António
Bragança, Lições
de Literatura Portuguesa, 10ª ed., Porto, Livraria
Escolar Infante, 1976, pp. 319-321.
Simbolismo
À poesia suscitada pelo culto da realidade, fruto
do positivismo, vai suceder uma poesia voltada para o
incognoscível e pensamentos indistintos, confusos e
desgrenhados.
Como se explica tal viragem? No último quartel do séc.
XIX o homem chegou à conclusão de que existe qualquer
coisa mais para além do real e do concreto.
Em 1874 o sábio francês Boutroux, num livro
intitulado Contingence
des Lois de la Nature, conseguiu provar que uma densa
sombra de mistério envolverá para sempre as nossas débeis
certezas, mesmo as conseguidas com o maior rigor científico.
Também Le Roy, Lachelier e, mais tarde, Poincaré, no
livro La Valeur de la Science, chegaram à mesma conclusão, isto é, que
as ciências experimentais estavam impregnadas de metafísica.
Bergson e Paul Bourget, um na filosofia e o outro no
romance, foram quem mais contribuiu para a sua reivindicação
e para a criação duma atmosfera espiritualista em fins
do século.
O primeiro diz que a arte realizada pelos artistas não
é obtida pela análise senão pela intuição. O que é a
intuição? «Uma espécie de simpatia intelectual que nos
transporta ao interior de um objecto, para coincidir com o
que ele tem de único e, por consequência, de inexprimível»
- explica aquele filósofo. Como conseguir traduzi-lo?
Apelando mais para o que a palavra possa sugerir do que
para o que nela se define.
E, assim, o poeta, desprezando a rima, deverá
recorrer mais aos valores musicais dos vocábulos do que
à sua inteligibilidade, emprestar-Ihes um certo sentido
vago, indefinido e nebuloso, e buscar símbolos [NOTA -
Foi em 18 de Setembro de 1886 que no Figaro apareceu um
artigo de J. Moréas com a palavra simbolismo empregada,
pela primeira vez, como designativo de escola.] para
melhor estimular o leitor.
Enquanto o parnasianista se quedava nos aspectos
exteriores descrevendo-os por processos de expressão
directa, e buscava o relevo plástico da escultura, o
poeta simbolista evoca, sobretudo, a vida interior,
indirectamente, refugiando-se na fluidez vaporosa e
aproximando-se da música pelas associações vagas de
vagas imagens, semelhantes às que a música desperta:
Pas la couleur, rien que la
nuance
ou
De la musique avant toute chose.
Foram Paul Verlaine (1844-1896) em Art
Poétique, publicada no livro Jadis
et Naguère (1864), Jean Moréas (1856-1910) no Manifeste
Littéraire de l'École symboliste (1886), Stéphane
Mallarmé (1842-1898) em Avant
Dire, que precede o Traité
du Verbe (1886) de René Ghil, e em Sur
l'évolution littéraire (1891), Arthur Rimbaud
(1854-1891) em Poésies
(1871) aqueles que melhor definiram os princípios estéticos
da nova escola. Na Autobiografia, publicada em
Maio de 1924 no jornal "La Nación", de Buenos
Aires, Eugénio de Castro conta como se apaixonou pelo
simbolismo: «Providencialmente, passaram sob os meus
olhos alguns livros dos simbolistas franceses,
recentemente publicados, de Verlaine, de Moréas, de
Mallarmé e Vielé-Grifin, de Henri de Régnier e de
Gustavo Kahn. Esses livros ensinaram-me milagrosamente a
orientar vagas e flutuantes aspirações do meu espirito e
mostraram-me como a poesia portuguesa facilmente
recobraria o seu vigor e graça das suas grandes épocas,
se alguém nela iniciasse um movimento idêntico ao francês,
variando os ritmos de inspiração, renovando o fatigado
guarda-roupa das imagens, substituindo a expressão pelo símbolo
e a expressão lineal dos parnasianos pela sugestão
musicalmente vaga dos simbolistas.»
CARACTERÍSTICAS
DO SIMBOLISMO
O Professor Jacinto do Prado Coelho expôs, com a
sua usual clarividência, as características comuns a
todos ou a quase todos os poetas simbolistas: «revivescência
do gosto romântico do vago, do nebuloso, do impalpável;
amor da paisagem esfumada e melancólica, outoniça ou
crepuscular; visão pessimista da existência, cuja
efemeridade é dolorosamente sentida; temática do tédio
e da desilusão; distanciamento do real, egotismo aristocrático,
e subtil análise de cambiantes sensoriais e afectivos;
repúdio do lirismo de confissão directa, ao modo romântico,
expansivo e oratório, e preferência pela sugestão
indecisa de estados de alma abstraídos do contexto biográfico,
impersonalizados; mercê de fina e vigilante inteligência
estética (sob dado ângulo, os Simbolistas são os
herdeiros do Parnasianismo pelo exigente culto da Beleza e
pelo papel atribuído à vontade na realização do
poema), combinação muito hábil de inspiração
(abandono aos acenos do inconsciente, às associações
espontâneas) e lucidez (comando e aproveitamento desses
elementos irracionais), com resultados inteiramente novos
em poesia; larga utilização não só do símbolo
tipicamente simbolista, polivalente e intraduzível, mas
da alegoria, da imagem a que deliberada e claramente se
confere um valor simbólico, da comparação expressa ou
implícita, da sinestesia (sobreposição de sensações,
como som branco, etc.), da imagem simplesmente decorativa;
linguagem concreta ou mesmo impressionista (...); carácter
fugaz, dinâmico da imagem, pronta a dissolver-se na
tonalidade afectiva e no fluir musical do poema;
musicalidade que (...) se prolonga em ressonância
interior até para além da leitura do texto; libertação
de ritmos; vocabulário rico de palavras complexamente
evocativas (...); o gosto dos cenários exóticos,
luxuosos, que vem dos parnasianos; o amor das fulgurações
barrocas e dos malabarismos rítmicos» - típicas estas
últimas de Eugénio de Castro, sobretudo.
|