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Pão no Chiede

Março de 1973

 

A 5 de Março de 1973, cheguei com a minha Companhia de Caçadores 3387 do Batalhão de Caçadores 3848 a Chiede, uma localidade pertencente a Pereira d’ Eça. No dia seguinte, procurei saber alguma coisa acerca da padaria, já que, enquanto especialista no fabrico do pão, iria ser o meu local de trabalho durante uns tempos.

Aspecto das tendas no destacamento do Chiede.

Encontrei o camarada que ia substituir. Forneceu-me todos os elementos de que necessitava e alertou-me para o facto de que o forno não cozia o pão nas devidas condições, obrigando o pessoal a ter de se deslocar diariamente a Pereira d’ Eça, a cerca de 60 quilómetros, para o adquirirem na padaria civil.

Decorrido o tempo da sobreposição, partiu a companhia que fomos substituir. Fiquei por conta própria, apoiado pelo meu ajudante, responsável pela padaria. De padaria apenas tinha o nome, pois não passava de uma tenda de lona semelhante às restantes onde o pessoal era obrigado a dormir, na falta de edifícios mais adequados.

Logo no primeiro dia tivemos problemas com a qualidade do pão. Éramos os mesmos que no Quixico tinham sido elogiados por um Brigadeiro durante uma visita. Na altura, fomos chamados a esta alta patente militar para dela recebermos um elogio: «Foi o melhor pão que comi em campanha”. Todavia, no Chiede, onde agora nos encontrávamos, o pão era péssimo, não por nossa culpa, mas pelas más condições do forno. Construído num formato rectangular, o lar do forno era esquisito, talvez uma mistura de barro com terra preta, que se desfazia facilmente. A abóbada fugia à normalidade, construída com as manilhas de zinco utilizadas nos pontões para escoamento de águas, o que não permitia temperaturas adequadas para a cozedura das fornadas.

Face a esta situação pouco vulgar para tarefas relacionadas com o fabrico do pão, dirigimo-nos, juntamente com os meus colegas e o meu ajudante, ao Furriel vagomestre, a quem expusemos o problema e sugerimos que se fizesse como os antigos que tínhamos rendido, ou seja, irmos buscar o abastecimento de pão à padaria civil de Pereira de Eça.

– Padeiro, a companhia não suporta tais custos. Além disso, temos matéria-prima à nossa disposição. Essa decisão só pode ser tomada por alguém superior a mim, pelo nosso capitão. 

Procurando encontrar uma saída para o problema, decidi no dia seguinte levar o forno à máxima temperatura possível. Com ele bem quente, borrifámos as paredes com água, para verificar o seu comportamento. A brusca mudança de temperatura com a água fria provocou quase imediatamente fissuras na parede. Comunicámos o sucedido ao furriel vagomestre, que nos ordenou que fizéssemos as fornadas utilizando o forno tal como estava.

Na hora do almoço, eu e o meu ajudante ouvimos dos colegas coisas que nunca deveriam ter sido ditas. Compreendi a razão de tais reparos. Tínhamo-los habituado a comerem diariamente pão de excelente qualidade enquanto estivemos no Quixico. Por isso, expliquei-lhes que a culpa não era nossa e que até já tínhamos informado o furriel vagomestre do estado do forno, o qual se limitou a dizer-nos que utilizássemos o forno tal como estava.

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No dia seguinte, já com mais uma fornada amassada e levedada para ir ao forno, verificámos que um dos lados tinha ruído, juntamente com a abóbada, impossibilitando-nos de acabar o trabalho. Não sabemos bem o que sucedeu. Suspeitamos, todavia, e fazendo fé naquilo que dois camaradas me disseram, que, durante a noite, terá havido quem tenha ajudado a resolver definitivamente a situação, tornando o forno totalmente inoperacional.

Ruínas do forno do pão. Ampliação da imagem apresentada no início desta página.

Daqui para diante, não houve outra solução que não fosse a de termos de fazer como os antigos camaradas que tínhamos rendido, ou seja, passarmos a abastecer-nos na padaria civil de Pereira de Eça.

Quando alguns camaradas nos vinham pedir apoio para a realização de alguma tainada, a solução encontrada consistiu em recorrermos a um forno civil de reduzido tamanho, existente perto da moradia do Governador, mesmo por detrás do campo onde a malta passava parte dos tempos livres chutando a bola.

Mário Silva
1º cabo padeiro
 

 

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21-07-2011