Segundo:
A. M. Cardoso, in «Antologia - F. Pessoa» e Georg
R. Lind, Estudos
sobre Fernando Pessoa, pp. 39 e segs.
O
Paulismo
As principais características deste movimento, em
que se notam ainda numerosos vestígios de simbolismo e
decadentismo, são as seguintes:
a) - Confusão
do objectivo e do subjectivo;
b) - Tentativa de
aproximação de ideias desconexas;
c) - Expressão do
vago e do indefinido;
d) - Subtileza das
sensações sugeridas;
e) - Violação das
regras de sintaxe;
f) - Utilização das
maiúsculas com fins expressivos.
(in: Altino M.
Cardoso, «Antologia - Fernando Pessoa»)
O PAULISMO POR GEORG R. LIND
Os anos de 1913 a 1917, que medeiam entre o corte de
relações com os saudosistas e a apreensão pela Polícia
da revista «Portugal Futurista», foram os mais
produtivos para o pensamento estético-literário de
Pessoa. Os vários esboços de programas prosseguem par a
par com a actividade, agora mais intensa, de poeta ao
longo do ano de 1913, conduzindo, um ano depois, em Junho
de 1914, à criação dos três heterónimos - Alberto
Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos - alicerçando
assim a originalidade da poesia de Pessoa, na fase madura.
As teorias e os poemas modelos a elas ligados reflectem
largamente a intenção que Pessoa tinha de formar
escola, tal como o conseguira Pascoaes com os seus
teoremas da Saudade, e, além disso, a ambição que essa
escola fosse equiparável, se não superior, às correntes
europeias do seu tempo, fiel ao ideal da renovação
espiritual portuguesa que anunciara nos artigos para «A
Águia».
O primeiro destes programas ou correntes, o Paulismo,
é anterior ao nascimento dos heterónimos, e dai Pessoa
relacioná-lo sempre com a poesia escrita sob o seu próprio
nome. O segundo, o Interseccionismo, coincide com o
aparecimento dos heterónimos em Junho de 1914, sendo o
poema programático «Chuva Obliqua» escrito directamente
após os primeiros poemas de Alberto Caeiro. Pessoa
hesitou em atribuir esta poesia a um heterónimo
determinado, atribuindo-o ora a Álvaro de Campos ora a si
mesmo. Esta indecisão explica-se, certamente, pelo
facto de o Interseccionismo ir dar lugar, uns meses mais
tarde, à nova doutrina do Sensacionismo, à qual Pessoa
liga os seus três heterónimos. Ao contrário do
Sensacionismo, sobre o qual nos esclarecem numerosos
fragmentos do espólio, sobre o Paulismo e
Interseccionismo dispomos apenas de escassas observações
escritas, dispersas em cartas do autor, que, por si só,
seriam insuficientes para nos permitir criar uma ideia
exacta sobre estas doutrinas. Provavelmente ambos os «ismos»
foram amplamente discutidos pelo autor e seus amigos, nos
cafés de Lisboa, mas para nós será mais fácil decifrá-los
com base nas poesias que lhe serviram de modelo, do que
através das formulações teóricas.
De entre os escassos textos do poeta escritos por
altura da criação do Paulismo, um, aparecido
postumamente, tem para nós significação muito
especial. Nele, Pessoa postula o carácter de sonho da
literatura moderna. A nova literatura é forçosamente
arte de sonho, segundo Pessoa, porque o pensamento e a acção,
na época moderna, se separaram irremediavelmente. «Na
Idade Média e na Renascença, um sonhador, como o
Infante D. Henrique, punha o seu sonho em prática.
Bastava que com intensidade o sonhasse.» Hoje, o pequeno
mundo fechado de outrora rebentou. A democracia parcelou o
poder em várias partes, a época dos Descobrimentos
alargou a nossa visão do mundo, introduzindo o
imperialismo. No mundo da realidade, as possibilidades
de aventura atrofiaram-se; mesmo as mais audazes expedições
ao Pólo e as mais temerárias experiências dos pioneiros
do voo já não esbarram com mistérios, mas sempre com
factos, já conhecidos da Ciência ou, pelo menos,
facilmente integráveis na sua visão das coisas. Por tudo
isto é que a Arte teve de abandonar o mundo exterior,
desvendado e vazio, e refugiar-se nos mistérios do mundo
interior que tende «... para o sonho crescente, cada vez
mais para o sonho».
O poeta destes sonhos deve deixar-se conduzir pelas
impressões visuais, mais do que pelo ouvido ou pelo
tacto. E o «quadro», a «paisagem» é de sonho, na sua
essência, porque é estática, negadora do continuamente
dinâmico, que é o mundo exterior.
(...) É pois de notar a mudança de atitude em relação
ao Simbolismo, pelo qual Pessoa, nos artigos para «A Águia»,
mostrara a mais total aversão. O Simbolismo já não lhe
parece o canto-de-cisne duma época literária, mas sim um
possível começo para qualquer coisa de diferente, de
novo. Com isto fica o caminho livre para as teorias tanto
paulista como interseccionista. Esta atitude também
explica a razão de ambas as doutrinas, apesar da polémica
de Pessoa contra uma arte subjectiva, serem afinal
prolongamentos da escola simbolista. Para além de ambas
as tentativas, paira a convicção de que «o maior poeta
da época moderna será o que tiver mais capacidade de
sonho». De modo que ambas as «escolas» são tidas desde
o princípio como estádios intermédios, como soluções
provisórias, como «a transição entre dois estádios
da evolução civilizacional», isto é, entre o Romantismo
e uma época nova da arte, ainda não claramente definível.
A designação de Paulismo para a «arte de sonho
moderna» provém de uma poesia datada de 29-3-1913, que
começa com a palavra «pauis». Paulismo significa, pois,
poesia de paul ou pântano. O poema apareceu em 1914, no
número único da revista «A Renascença», e documenta a
primeira vinda a público de Pessoa como poeta português.
De Paris, Mário de Sá-Carneiro, de quem Pessoa se
tornara recentemente amigo, prodigaliza-lhe um acolhimento
entusiasta. Numa carta de 6-5-1913, Sá-Carneiro escreve
extasiado: «Quanto aos PAUIS... Eu sinto-os, eu
compreendo-os, e acho-os simplesmente uma coisa
maravilhosa... É álcool doirado, é chama louca,
perfume de ilhas misteriosas o que você pôs nesse
excerto admirável, onde abundam as garras...» A admiração
de Sá-Carneiro e de outros escritores amigos mostra
claramente que o programa contido no poema correspondia à
expectativa dos autores jovens.
|