Estávamos em Maio de
1973. Ao fim de um dia tranquilo no Chiede, quase a escurecer, entra o Aires
(a), colega de armas e
ajudante de padeiro, na tenda de lona que funcionava como padaria. Vinha
encharcado e com ar preocupado:
– Mário, está lá fora a
galinha-do-mato. Está a chover e a trovejar. Pode ficar aqui connosco? Com este
tempo e tão escuro! O Quimbo dela fica muito longe. Se não te importasses,
dormia aqui e logo de manhã, ao amanhecer, vai-se embora.
– Ela pode ficar, mas não
na minha cama.
– Tu não queres aproveitar
e dar-lhe uma...
– Lá querer, até quero. Mas
não dorme comigo. Mal acabe o serviço, vai para ti e depois fazes o que
quiseres. Até pode dormir contigo ou no chão. Tu é que sabes.
Pelas cinco da manhã, já
com o sol a começar a dar sinais de novo dia, foi-se embora a galinha-do-mato.
Mas, dentro da tenda, pairava o cheirete a catinga. Até a roupa da cama, onde
fizéramos o serviço, estava impregnada daquele cheiro. Para cúmulo, parecia que
o cheiro passara também para nós.
– Não aguento este pivete.
O que é que fazemos? – perguntou-me o Aires.
– Mudamos a roupa da cama e
vamos lá para fora, para baixo do chuveiro.
Já debaixo dos chuveiros
improvisados pela malta, com troncos e bidões colocados por cima, fomos
surpreendidos por um camarada:
– O que é que vocês fazem
debaixo do chuveiro a esta hora da madrugada? Está-me cá a cheirar que houve
festa invulgar...
– Porquê? A que propósito
dizes disso? – respondi eu. É assim que costumas fazer? Ou será que já não se
pode tomar banho quando nos apetece?
– A esta hora da madrugada,
com o sol ainda escondido?
– Sabe tão bem um banho a
esta hora como ao fim do dia. E a esta hora até é melhor. Fica-se mais leve
para o resto do dia.
– Pode ser que sim, mas eu
não acredito.
– Tu lá sabes. Uma pessoa
não é obrigada a acreditar em tudo. Pelo menos eu sou assim.
Hoje, passados mais de
trinta anos, já se podem contar estas histórias vividas com as galinhas-do-mato
que, de vez em quando, nos vinham fazer uma visita. Na altura, nem pensar! Se
fôssemos apanhados com uma mulher dentro do quartel e, para mais, uma
desconhecida, ficaríamos, não depenados como as galinhas-do-mato que, de vez em
quando, tínhamos a sorte de caçar, mas com a nossa caderneta marcada, sem falar
no risco de uns serviços a mais de castigo ou de um descanso forçado, sujeitos
a vermos o sol aos quadradinhos. Mas ainda bem que existiam umas
galinhas-de-mato que não precisavam de ser caçadas e que muito eram apreciadas
por nós pelos serviços que nos prestavam, geralmente antes da entrada no
quartel.
Em suma, foi uma guerra que
tivemos que enfrentar e onde tudo fizemos com as melhores das intenções.
Mário Ferreira da Silva
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a) – Aires
Viana de Oliveira
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