AVEIRO E AS SUAS FREGUESIAS
UMA ÚNICA FREGUESIA
Desde os tempos da Reconquista Cristã e da
reorganização da Igreja no território de entre os rios Douro e
Mondego, o povoado de Aveiro constituía uma única freguesia, cuja
matriz era a igreja de S. Miguel. Construída certamente nos finais
do século XI por iniciativa de D. Sisnando, conde de Coimbra e
vassalo de D. Fernando Magno, rei de Leão, o primeiro edifício
erguia-se num outeiro relativamente elevado, onde talvez tenha
existido uma fortificação e uma mesquita.
Sobranceiro ao mar, que por ai entrava e formava uma
comprida baía com diversos braços – entre os quais o que se
prolongava até ao Marnel – o incipiente "Alavário" era um lugar
avançado da região conimbricense, voltado para o norte. Nos seus
arredores, já nos meados do século X, a Condessa Mumadona Dias
possuía terras e salinas, que por doação de 26 de Janeiro de 959,
doara ao Mosteiro de Guimarães.
A igreja de S. Miguel – dedicada a este Arcanjo que
se tinha por defensor dos cristãos contra as arremetidas do demónio
e nas lutas contra os sarracenos – merece uma referência especial.
Era o mais antigo monumento de Aveiro, reconstruído e ampliado
diversas vezes ao longo dos séculos, uma das quais em 1420 por ordem
do Infante D. Pedro. Embora de uma só nave, era grande e construída
de pedra e cal. Situava-se na actual Praça da República, onde hoje
se ergue a estátua de José Estêvão, sendo a porta principal voltada
para poente e a capela-mor ombreando a rua da Costeira. As paredes,
à data da demolição em 1835, encontravam-se cobertas de azulejo,
pelo interior. A torre esguia, um tanto arruinada, ostentava três
sinos e uma sineta. Possuía duas sacristias, um púlpito de grade de
pau preto torneado, onze altares votivos, e o baptistério com pia de
pedra branca lavrada. O altar-mor, com retábulo de talha dourada,
era dedicado ao Titular, cuja última imagem, estofada e dourada, se
encontra presente na catedral. Anexa ao templo era a capela de Santo
Ildefonso, primeira sede da Confraria de Nossa Senhora da
Misericórdia, fundada em 20 de Agosto de 1506, cujo primeiro
"Compromisso" tem a data de 11 de Dezembro de 1519. No adro,
levantava-se uma capela em estilo gótico, dedicada à Mártir Santa
Catarina, e outra consagrada a Santo António; esta, em frente da
cadeia – que era nos baixos dos Paços do Concelho – tinha uma porta
com a largura necessária para, aberta, os presos poderem ver e ouvir
Missa em todos os domingos e dias santos.
QUATRO FREGUESIAS
No Séc. XVI, a região de Aveiro continuava dentro dos
limites da Diocese de Coimbra, que para norte se estendia até ao rio
Antuã que corre ao lado
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de Cambra, de Oliveira Azeméis e Estarreja. D. João Soares tratou
logo de fazer uma visita às freguesias da sua Diocese; para a
preparar, mandou previamente que se fizesse o recenseamento da
população de cada uma. Por ele se achou que Aveiro, em 1572, tinha
11.365 pessoas de comunhão; o bispo reconheceu ser excessiva tal
população e determinou dividir a então vila em quatro paróquias.
Como a Igreja de S. Miguel pertencia ao padroado da ordem de S.
Bento de Avis, tal divisão não se podia fazer sem o rei ser
consultado; ele era o grão-mestre da mesma Ordem. D. Sebastião anuiu
logo e deu a autorização pretendida. O prelado, por provisão de 10
de Junho de 1572, parcelou o território nas seguintes freguesias:
São Miguel, composta pela quase totalidade da vila muralhada e pelo
Bairro do Alboi, a ocidente; Espírito Santo, que agrupava os
conventos de S. Domingos, de Jesus e de St.º António e se estendia
para sul, compreendendo o Cimo da Vila, Vilar, S. Bernardo, Santiago
e parte da Presa e da Quinta do Gato; N.ª Sr.ª das Candeias ou da
Apresentação e Vera Cruz, ao norte do canal central da ria, aquela
para poente e esta para nascente. À freguesia da Apresentação
pertencia ainda todo o território da ria desde a "cale da vila" até
ao canal central de Ovar (S. Jacinto era da jurisdição de Ovar), e a
Vera Cruz tinha dentro dos seus limites os Conventos do Carmo e de
Sá e alargava-se por parte da Presa e da Quinta do Gato. Depois
desta divisão, a freguesia de S. Miguel ficou com cerca de 4500
Habitantes e cada uma das outras 2500. A Velha matriz manteve para
si parte mais nobre da vila.
DUAS FREGUESIAS
Nos princípios de Séc. XIX, notava-se que a velha
divisão do País se tinha tornado anacrónica e incompatível com as
necessidades sociais. Logo na constituição de 1822 se futurava a
divisão do território em distritos e o modo de neles se fazer a
administração judicial, política e civil. A carta constitucional de
1826 manteve tal projecto. Passados anos, em 1833, o território
nacional era dividido em oito Províncias: Minho, Trás-os-Montes,
Douro, Beira Alta, Beira Baixa, Estremadura, Alentejo, e Algarve;
foram estas subdivididas em comarcas, que por sua vez, o foram em
concelhos. A comarca de Aveiro ficou situada na província do Douro.
