II
No
quarto verde virado para a rua,
Relembro-te.
Na colcha cor de laranja
Dormem histórias ao sol da tarde.
Relembro-te a ti que nunca me quiseste,
Relembro-me a mim que sempre estive aqui.
E relembrar já não quer dizer nada.
Uma
vez foste os minutos e os segundos de uma tarde infinita.
Uma vez foste tudo durante tempo demais.
No quarto verde virado para a cidade, o meu silêncio faz
eco.
E relembrar começa novamente a fazer sentido.
A
verdade dessa tarde (fosse ou não verdade) foi para mim uma
mentira.
Nunca foi fácil procurá-la,
Nunca foi fácil descobri-la.
Mas que fazer agora com ela
Quando nos separa e se nos morre na garganta?
Que fazer com uma verdade que não acreditamos
poder ser verdadeira?
Aqui,
hoje, não és mais do que uma história
A dormir suavemente na colcha cor de laranja.
Uma história que não sei, ainda agora,
Se terminava nessa tarde
Ou se continua neste quarto verde
De janela virada para o mundo.
E
relembro-te nos telhados
E nos beirais
E nas pedras da calçada.
E existes agora no fumo do cigarro,
Nas cortinas brancas,
Na cadeira de palha.
E acredito-te na noite que já caiu.
Acredito-te no chão,
Nos livros,
No carro que passa
E naquela torre iluminada
Que eu nunca soube o que é.
Acredito-te sobretudo na colcha cor de laranja.
Relembrar
fará sentido?
Hoje faz.
Apago a luz.
Fecho a porta.
Dorme
bem (onde quer que
estejas agora)…
|