5ª
Cena
(No
inferno, Perséfone, e Hermes que se aproxima dela lentamente.)
Perséfone
(Melancólica.) — Aqui estou, casada com Hades e rainha
do reino das sombras. Zeus não teve piedade, e condenou-me sem
remédio a permanecer viva neste mundo de morte. Choro o bem que
perdi e choro minha mãe e a sua ternura para comigo. Hades é
bom para mim, mas, deus do inferno, tem um carácter sombrio e
costumes diferentes dos meus e não sou feliz. Não posso
sentir-me feliz, até porque me recuso a esquecer a minha vida
passada. Ó Zeus! Eu estou viva! Viva! Não me condenes para
sempre a permanecer no reino dos mortos só por três bagos de
romã engolidos por causa da sede que me abrasava! É injusta a
tua justiça: condenaste-me a mim e a minha mãe, duas pobres
criaturas contra quem o destino se encarniçou e nos deixou
sem defesa, à sua mercê e à mercê da Dor.
Hermes
— Sossega,
Perséfone. Não te lastimes tanto. Não te disse outrora que a
esperança deve ser sempre a última a morrer?
Perséfone
— Ó Hermes! Como é bom ver-te! Se estás aqui, tu que
és mensageiro de Zeus, é porque tens notícias para mim.
Fala-me primeiro de minha mãe. Viste-a?
Hermes
— Sim. Está feliz, porque Zeus reconsiderou e vai modificar,
a seu rogo, a sua sentença. Perante o alarme dos outros deuses
que levaram até ele as queixas dos homens, que não suportam o
frio e a fome, pois tua mãe, Deméter, não deixa que a terra
produza nem os bichos procriem, ordenou que permanecesses apenas
três meses em cada ano no Hades, tantos quantos os bagos de romã
que ingeriste. Os outros passá-los-ás com tua mãe, à superfície,
a fim de que ela levante a maldição que lançou sobre o mundo
e a Natureza volte a desentranhar-se em vegetação, flores e
frutos, depois de descongelada a terra.
Perséfone
(Maravilhada) — Nem posso acreditar!.. Ainda poderá
haver alguma luz de felicidade para mim nesta vida? Não terei
de permanecer para todo o sempre encerrada no reino das sombras?
Hermes
— Apenas três meses em que chorarás e regarás com
tuas lágrimas, e Deméter com as suas, o mundo superior. Lá
será então Inverno. Nos outros nove meses, haverá Primavera e
a terra florescerá, bichos e homens procriarão e serão lançadas
sementes na terra. Passarás também o Verão, em que saborearás
os frutos e deleitar-te-ás com a quentura que Zeus prodigaliza.
E no Outono, macio e nevoento,
ainda ficarás com tua mãe e assistirás às colheitas e
às festas em honra de Diónisos, o deus do vinho, e a outras
ofertas votivas para com os deuses. Depois regressarás para
junto de teu marido. Mas decorridos outros três meses voltarás
de novo à superfície. E assim sucessivamente. Foi o que Zeus
determinou para aplacar a dureza no coração de tua mãe.
Perséfone
— Trazes-me um refrigério no meio da minha imensa dor. Nem
quero acreditar no que me dizes. Custa-me. Abres-me um mundo
novo de felicidade possível! Ó Hermes, é mesmo verdade?...
Hermes
— É. Acredita em mim. Venho buscar-te. De agora em
diante as tuas lágrimas só regarão a terra durante três
meses do ano, como grossas gotas de orvalho... E tua mãe só
castigará os homens com o frio da sua solidão durante o
mesmo tempo. Anda. Ela está ansiosa por te ver. Hades ficará
com saudades tuas, mas ele é o senhor da tristeza. Já está
habituado. Anda. Foi Zeus que mandou que te levasse.
Perséfone
(Saindo com Hermes para o mundo superior, muito iluminado em
contraste com a luz difusa do submundo.) — Que o Sol seja
bendito! Que a terra se cubra de muito verde, com muitas cores
e com muitos aromas!... Ó Natureza-Mãe, alegra-te comigo e com
a minha felicidade de me sentir viva de novo, mesmo só nove
meses em cada ano! Cronos, meu Pai-Tempo, identifica-me com o
que de mais belo o mundo superior contiver! Eu sou Perséfone,
rainha dos infernos por obrigação e Core, princesa dos montes
da Sicília por devoção! Alegra-te comigo, minha mãe Deméter,
e torna de novo felizes homens e deuses!... Estarei viva, a teu
lado, assistindo ao ciclo das estações e cada dia será uma
festa. Só chorarei durante três meses. Gados e homens
recolher-se-ão enquanto durar a tua e minha tristeza. E será
Inverno e as nossas lágrimas coalharão saudosamente em neve ou
gelo sobre a terra. Mas eu regressarei em cada ano! E todos os
anos haverá a sagração da Primavera, e do Verão, e do
Outono de mil cores quentes e das colheitas a que Deméter,
minha mãe, presidirá... Alegrai-vos comigo, ó deuses do
Olimpo! Voltarei sempre para vos louvar em todos os anos até à
eternidade!
Aveiro,
27-1-1999
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