AZUL DE MEDO

Pedro Albuquerque (antigo aluno da escola)

 

Como sabem, ou saberão agora, não sou de discursos. Digo aquilo que me apraz dizer. Aquilo que, no momento, a razão puxa. E o que me vem à cabeça é que Abril está por cumprir. Mal começado. Que arranca ao fim de cinquentas anos? Quem sabe? O que gostava era que fossem vocês, rapaziada, a declamar os princípios da Liberdade.

Para já, venho pedir-vos o seguinte: olhem. Em volta, quantos colegas opinam? Quantos de vós sorriem? Olhem e contem as mãos-dadas. Quantos na rua ou no recreio reunidos? Digam-me, amigos, que as escolas de outrora jamais de novo divididas. Que meninas à esquerda e meninos à direita, não! Que para cima de dois, recordo-vos: infundado ajuntamento. Proibida conspiração. E que um isqueiro, nesse tempo, só com devidas licenças, sabiam? O país funcionava à base do lápis-azul – esse pedaço de madeira cujo intuito passava por queimar nossas palavras, calar nossos gestos.

Hoje, por outro lado, fala-se e fala-se muito, mas a cada verão um incêndio, alguém morto, alguém sem casa. Nas cidades, o número de sem-abrigos exponencia. As aldeias estão vazias. É isto que me apraz dizer: se antes estávamos mal, agora um niquinho de nada menos.

Está nas vossas mãos, gente nova. Vejam para além do pão e da casa, da religião e do trabalho. Ensinem vossos irmãos a mudar as mentalidades. Mudem também aquilo que já era de mudar. Pensamento próprio é orgulho. Fazer arte, trabalho. Entorpecimento, cumplicidade. Abram os pulmões, soquem a mesa, abanem o estabelecido. Direitos e deveres são para todos, ouviram? Olhem e contem-me quantas senhoras ao volante de veículos pesados, quantos senhores de rosa. Liberdade é usar cores. É democratizar o gosto. É lembrar-vos de onde viemos para que saibam a distância a que estamos de lá voltar.

 

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