Carta a D. Bártholo

...cumpre-me, D. Bártholo, perdoar-lhe ofensa tanta!



Creia-me, D. Bártholo, absolutamen-te chamuscado por tanta ignomínia por vós mandada exarar publicamente neste mensário contra a legitimidade  da tão arcaica Casa dos Duques da Cova do Macho, da qual sou mui nobre titular.  

Esquece D. Bártholo que, primeiro que tudo, somos vizinhos — não se lastime, por conseguinte, se alguns dos seus galináceos vierem, um dia, a sofrer graves traumatismos...

Esquece que a sua cabana — feita mais pela mão de Deus que pela mão do Homem embora tenha telhas de vidro (conhece o ditado?); esquece também toda uma família, a minha, cuja linhagem é bem conhecida de toda a grei e particularmente invejada em terras do Baixo Mondego; esquece, no final das contas, a sua verdadeira posição na hierarquia monárquica a que se diz estoicamente pertencer!

Vira-se-lhe o bico ao prego, meu bom Senhor, quando — por ignorância ou por descoloração coronária — critica  o meu escudo heráldico... como se isso fosse ”culpa mea” ou da minha ancestralidade! Saiba que no fundo, apenas me limitei a deixar correr a pena sobre um estafado papelucho do séc. XVIII — encontrado no fundo de uma arca de coiro na Quinta dos Viscondes de Verride, meus primos. — onde, discreto, mas perene, lá estava o Brasão do meu sangue. Tal como é, sem alterações. Com cavalo, e não com jerico! Azul, azulinho, lindo!

Poder-se-á porventura a ele comparar ou até contrapor — como pretende — a mediocridade do seu escudo, que D. Bártholo rabiscou sem o menor respeito pela heráldica e pelo design?

Se não, vejamos:

No seu Brasão, que vemos na parte superior! ... uma autêntica peneira com flutuadores (precaução contra a crise, talvez), mais se coadunando com a arte de garimpeiro, de tendências aerofágicas, a adivinhar pelas 5 estrelas capturadas para os “lizes” em estilo de caçador de borboletas! Na parte central do mesmo, de formato supositorial, deixa-se transparecer a sua real (verdadeira) ascendência de plebeu refinado, sempre ligado a actividades subalternas de alpercatas e cinzel. Completam-no duas penas de olhos tristes com ar de quem se interroga: que estamos nós a fazer aqui? ... Que mau ambiente vai nesse Brasão!... E como se esta nudez aristocrática não bastasse, ao “rabo” do seu escudo acrescentou declinativamente: “NEC PLUS ULTRA”.

... Então, lá porque considera demasiado rápido a sua ascensão a Conde, já não quer ir mais além? Ó Senhor Dom Conde!... e eu que estava já a pensar nomeá-lo escrivão-mor do Reino da Cova do Macho!!!

Cumpre-me, D. Bártholo, apesar de tudo e porque ainda me considero seu amigo, perdoar-lhe ofensa tanta. Talvez um dia reconheça que procedeu irreflectidamente; admito até que a pena lhe tenha escorregado leve ao lavrar tais considerações denegritivas da minha Ducal condição. Está perdoado. No entanto, senti-me na obrigação de proceder a determinadas correcções, não podendo ficar silencioso perante tanta calúnia, para que ao mesmo público que o leu em Fevereiro, se lhe restitua o sacratíssimo direito de conhecer a verdade e apenas a VERDADE!

Cova do Macho, 25 de Março 85     

    

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