O Silêncio é dor

Aqui, sentada defronte do computador, sinto uma necessidade de justificar os meus propósitos.

Desde menina, sempre me julguei fabulosa e cheia de conheci­mentos enciclopédicos; escrevi ou tentei escrever poesia como se estivesse deslizando no campo da literatura. Nunca fui boa trans­missora das observações ou relatos que me caíam do cérebro.

Houve sempre, em minha volta, ventos mágicos a soprar-me ao ouvido e eu sempre me deixei levar por uma espécie de tentação que – julgava eu! –  escorria duma certa artéria, que é o mesmo que dizer duma certa veia; então, dava-me a veneta; poetizava as palavras e para ali me punha a dar luz ou sombra a tudo que era graça ou desgraça, ao sabor da minha imaginação.

Há apenas dois dias que ando entretida a fazer um diagnóstico a este meu proceder. Está confirmado. Não sei nada! Nada sei daquilo que julgava saber! Tentar poetizar evidencia em mim sinais duma anomalia tal, que desisto! Desisto antes que as minhas obsessões mostrem maior densidade.

A mim própria digo que lamento o fracasso; mas juro que, com a máxima lealdade tudo fiz.  E nada consegui!

Só quero dizer a mim e a todas as gentes: há coisas que eu vejo e sinto diferentes; mas falta-me a expressão! As minhas obras, que sejam desfeitas, pois são barco perdido, só por mim visível num mar em fúria. Há em mim uma crença nas obras feitas, inúteis ao povo! Meus pareceres, que sejam páginas rasgadas, desfeitas. Escrever poemas de noite, acordada, poemas de esperança e vida ou poemas de alma perdida, já foi minha ocupação. Pensei sobre isso e resolvi calar a dor de não adormecer antes de encontrar a cantiga-chupeta.

No entanto, vai ser terrível não procurar, debaixo da almofada, os poemas caídos do meu pensamento.

Acabou; mas o silêncio é dor!

Aveiro, 2007

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Inserido em
4-Jun.-2007