Relatório... e contas!


Convívio realizado em Sarrazola-Cacia, no Solar de D. Sebastião,  para festejar a edição do livro “ORIGENS DA RIA DE AVEIRO” da autoria do ilustre Dr. Orlando de Oliveira, “neto” de Dom Bártholo.  

RELATÓRIO

A “gerência” deste convívio, narcísico-democraticamente auto-eleita, é composta pelos abrasonados aristocratas Conde do Fontão, Conde de Mataduços e pelo fidalgo D. Bártholo, três pessoas distintas e uma só verdadeira.

O Conde do Fontão, escudado no seu profundo conhecimento da geografia regional, incumbiu-se da escolha do local; o Conde de Mataduços, usando e abusando da sua longa prática na preparação e organização de petisqueiras, preferiu ocupar-se da composição do menu; o velho fidalgote D. Bártholo alquebrado por anos e anos nestas andanças, houve por bem encostar-se à juventude de D. Sebastião, simpático moço que se ocupou da matança e assadura do bácoro pantagruelicamente devorado à volta duma ampla mesa quadrada onde se estenderam este e outros odoríficos pitéus.

Pela maneira como o mais biqueiro dos participantes – o carolíngio D. Valente – atacou a grossa posta de vianda bovina que por imposição dietética lhe foi servida; a viriática sofreguidão de D. Odemiro ao estraçalhar das frágeis costelas do já referido bácoro; a delicadeza castelhana de D. Queiroz no manejo do talher; a serenidade budista e beirã de D. Orlando; a parcimónia cagareana de D. Jeremias Bandarra e de D. Moraes Sarmento; a sadia e antiga maneira romana com que D. Vitorino e D. Álvaro retraçaram os nacos fumegantes do bicho; a indulgência paternal com que o fisíco D. Soares presenciou e participou no bárbaro e histórico acontecimento... Tudo isto é a prova concludente de que só à volta duma farta mesa se consegue um total consenso!

E farta foi essa mesa! E unânime foi esse consenso!

- O bácoro, mecenaticamente oferecido por D. Orlando e sebastianicamente temperado a preceito, de pau enfiado nos dois grandes buracos com que Deus dotou os animais, e depois de desidratado de águas e gorduras nas mil voltas que deu no forno, era uma iguaria própria de gente aristocrática;

- O arroz-malandro, refinadamente condimentado por um afamado cozinheiro desta especialidade – D. Álvaro – estava de matar;

- Os pastéis de bacalhau, amassados pelas exímias mãos de Dona Luz e frigidos pela condessa Bartholiana, abriram o apetite ao néctar roxo do Dão devotamente oferecido por D. Vitorino, o mesmo fidalgo que presenteou os participantes com saborosa e aromática aguardente da lavra das suas quintas;

- Os “fios-de-ovos”, uma bela oferta do esmerado fabrico sarmentino, eram de lamber os beiços;

- Os “salgadinhos”, os “ligons”, a salada de frutas – generosidades de D. Sebastião... acicataram apetites;

- A broa, as azeitonas, o café, enfim... tudo o que na rede caiu era peixe.

Foi pena que faltassem ao convívio fidalgos de rara estirpe, como D. Almeyda da Câmara e Ruas, perdão, y Ruas, o Duque da Cova do Macho, o poeta D. Ezequiel e o desejado e conceituado jornalista D. Damião.

Com a graça e o humor do primeiro, com os acordes harmoniosos do segundo, com as odes cáusticas do terceiro e com o remate oratório do último, o convívio rebentava em estrondosa apoteose!

Que o diga D. Sarmento, autor de um saudável e alegre discurso, que não fez, por o mesmo exigir acompanhamento à “harpa” dedilhada pelo faltoso Duque da Cova do Macho. Mas porque calar esse naco literário seria um imperdoável roubo à lusa-prosa humorística, aqui e agora, a vamos reproduzir textualmente:

“Com o respeito de sempre e a admiração incontida, peço ao bom reitor, o Dr. Orlando Oliveira, meu muito querido professor que, como anfitrião, me conceda permissão de glosar um tanto, enquanto fazemos o quimo...

 

Não sei se a minha intromissão será benquista entre gente fidalga de tão elevada estirpe!

Mesmamente se terei perdão por botar palavra na corte de Vossas Senhorias! Mas se me arrogo pronunciar, estribo-me no ditame da prenúncia dimanada dos Paços do rotundo D. Bártholo, que ma “mensajou” para esta festança.

Se o que disser não for cousa que bem se ouça, reverencio-me submissamente ao julgo da Vossa reinante nobreza, da qual mais não sou senão um dos mil vossos humílimos súbditos!

É que, ao tomar tento deste séquito sebastianista no seu reduto, também me aprestei avassalar meus minguados tributos a tão egrégios cavalheiros.

