Fulgurância

Escrever poesia,
esta minha literatura
(cavalo à solta)
é o que me segura
esta ansiedade louca.
A poesia
que escrevo
é filtro
no desassossego
da minha imaginação
que fica, sem impurezas,
em sua contradição.
A poesia
a que recorro
permite-me voar
(e eu morro)
se não divagar.


Poeta me senti sempre;
escrevo; será só imaginação?
Observo as coisas,
observo a gente.
Divago. Minto? Não.
Visiono e uso a mente
no campo da abstracção...
o poeta nunca mente:
usa cabeça e coração.


Passo por entre o vento
sem traçar um destino.
Meu caminhar é lento;
e o percurso que sigo
leva o meu pensamento;
sem traçar um destino
sigo nas asas do vento.


E, dentro do pensamento
estão coisas invulgares:
são gritos e são lamentos;
é o som do teu falar
que não consigo olvidar.
E dentro do meu pensar
está um todo, um passado;
é riso, é lamento
que trago, comigo, guardado;
e que gosto de evidenciar
numa suave ternura
e, quando o que foi já passado,
numa lembrança tão pura,
pelo pensamento... é lembrado.


O poeta não mente
(é um ser privilegiado)
porque recorda (e sente)
o pulsar do já passado.
O poeta é diferente
porque algo lhe foi dado:
não é como ser alguém
alegre e descuidado...
o poeta traz consigo a semente
dum ser privilegiado;
e fica ele diferente
porque faz duma caneta
uma foice e um arado!

            Aveiro,1993

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