NÓS DOIS

na luminosidade do teu vulto esguio
no trepidar invisível de teus seios
que mais parecem rodas do que veios
circulando-te por dentro qual navio

no equilíbrio perfeito dessas ancas
misteriosamente tornadas alavancas
para o movimento sonhado e indizível
na transparência clara desse oculto rio
que interiormente te percorre e humaniza
— tudo afinal contigo se passa ao mesmo nível

de mim
que te navego e solto à brisa

por isso é que nos damos ternura mão a mão
e nos erguemos unidos para o mesmo salto

e somos homem e máquina trepando esta ladeira

como se para voarviver mais rente ao chão
preciso fosse subirdescer sempre mais alto
minha amiga bicicleta e terna companheira...

joalpinco, 11/12/1984        

SOBRE DUAS RODAS

NESSE DIA IREMOS DE BICICLETA
MAR EM FORA
DAR A BOA-NOVA AOS MARINHEIROS

VOGAREMOS SOBRE AS ONDAS
COMO AGORA
VOAM DENTRO DE MIM OS TEUS SEGREDOS

IREMOS MAR EM FORA CONTRA OS MEDOS
AINDA PARA ALÉM DO BOJADOR
E QUANDO ENFIM VENCIDAS AS MARÉS
DERMOS ESSA NOVA AOS MARINHEIROS
E SALTAREM DE ALEGRIA NOS CONVÉS
POR SER FINDA A SEDE E SUA MÁGOA
SOLTARÃO UM OH! DE ESPANTO OS MARINIEIROS
NÃO POR NOS VEREM DE RODAS SOBRE ÁGUA
MAS QUAL NINFA ESCULPIDA EM VELHA NAU
PERMANECERES SENTADA NO MEU GUIADOR
E SÓ ENTÃO ELES TOPAREM QUE NÃO É DE PAU
TEU JOVEM BUSTO DE MULHER NUA EM FLOR!...

Joalpinco, 13/12/1984


BICICLETA CONSTIPADA

a bicicleta
a bicicleta
a bicicleta
NA RECTA
LETA
CICLA
BICICLA
 

 

a bicicleta
a bicicleta
a bicicleta
NA META
CLETA
CLIPA
QUE GRIPA

Joal, 12/12/1984

 

Uma bicicleta na cidade é subversiva, é infantil, é indecente. Não cabe nos passeios, salta nos buracos, dança na largueza ululante das ruas, é proibida nos parques e nas auto-estradas: só metida no quintal, do avô, fora de portas, ou no quarto, a coitada foge à ira, um empecilho crónico, uma doença

Arsénio Mota

  


Motocicleta de uma roda só,
In revista "Civilização", n.º 88, Abril
de 1936, pág. 75.

Aveiro, 16 de Julho de 1970.

 

As cidades deformam-se e retorcem-se. As avenidas bordam-se de edifícios que já vimos noutros locais. As máquinas são idênticas do norte ao sul. Só o mar não muda de personalidade.

João Palma-Ferreira

VELOCÍPEDES E CONVIVIALIDADE

A procura de meios de transporte menos poluentes e ruidosos, sobretudo para as cidades, é urgente e necessária. Os espaços urbanos estão ameaçados pela asfixia, rápida ou lenta segundo os casos, se o conjunto das necessidades de transporte tiver que ser obrigatoriamente feito por autocarro, camiões e automóveis, movidos a combustíveis convencionais. Por outro lado, a solução do metro parece ser muito cara e rígida. Restam, pois, os transportes eléctricos de superfície, os veículos de transporte movidos a combustíveis não poluentes e o velocípede nas suas diversas formas.

Segundo alguns técnicos um transporte clássico como a bicicleta poderia ser substancialmente melhorado (sistemas de transmissão mais eficazes, redução de peso, etc.). Em alguns países já se iniciaram programas de alargamento do uso da bicicleta e dos velocípedes em geral, através de aperfeiçoamentos técnicos, construção de pistas para velocípedes no interior das cidades, etc.).

A aplicação das tecnologias não poluentes e não agressivas à organização do espaço exige a utilização da mais suave de todas as tecnologias suaves: a matéria cinzenta! A realização de um tão vasto plano de reconversão de técnicas do transporte exigiria também um novo esforço da colectividade pública e uma participação activa da população. Mas os custos materiais e humanos, em relação aos actuais, seriam muito menos elevados e conviviais. E o impacto sobre o meio natural, económico, social e cultural seria naturalmente mais são...


Imagem de Zé Penicheiro, 1974 - Aveiro, Portugal.

CLETA MARNOTA

 

AQUELA CUJAS RODAS ESTÃO FINCADAS NA ÁGUA
E CUJOS PEDAIS FAISCANTES SAEM DELA
CHEIOS DE ENGUIAS E SAL
ÀS VEZES DE LODO E DE PUS...
DOS PÉS GRETADOS NO ESPELHO
FEITO DE VENTO E DE LUZ

j. a., 11/NOV/1984

 

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