento expressivo, trata-se de uma "fantasia" que serve de recurso conceptual, incorporando artefactos sensoriais, acabando como arte/corpo generativo, como tende ser, cada vez mais, aquele com que cada um veio ao mundo, no mundo presente.

 

REFLEXÃO/AVALIAÇÃO

Regras como conceitos de saber usar o corpo, a voz, a imagem, a cor, a luz, o som, a percepção de tudo o que nos rodeia, a composição de uma personagem com dados do jogador, dados da própria personagem, dados do orientador e de outros jogadores, domínio da focalização, tensão, contraste e simbolismo, são referências da Linguagem Teatral da qual nos devemos munir para se apresentar um trabalho destas linguagens de acção. O sentido da palavra e do corpo em acção num espaço, é diferente do sentido da escrita inicial ( ponto de partida - quando é um texto inicial ). Aqui está a fuga ao naturalismo como consequência do trabalho sempre que seja por mim proposto, em que a forma artística é conseguida devido ao processo. Se o jogador puder criar ilusão, tudo certo, mas a grande preocupação deve dirigir-se ao jogador no domínio do seu próprio discurso, ao mostrar-se numa situação de Expressão/Comunicação em que se trabalha ao mesmo tempo a forma e o conteúdo. É sempre um trabalho que leva os alunos a interpretarem o mundo que os rodeia, através deste espaço de criação, em que intervêm a partir das suas próprias emoções e sentimentos.

Como animador, obrigo-me a estar num local de verdade, para o jovem se sentir e actuar na verdade, que implica jogo, regras, rigor, o seu desenvolvimento de competências:

            - o estar disponível;
            - o saber escutar e ser receptivo;
            - o deixar-se surpreender pelo inesperado;
            - o ser capaz de sentir o prazer do que é ser-se cúmplice no jogo, criando a afectividade anímica de grupo (implicação afectiva);
            - e sempre a procura da inovação e da renovação.

Para levar a bom porto toda esta empreitada, há que cumprir regras, tais como:

            - nunca jogar só uma vez - retomar sempre o jogo com algo novo, nunca pensar que já está tudo feito;
            - propor, escutar e olhar - são aprendizagens constantes e evolutivas, cada um tem o seu próprio lugar dentro de uma forma de estar colectiva;
            - ter consciência de que o imaginário dá-nos resposta às alternativas e

LEVA-NOS INCONSEQUENTEMENTE AO DESENVOLVIMENTO DA SENSIBILIDADE, AO CONTROLE EXPRESSIVO, À ORIENTAÇÃO DO SENTIDO DE COMUNICAÇÃO E AO DOMÍNIO DAS COMPONENTES FUNDAMENTAIS DO TEATRO.

Apesar de já ter nomeado as regras principais de conduta tanto para os alunos como para o orientador, devo deixar bem explícito que ser-se claro é fundamental para provocar melhor comunicação, apresentar propostas atraentes para provocar inovação, deixar experimentar para provocar melhor conhecimento de si, dos outros e do meio, e deve sempre reflectir com os alunos sobre o trabalho feito, processo/produto e avaliação.

A avaliação é um meio de personalizar a educação. Usa-se, neste caso, para reflectir na eficiência dos processos, tanto o dos alunos como o do professor. Ajuda a compreender o que se esperava ao partilhar-se o resultado, ajuda a compreender a análise, reflectindo para se concluir.

Não devemos esquecer que a educação  ( como dizia Dewey ) não é a preparação para a vida, é a própria vida, e para ser sempre vida, devemos ser rigorosos e maleáveis ao mesmo tempo.


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