Ao
circularmos por um dos corredores das nossas escolas, a visão é sempre a
mesma: centenas de crianças e adolescentes de olhos pregados em visores
coloridos e polegares ultra rápidos e eficientes na manipulação dos
smartphones.
Desde tenra idade, as crianças usam smartphones, tablets,
e dão-nos lições a nós, pobres velhotes. São verdadeiros nativos
digitais, hoje em dia etiquetados como Geração Z. Ou será outra qualquer
letra do alfabeto? Cedo começa a pedinchice por um telemóvel para jogar
e ver desenhos… E para estarem entretidos, para não se chatearem e não
chatearem ninguém... porque não?
Claro que antigamente não era assim… Pois claro, não
havia telemóveis! Credo!!! Como é que se sobrevivia sem telemóveis? Como
era no tempo dos pais dos nossos alunos? O que se fazia? Para um adulto
de 30 aninhos em 2024, ter um Nokia 3310 era o auge da felicidade de um
qualquer adolescente que podia mandar umas cem sms por mês (sim, havia
limite para o número de sms e não, não havia Whatsapp!, nem dados móveis
sequer!).
Longe vão os tempos das “piscinas” à volta da escola, das
corridas para o exterior para mexericar, falar mal dos professores e dos
colegas, para assistir a cenas de pancadaria, jogar ao “Verdade ou
consequência”, ao “Mata”, ao “Aqui vai molho”... Em algumas décadas, as
gerações parecem separadas por um abismo. Mas serão as crianças e os
adolescentes de 2024 tão diferentes dos seus pais quando eram da idade
deles?
Curiosos por saber como foi a infância e a adolescência
dos seus pais, e a propósito do poema “Recreio” de Mário de Sá-Carneiro,
os alunos das turmas G e K do 9.º ano (Escola Básica n.º 2 de S.
Bernardo) realizaram entrevistas para saber mais sobre o que eles faziam
quando eram crianças. Ficaram a saber ou confirmaram que os pais também
foram uns malandrecos, que se divertiam bastante sem telemóveis ou
tablets.
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Há muitas diferenças entre as duas épocas e, em alguns
casos, a vida era muito difícil, porque havia “muitos cortes de luz,
tínhamos de tomar banho numa bacia, mas mais tarde já existia uma casa
de banho com água do poço, mas mesmo assim ainda havia algumas falhas de
água.” “As casas são diferentes.” e “Não havia edredons e no inverno
dormíamos com pelo menos 3 cobertores. Os aquecedores só funcionavam um
bocadinho à noite e quando se estava com mais frio, havia umas botijas
de água quente que se colocavam aos pés da cama e sabia muito bem esse
quentinho”. Para alguns dos pais entrevistados, o acesso a alimentos era
mais difícil.
Apesar das dificuldades, os tempos livres eram passados a
ler (Tintin, BD da Disney, Astérix e Obélix, Turma da Mónica, Os filhos
da droga, Os cinco, Os sete…), a fazer ponto de cruz, palavras cruzadas
e casinhas para bonecas. Jogava-se futebol, andava-se de bicicleta,
via-se televisão, (“que até aos meus 10 anos era a preto e branco e só
tinha meia hora do “Tempo dos mais novos”…”), brincava-se com os amigos
na rua ou às profissões. Os mais destemidos subiam às árvores, nadavam e
pescavam no rio da aldeia, jogavam aos polícias e ladrões. E ainda havia
o elástico, a macaca, saltar ao eixo, a corda, os carrinhos, o pião, a
cabra cega… Caramba! – pensam os miúdos – Os nossos pais não paravam
quietos! Que miúdos terríveis deviam ser!
É verdade. Uma mãe foi mordida por um macaco, um pai era
perito nas quedas aparatosas, outra mãe teve o azar da sua própria mãe
ver o quarto todo desarrumado e de lhe dar como castigo uma semana a ir
para a escola com a roupa que menos gostava. Isso é que era tortura! Um
pai lembra que os seus arqui-inimigos eram os cabos dos travões da
bicicleta que, quando partiam, resultavam, pelo menos, numas boas
esfoladelas.
E que asneiras faziam os pais? Nenhumas! Os pais nunca
fizeram asneiras! Talvez apenas umas coisitas: comer gomas na aula,
esconder a régua para não levar com ela, fechar a escola...
A
escola era um mundo de aventuras, relembram alguns pais, com greves e
ameaças de bomba, apanhar com a égua e com a cana da Índia. E era na
escola que se combinavam as brincadeiras e as saídas porque não havia
telemóveis, nem Internet, apenas telefones fixos.
Os nossos nativos digitais devem questionar-se sobre como
é que os seus pais conseguiram sobreviver à infância e à adolescência
sem tecnologia. Na verdade, alguns consideram que eram mais felizes e
gostariam de revisitar essa época. Outros, garantem que o que viveram
foi muito bom e basta-lhes guardar as boas recordações que ficaram.
Prof.ª
Paula Antunes e alunos e Enc. de Educ. dos 9.º G e 9.º K |