É que era sabido, pelo anunciado, aqui estar hoje acoitada, no telheiro da ara do sacrificado bácoro, o melhor da fina-flor da nossa aristocracia, recamada de honor e glória por mercês de Sua Sereníssima Majestade que, nas plagas da moirama, outrora esgrimiu com estoicismo as armas garbosas que seus brasões encimam.

Desta grandíloqua plêiade de bons senhores, sobressaem as casas dos Soares, dos Valentes, dos Almeydas da Câmara y Ruas, dos Pereiras, dos Álvaros, dos Vieiras, dos Queiroz, dos Bandarras e de outros mais gentis-homens  que não há guisa revelar!

Então, remordido por inveja de lhes enxergar sobejamente as origens de suas géneses, maquinei porfiar esgaravatando os anais das árvores genealógicas para, na altura, não botar má  figura nos panegíricos a bajular Suas Senhorias.

Eis senão quando, ia caindo de c...ostas!

Boquiaberto (mas sem deixar entrar mosca) nem queria crer no que havia nos calhamaços que tão esforçada e avidamente tinha folheado!

Alusões a barões que eu considerava tanto, nada visto!

Mais! Nem nos remissivos assombreámos quaisquer asserções em que se vislumbrassem as linhagens que evocam, principalmente os titulares presunçosos dos bastões das Casas da “Cova do Macho” e/ou da do “Fontão”!

Aduzimos assim, sem pretensas maiores, razões para esconjurarmos tamanha arara, perpetrada por fidalgos embusteiros que, por sorte de seus cabedais, transmudaram os cobertos do moleiro e da besta que azoava a mó, nos espaventosos solares que, com manhosas aleivosias, aliciaram os artesãos a esculpir-lhes as heráldicas nas pedras sobrantes.

Nem de Condes nem de Duques eles enxergam pergaminho algum de alforria, que por benesses lhes haja conferido seu amo. Menos ainda o titular de Marquês (a não ser, isso sim, o dos bons marqueses que eles mesmos já emborcaram para os seus proeminentes bandulhos!).

O do D. Bártholo, conde heterogéneo por sémen, apenas lhe reprovamos a tonta usurpação onomástica da figura carismática na Obra buffa de Rossini, que o nosso caruso Odemiro, daqui a pouco, após os arrotos da praxe nos vai retinir os tímpanos com os sustenidos do seu Fígaro.

A denúncia da coroada cabala justifica-se! Para os flibusteiros desta fidalguia careta, deveremos sentenciar que lhes zurzamos os costados com os ossos da arrozada malandra com tomates, que o D. Álvaro intima a repartir o seu custo.

Desmascarados, assim, os trapaceiros que conspurcam a dita cuja nobiliarquia, Vossas Senhorias por certo também irão repudiar e ditar outras sevícias de lavra usual.

Para esta minha arenga espero colher todas as indulgências.

Deus guarde na sua infinda misericórdia todas Vossas Senhorias

 

Simples pretexto este meu, para melhor manifestar ao Senhor Doutor Orlando de Oliveira o sincero reconhecimento pelo seu gentil convite e, mais ainda, pela oferta preciosa da sua estimada obra agora editada: “Origens da Ria de Aveiro”.

A satisfação maior de nós todos, senhor Reitor, é sabê-lo vivo, actuante e meritoriamente prestável.

Bem haja!”

 

A Dolorosa

DESPESAS

A PAGAR POR

Leitão (sem IVA)

5.850$

Dr. Orlando de Oliveira

5.850$

Miúdos de galinha

1.730$

Bartolomeu Conde

   350$

Bife de vaca

   300$

Manuel Álvaro

   350$

Azeitonas

   130$

Odemiro Soares

   350$

Alface e tomate

   400$

Vitorino P. Costa

   350$

Pão trigo e broa

   185$

Jeremias Bandarra

   350$

Arroz

   155$

Moraes Sarmento

   350$

Café e açúcar

   250$

Eng.º Valente

   350$

 

 

Dr. João Soares

   350$

 

 

Eng.º Queiroz

   350$

Totais..................... 

  9.000$

........................................

9.000$

 

Notas:

- O Sr. Dr. Orlando quis e insistiu em pagar tudo; não conseguimos que aceitasse deixar-nos pagar as despesas relativas ao leitão.

- O Sebastião, que assou o leitão, ofereceu a casa, o gás e tudo fez para que o convívio fosse um êxito. Do trabalho e do que ofereceu, nada quis por paga.

- O Moraes Sarmento trouxe um belíssimo doce; o Vitorino trouxe o vinho e aguardente, ambos foram gentilmente generosos.

E assim acabou o convívio, em Paz, Alegria e Amizade

 

Paços Senhoriais de D. Sebastião, em Sarrazola, aos 21 de Maio de 1988.

O Relator

 

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