E.
M. de Melo Castro, As Vanguardas na Poesia Portuguesa do
século XX.
O
SENSACIONISMO
Vou agora dizer o mais claramente possível, e em
poucas palavras, qual é a atitude central do
Sensacionismo
.
1. A única realidade da vida é a sensação. A única
realidade em arte é a consciência da sensação.
2. Não há filosofia, ética ou estética, mesmo na
arte, seja qual for a parcela que delas haja na vida. Na
arte existem apenas sensações e a consciência que delas
temos. Seja qual for o amor, alegria, dor, que existam na
vida, na arte são apenas sensações; em si próprias,
nada valem para a arte. Deus é uma sensação nossa (pois
uma ideia é uma sensação), e na arte é usado apenas
para exprimir certas sensações - como reverência, mistério,
etc. Nenhum artista pode crer ou deixar de crer em Deus,
assim como nenhum artista pode sentir ou deixar de sentir
amor, ou alegria, ou dor. No momento em que escreve, crê
ou descrê, consoante o pensamento que melhor lhe permite
obter consciência da sua sensação naquele momento e
dar-lhe expressão. Passada essa sensação, tais coisas
tornam-se para ele, como artista, meros corpos de que a
alma das sensações se reveste para se tornar visível à
visão interior que lhe permite registar as suas sensações.
3. A arte, na sua definição plena, é a expressão
harmónica da nossa consciência das sensações; ou seja,
as nossas sensações devem ser expressas de tal modo que
criem um objecto que seja uma sensação para os outros. A
arte não é, como disse Bacon, «o homem acrescentado à
Natureza», é a sensação multiplicada pela consciência
- multiplicada, note-se bem.
4. Os três princípios da arte são: 1) cada sensação
deve ser plenamente expressa, isto é, a consciência de
cada sensação deve ser joeirada até ao fundo; 2) a
sensação deve ser expressa de tal modo que tenha a
possibilidade de evocar como um halo em torno de uma
manifestação central definida o maior número possível
de outras sensações: 3) o todo assim produzido deve ter
a maior parecença possível com um ser organizado, por
ser essa a condição da vitalidade. Chamo a estes três
princípios 1) o da Sensação, 2) o da Sugestão, 3) o da
construção. Este último, o grande princípio dos gregos
cujo grande filósofo considerava, até, um poema como «um
animal» -, tem sido tratado com muito descuido por mãos
modernas.
Fernando Pessoa, Páginas
Íntimas e de Auto-Interpretação, pp. 136-138.
Noutro texto, Fernando Pessoa define teoricamente o
sensacionismo:
«Nada existe, não existe a realidade, apenas sensação.
As ideias são sensações, mas de coisas não
situadas no espaço e, por vezes, nem mesmo situadas no
tempo. A lógica, o lugar das ideias, é outra espécie de
espaço.
Os sonhos são sensações com duas dimensões
apenas. As ideias são sensações com uma só dimensão.
Uma linha é uma ideia.
Cada Sensação (de uma coisa sólida) é um corpo sólido
delimitado por planos, que são imagens interiores (da
natureza de sonhos - com duas dimensões), elas próprias
delimitadas por linhas (que são ideias, de uma só dimensão).
O sensacionismo, cônscio desta realidade autêntica,
pretende realizar na arte a decomposição da realidade
nos seus elementos geométricos psíquicos. A finalidade
da arte é simplesmente aumentar a autoconsciência
humana. O seu critério é a aceitação geral (ou
semigeral), mais tarde ou mais cedo, pois é essa a prova
de que, na realidade, ela tende a aumentar a autoconsciência
entre os homens.
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