Por se verificarem graves inconvenientes na divisão
provincial, que eram circunscrições administrativas demasiado
extensas, abolir-se-ia tal divisão com esse carácter em favor da
divisão distrital, subdividida em concelhos. Assim em 18 de Julho de
1835, o Governo fez publicar um decreto, com base na lei de 25 de
Abril anterior, fixando em dez as suas capitais; em 25 seguinte,
seriam nomeados os respectivos governadores civis. Após a
instituição do distrito de Aveiro e da entrada em funções de José
Joaquim Lopes de Lima, seu primeiro responsável, foram as quatro
freguesias da cidade reduzidas a duas, por alvará de 11 de Outubro
de 1835, assinado pelo governador, sete o N.º de distritos no
continente português e indicando os nomes civil; publicado o
documento, foi ele remetido ao bispo da Diocese,
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D. Manuel Pacheco de Resende, que se teve de conformar com tal
resolução e, atendendo às razões expostas no mesmo alvará, mandou
passar a respectiva portaria com data de 13 de Outubro, para início
do processo no foro eclesiástico. Por essa forma, constituir-se-ia,
ao norte do canal central da ria, a freguesia da Vera-Cruz e, ao
sul, a de N.ª Sr.ª da Glória; o bairro de Sá era incorporado na
primeira das paróquias. Fora extinta a de N.ª Sr.ª da Apresentação,
por uma lado; e, por outro, as de S. Miguel e do Espírito Santo
davam lugar à de N.ª Sr.ª da Glória, criada de novo.
A matriz da freguesia setentrional continuou na
igreja da Vera-Cruz, que existia no actual largo do Capitão Maia
Magalhães. Dezenas de anos depois, pensando-se em construir um novo
templo, iniciou-se no mesmo sítio uma outra edificação que não
chegou a concluir-se e foi demolida em 1945. O centro religioso,
transferido provisoriamente para a igreja de N.8 Sra. da
Apresentação, lá acabou por ficar com carácter definitivo. A
paróquia meridional, que recebeu o nome de N.8 Sra. da Glória -
talvez para honrar também a Rainha D. Maria da Glória, que não
apenas mãe de Cristo – passou a ter como sede a igreja do extinto
Convento Dominicano de N.ª Sr.ª da Misericórdia. Quanto à vetusta
igreja de S. Miguel, essa foi sacrificada pelo camartelo demolidor.
O aludido governador civil, a pedido de certos políticos influentes,
sentenciou a sua destruição, não fosse o nome do Titular lembrar
perpetuamente o do rei proscrito; e a demolição iniciava-se ainda em
Outubro de 1835, poucos dias depois de extinta freguesia. Antes em
18 de Outubro, haviam sido conduzidas, em procissão e com todo o
respeito, as principais imagens deste templo para o de S. Domingos.
O acto foi precedido com um sermão em que o orador procurou
demonstrar que a destruição da igreja não tinha sido ordenada por
ódio ou desprezo da região, incentivou os presentes a acompanhar o
cortejo que se ia fazer, e lembrou ao povo que se deveria conformar
com as determinações da autoridade, com o progresso dos tempos e com
os bons desejos de muitos habitantes de Aveiro. Apesar destas
palavras, numerosos ouvintes derramaram lágrimas e interromperam o
discurso com alaridos, protestando assim contra a demolição de um
templo, digno de respeito por muitos títulos. Por sua vez, a igreja
do Espírito Santo, no largo que hoje tem o nome de Luís de Camões,
foi considerada inútil e votada ao abandono; porque ameaçava ruína
acabou por ser profanada em 31 de Janeiro de 1836. As imagens foram
conduzidas ocultamente para a nova igreja paroquial; e em 1841, foi
apeado o cruzeiro, muito semelhante ao de S. Domingos que se
levantava a pouca distância do templo. Depois de dúvidas continuadas
sobre a sua conservação, a Câmara Municipal de Aveiro, de acordo com
a junta de Paróquia determinou, em 10 de Fevereiro de 1858, que
fosse demolida – o que se efectuou daí a pouco. Os materiais
empregaram-se na construção da torre da igreja de N.ª Sr.ª da
Glória. Para que a decisão de Outubro de 1835 tivesse legalmente a
completa execução canónica, o bispo de Aveiro, em 7 de Março de
1836, mandou passar nova provisão. Aí se declarava e conformava que
o padre Manuel Rodrigues
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Tavares de Araújo Taborda ficaria pároco da freguesia da Vera-Cruz,
atendendo a que o mesmo eclesiástico tinha servido mais de 36 anos a
extinta paróquia de N.ª Sr.ª da Apresentação; e que o Padre António
Dias Ladeira de Castro, por sua vez, seria o pároco da freguesia de
N.ª Sr.ª da Glória, por ter estado na de S. Miguel por mais de seis
anos.
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Monsenhor João Gonçalves Gaspar
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