Em
carta de Bristol de Outubro de 1887 (1)
ao seu editor, escreve Eça de Queirós: «Je n’ai pas eu Ie
temps de vous écrire et j’éspère que vous n’avez pas
encore commencé à faire brocher le Ier volume. D’abord je
voudrai voir une épreuve de la capa —
surtout parce que le roman a un sous-titre qui doit paraître
dans la couverture.» Ainda
mais duas cartas (2) de Dezembro de 1887
e de Abril de 1888;
na última destas cartas, de novo insiste: «II ne faut pas
oublier que Ie roman a un sous-titre —
episódios da vida romântica.»
Dez
anos antes, em Janeiro de 1878, Eça propusera, também ao seu
editor, como possível décima segunda novela da série a
publicar, Cenas da Vida Portuguesa, um livro que teria como título, Os Maias.
Vemos
nesta carta de 1888 a importância que Eça de Queirós dá ao
subtítulo «episódios da vida romântica». Ele deveria
enquadrar o novo romance num todo, que se processa durante
estes dez anos, e de que O Mandarim e A Relíquia são
marginais, na medida em que representam, como sugere Gaspar
Simões (3),
um transbordar de fantasia do artista para fora dos
moldes realistas que se tinha imposto. De facto, qualquer
destas obras nasceram acidentalmente para satisfazer
compromissos tomados com jornais.
Assim
poderemos considerar pertencentes a um mesmo todo os três
romances: O Crime do Padre Amaro — cenas da vida devota, O
Primo Basílio — episódio da vida doméstica, Os Maias —
episódios da vida romântica, e religar, no conjunto
idealizado por Eça de Queirós, estas três obras que a vivência
de dez anos do artista diversificou, na atitude perante os personagens;
que a evolução da arte de escritor diferenciou na estrutura
do romance; que um mundo de observação diverso, diversamente
condicionou, mas que a determinação do autor uniu, na mesma
intenção: — Critica Social.
É
o meio beato de Leiria e a média burguesia de Lisboa que
assistem e condicionam em Amélia e em Luísa uma relação
amorosa que lhes é fatal. Ainda no contacto aliteratado da
capital e no diletantismo e ociosidade da sua alta burguesia
se insere o amor culpado de Carlos e Maria Eduarda, que, desta
vez, não se fixando na estreita pressão de um circulo social
pequeno, se dilui num exílio que o mundo acaba por absorver.
O
padre Amaro e Amélia, Luísa e o primo Basílio são produtos
laboratoriais gerados num curto prazo diante do leitor.
Personagens de um meio pequeno e inculto, as suas reacções são
primárias, directamente consequentes dos ingredientes manipulados.
Em Carlos da Maia, uma educação exemplar não o liberta do
peso da hereditariedade social. Personagens de um grande
mundo, os netos de Afonso da Maia, vivificados e alimentados
pela «grande civilização europeia», caem, apesar de tudo,
ali numa rua ao Chiado. Eles são vítimas da avó Maia, beata
e histérica, que condiciona a natureza e a educação de
Pedro. O pai de Carlos é a imagem romântica do homem fraco,
que se perde no casamento com Maria Monforte diante da
impotente intervenção de seu pai, Afonso da Maia, homem
digno, representante de todos as virtudes. Eça acentua mesmo
a parecença de Carlos com sua mãe, Maria Monforte.
Vencida
a tacanhez do meio, mesmo assim um destino absurdo se tece.
O
tempo que Gaspar Simões encontra em Os Maias (e de que
fornecemos ao leitor um belo trecho na capa deste livro) é o
tempo do actuar da engrenagem que Afonso da Maia não consegue
suster apesar de toda a sua torça; tempo que o ultrapassa,
que o mata para além de uma velhice que em nada se revelou,
tempo que a todos transcende, em que o Ramalhete e os seus
valores se sepultam.
Sendo
assim, gostosamente nos colocaríamos ao lado do velho
paladino de Eça de Queirós, investigador a quem tanto se
deve, Lopes de Oliveira, que no seu livro, Eça de Queirós, a
Sua Vida e a Sua Obra, considera Os Maias, mencionados na
lista das obras que constituiriam a série Cenas da Vida Portuguesa,
como uma primeira versão deste romance, onde posteriormente o
escritor teria incorporado temas de outras novelas programadas
ou iniciados que não teria chegado a realizar (4).
Assim, diz: «...Os Maias que só velo a publicar-se em 1888,
e no qual Eça de Queirós cerziu alguns assuntos de várias
novelas, contos ou romances, que andara ideando (...) — Porém,
esta sua investida do conde de Abranhos — contra o Poder —
só poderá realizá-la mais tarde, em 1888, diluindo-a no
entrecho de Os
Maias, sob a figura do conde de Gouvarinho.»
O facto de Eça de Queirós ter prometido ao director do Diário
Portugal, Os Maias, como folhetim, virá talvez em abono da
tese de ter este romance sido inicialmente uma pequena novela.
O escritor teria começado a trabalhar o texto nessa intenção,
e ele ter-se-ia avolumado de tal modo que, para manter o seu
compromisso, só uma coisa pode fazer: lançar num jacto uma
novela que satisfizesse a promessa que o jornal fizera aos
seus leitores. Nasceu, assim, O Mandarim.
As
peripécias da edição de Os Maias, circunstanciais, estão
detalhadamente contadas nas livros de Lopes de Oliveira e de
Gaspar Simões, já citados; para eles remetemos o leitor
interessado.
Helena
Cidade Moura
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(1)
- Publicada por Marcello Caetano in Panorama, Junho de 1960.
(2) - Idem.
(3) - Eça de Queirós — O Homem e o Artista, Edições Dois
Mundos, Rio de Janeiro, Lisboa, 1945.
(4) - Gaspar Simões, no seu livro, baseia na análise intrínseca
da obra uma opinião diferente.
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