Pinto da Costa - Aveiro

Achou-se um Menino

In illo tempore a gruta 
o bafo quente dos bichos na retina
aquele risco de futuro nos compêndios
com suas palhas de incêndio para o mundo...

tudo ao contrário do que diz a lenda
o dilúvio de promessas incumpridas
a sarça-ardente e a Roma antiga
alcatifada de incenso nos ouvidos...

já os magos escondem seus tesouros
e os anjos descobrem que são feios
há recitais de paz e nasce em vez de trigo
a furunculose gritada da última ceia...

as ovelhinhas não balem nos tugúrios
furtada que foi a lã dos seus novelos
— quem porfia em matar caça nos tojais
e não rega de pastores a fina aragem?

cai dos ares uma estrela arrefecida
só por dentro azul e por fora em cinza
os novos herodes lutam contra o medo
e mais engrossam o castigo doutros deuses...

sozinha e fria no roxo descampado
uma criança salta do gasto caixilho
e vem morar sorrindo nos meus versos
como quem acende um fósforo de neve
e deixa à míngua de si as pulgas no presepe!

Pinto da Costa, 11-12-1986

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