A
região banhada pelo Rio Vouga é uma das mais deslumbrantes e de mais
interesse turístico que se podem observar no nosso país. As margens do
rio, ora como areais incandescentes ora formadas de altos morros
alcantilados, constituem, em si, um alto motivo que justifica
sobejamente a viagem de estudo e de recreio empreendida por dois
estudantes da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Esses dois estudantes, os srs. Jorge Palma Leal e Carlos
Pacheco Pinto, aproveitando as suas últimas férias, fizeram a
descida do rio Vouga num pequeno barco de borracha, um «Kayak».
Do que foi essa curiosa viagem, que deveria constituir um exemplo a ser
seguido não só por quantos têm uma superior noção de beleza, como também
por observação e estudo, fala-nos o sr. Carlos Pacheco Pinto no
despretensioso relato que a seguir damos, gostosamente, à estampa:
O Rio Vouga, que brota da Serra da Lapa, vem desaguar na ria de Aveiro,
fazendo um percurso de quase cento e setenta quilómetros.
A sua corrente, que de inverno é bastante caudalosa, não chega a
notar-se durante o estio.
Assim, as condições de navegabilidade são bastante acanhadas até
Pessegueiro, onde o leito do rio toma maior volume de água. Depois das
Termas de S. Pedro do Sul as cascatas surgem uma após outra, sem que
talvez uma centena de metros lhes fique de intervalo.
Todo o rio corre por um vale cujo aspecto varia quase passo a passo.
Deixámos as Termas numa manhã de ténue neblina. Da água parecia
evolar-se um vapor leve que cobria todo o vale. Depois, o sol,
erguendo-se, dissipou a bruma lentamente, e o verde escuro da Natureza
surgiu a nossos olhos, enquanto o céu, dum azul límpido, era o melhor
presságio para o começo da nossa viagem. A pouca vegetação que de
princípio encontrámos parecia tornar-se escassa mais adiante, mas eis
que aparecem as encostas cobertas de frondosos pinheiros até ao cimo dos
montes que marginam o rio. Depois, quase ao meio do percurso, a paisagem
é terra árida e nua.
A região é de aspecto vulcânico, e à superfície do rio é vulgar
aparecerem as pontas de grandes massas de rocha submersas. São
traiçoeiras, estas rochas que a custo se viam, e com as quais um choque
do nosso barco de borracha nos levaria, decerto, para o fundo.
Percorridos mais uns trinta quilómetros neste aspecto monótono,
surge-nos de novo aquela mesma beleza que nos encantara à saída das
Termas.
Seis dias de viagem são passados, até que atingimos a região de
Pessegueiro, onde tudo muda quase repentinamente, e a falta de vida que
até então notáramos desapareceu como por encanto. O rio toma maior
largura e a corrente nota-se agora com certa intensidade.
Desde madrugada vêem-se grandes barcos que transportam enormes
quantidades de madeira para a cidade de Aveiro.
É curiosa a pouca profundidade que aqueles barcos precisam para navegar
com cargas que geralmente excedem as duas toneladas.
Esta região é, na realidade, a mais linda do percurso. Sempre rio
abaixo, ouve-se o cantarolar alegre dos barqueiros, que faziam suas
saudações ao cruzarmos com eles no nosso pequeno «Kayak».
E quando o sol começou a esconder-se, lá para as bandas do Atlântico, a
ria, que havia tanto tempo desejávamos alcançar, surgia-nos agora como
um mar de prata, enquanto a luz vermelha do poente se reflectia nas
águas onde o nosso barco corria veloz...
Carlos Pacheco Pinto
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