ADERAV

30 anos a defender e a divulgar o património de Aveiro.

 

A freguesia da Glória é herdeira da velha história de Aveiro. A Glória é o lugar onde a cidade se afirmou, ultrapassando aquela vila modesta de outros tempos. É na Glória que está em grande medida a geografia dos nossos grandes momentos.

Infelizmente, grande parte do rico património que preenchia outrora a freguesia foi sendo perdido a um ritmo que ainda hoje nos custa a aceitar e perceber. Aqui existiram muralhas (eliminadas até ao mais escondido reduto), ergueu-se a imponente igreja de S. Miguel (arrasada sem deixar rasto), houve o convento das Carmelitas (decepado e adulterado até quase irreconhecível), houve a igreja do Espírito Santo nas 5 bicas, houve St.º António e S. Domingos, palacetes da nobreza e fontes do povo. Tudo isso e até a "feira das cebolas" (que dará o epíteto aos da Glória) fez parte de um património, seja material ou imaterial, cuja perda é irreparável.

Foi contra uma certa voragem demolidora e de "falso progresso" que se mobilizou um grupo de personalidades da região, para fundar, em 1979, a ADERAV, Associação para o Estudo e Defesa do Património Natural e Cultural da Região de Aveiro.

Ainda que recebida sob certa desconfiança e com momentos por vezes de grande tensão com os poderes, a ADERAV soube conquistar o seu espaço e fazer ouvir a sua voz, ainda que incómoda. As intervenções qualificadas e atentas, algumas vezes recorrendo a meios de comunicação social, desde jornais locais e nacionais à rádio e à TV; as iniciativas promovidas nas áreas do património natural e cultural; o importante contributo das suas publicações para um melhor conhecimento e valorização da riqueza natural e cultural da região de Aveiro; tudo concorreu para afirmar esta associação.

Imaginemos que a Acrópole de Atenas era mera inscrição num livro, que o Coliseu de Roma e toda a grandiosidade da Roma antiga eram hoje meras ilustrações num vaso por acaso encontrado.

Imaginemos agora Aveiro despojada dos seus monumentos. A igreja das Carmelitas e a das Barrocas em ruínas. Imaginemos Aveiro sem azulejos. Imaginemos outra Aveiro sem o que é hoje o seu Centro Cultural e de Congressos. Imagine-se a cidade com um imponente arranha-céus de 32 andares no Cojo, destruindo por completo a paisagem urbana. O que seria Aveiro sem o edifício da Capitania, sem a bela casa do Major Pessoa e / 30 / todas as marcas de Arte Nova que são hoje orgulho da cidade e reconhecimento de quantos a visitam?

Aqueles são alguns exemplos em que a acção da ADERAV foi decisiva para alterar um certo rumo.

O historial desta associação faz-se também de derrotas: perdemos a lindíssima casa de Homem Christo e seus painéis; o claustro do convento de St.º António foi também ele ocupado; destruíram-se painéis e painéis; demoliram-se edifícios marcantes; deixou-se degradar muito do edificado com história.

Ao longo dos anos, além das campanhas pelo património, a ADERAV dinamizou iniciativas marcantes: desde as visitas guiadas mantidas ao longo dos anos, a primeira das quais orientada pelo saudoso Eduardo Cerqueira, distinto e empenhado colaborador da associação; os Colóquios e Jornadas, como os realizados nos anos 80, sobre Cultura Popular, orientado por Hélder Pacheco, o Encontro Nacional Arte Nova em 1998, as Jornadas do Património em 2004, as Jornadas de História Local em 2007 e 2008, com corolário no Congresso de 2009 (parceria com a Câmara Municipal de Aveiro); o Encontro de Zonas Húmidas em 2008 com a Câmara Municipal de Águeda.

A ADERAV também deu atenção aos jovens, logo nos anos 80 (do séc. XX), organizou-se um campo de trabalho de arqueologia em Cristelo da Branca e, seguindo esse exemplo, recentemente, envolvemos alunos da Escola Secundária Magalhães Lima em Área de Projecto; realizámos um concurso de trabalhos escolares (artes plásticas e ensaio) para jovens do concelho (integrado nas comemorações dos 250 anos de Aveiro), participámos no Conselho Geral da Escola Secundária Mário Sacramento, organizamos anualmente um passeio de cicloturismo designado Bike Paper Património, em colaboração com a Associação dos Antigos Alunos da Universidade de Aveiro.

Na área editorial a ADERAV, com o desaparecimento do prestigiado “Arquivo do Distrito de Aveiro”, preencheu essa grave lacuna com a publicação do Boletim entre 1980-1990 e, desde 2004, a revista “Patrimónios”, além de um conjunto já considerável de edições de autores regionais. A edição centrada na região, sua história e património, justificariam só por si a existência desta associação.

A ADERAV é feita de pessoas concretas e ao longo dos anos foram várias as personalidades oriundas do meio académico e do ensino secundário, aliadas a simples cidadãos, de Aveiro, de Águeda (um dos núcleos iniciais), de Ílhavo, de Albergaria-a-Velha, de Estarreja, de Murtosa, entre outros. / 31 /

De entre os que passaram pelas nossas direcções contam-se desde o trabalhador da indústria, que nas suas horas de ócio se foi cultivando até saber "segredos" do património, até aos que pelo seu prestígio atingiram lugares públicos de vereadores, deputados, reitores e ministros, todos tendo em comum a postura generosa de partilha da sua cultura e conhecimentos e uma preocupação perante os destinos da comunidade em que vivem.

Ser ADERAV é um pouco como o lema escuteiro "sempre alerta". Nos últimos dois anos a ADERAV trouxe de novo para a praça pública a necessidade de recuperação urgente do conjunto formado pela igreja do antigo convento de St.º. António e da Capela da Ordem Terceira de S. Francisco. Por nossa iniciativa e pela primeira vez foi realizado um estudo exaustivo por uma equipa especializada da Universidade Católica do Porto e, mobilizando cidadãos e entidades, conseguimos a integração deste projecto na candidatura Parque da Sustentabilidade, submetida pela Câmara Municipal de Aveiro, aprovada pelo QREN e em curso. Após décadas de indiferença, a freguesia da Glória, Aveiro e o País (visto que se trata de um monumento nacional) terão mais um dos seus tesouros preservados.

Este exemplo é bem significativo do que pode a vontade e a organização dos cidadãos materializada nas suas associações, certamente em diálogo e parceria com o Estado, as Autarquias, incluindo as juntas de freguesia.

Associações independentes, sem fins lucrativos e sem subsídios, vivendo apenas dos sócios e das actividades realizadas, como é o caso da ADERAV, terão futuro? Tudo dependerá da qualidade da nossa cidadania, do nosso empenhamento na vida colectiva, da medida do nosso egoísmo ou do nosso amor à terra que herdámos e cuja identidade é nosso dever passar às gerações vindouras.

Luís Souto de Miranda

Presidente da Direcção da ADERAV

 

 

 

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