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Foi no
princípio da década de 60 que o conheci. Mesmo como estudante
voluntário – era assim que eram designados, por esses tempos, os
estudantes trabalhadores – nas minhas deslocações a Coimbra para
fazer “frequências”, sempre procurava ir ver as exposições do
“1º.de Janeiro”. Era o que havia, para além do Círculo de Artes
Plásticas da Associação Académica de Coimbra, então recentemente
criado. Foi lá que vim a encontrar Mário Silva, um dos seus
fundadores. |
Eu procurava criar em Aveiro uma
coisa semelhante como secção autónoma do Clube dos Galitos. Só assim
me livraria dos problemas e das dificuldades que a lei punha à
constituição de novas associações, particularmente de índole
artística. Com ele estabeleci os primeiros contactos, as primeiras
trocas de ideias. De uma generosidade espiritual enorme, facultou-me
cópia de estatutos do seu Círculo, facilitou-me o convívio com
outros estudantes apaixonados pelas coisas da Arte, mostrou-me muito
do que ia pintando. E em mim foi-se radicando a ideia de que era
imperativo trazer Mário Silva a expor em Aveiro. Foi no Teatro
Aveirense, no seu salão nobre, que se fez a mostra. Autêntica
pedrada no charco esta exposição. As pessoas, nada habituadas a esta
sua pintura, alguma dela abstracta, outra deixando adivinhar muito
do expressionismo figurativo alemão que o viria a acompanhar pela
sua vida fora, outra ainda ressumando Maria Helena Vieira da Silva.
Mas todo ele sem se deixar rotular, no seu inconformismo, na sua
rebeldia, na sua constante e permanente insatisfação na procura de
novos caminhos.
Pelo seu porte, pelo seu
comportamento, pela sua capacidade interventiva, Mário Silva soube
concitar sobre a sua obra plástica atenções inusitadas. Irreverente,
provocador, desestabilizador, ele foi um dos sinais premonitórios de
uma nova época que despontava em Portugal
E, muito especialmente, em Aveiro.
Posteriormente, e ao longo dos
tempos, Mário Silva continuou a vir a Aveiro, principalmente pela
mão do galerista Zé Sacramento. Para além de várias exposições,
individuais e colectivas, ele nunca deixou de participar nas anuais
“sardinhadas dos artistas”, excelentes ocasiões de convívio criador
posto ao serviço de nobre causa: apoio a estudantes carenciados.
O desejo de expor Mário Silva no
seio de AVEIRO/ARTE não é de agora. Mas foi agora que a oportunidade
surgiu. De longada até Santa Luzia de Lavos, fomos o Carlos Souto, a
Claudette e eu próprio dar com o Mário à porta de uma casinha térrea
que ele nos mostrou desveladamente e que fez questão de afirmar que
virá a ser o museu e a sede da sua futura fundação. Com ele
escolhemos vinte e cinco telas, classificáveis em três grupos. Um, o
das suas Coimbras, sempre com leitura de Santa Clara; outro, o dos
seus rostos, das suas figuras; outro ainda, para mim totalmente
novo, o das flores.
É este jovem Mário Silva de 75 anos
de idade que AVEIRO/ARTE vos mostra. O Mário Silva da minha
juventude continua aí, pletórico de energia criadora, desafiando-nos
a todos para a descoberta de novos recessos da imaginação, da sua
imaginação.
Gaspar Albino |