Da zona litoral fronteando a Barra da Vagueira, às terras altas em redor de Arouca e de Alvarenga; desde o areal da Beira-mar entre Esmoriz e a Granja, à frondosa mata do Buçaco, é na beleza das paisagens e dos tipos populares que reside o principal atractivo desta região encantadora.

De uma insinuante doçura que vai dos tons claros e transparentes de aguarela da faixa costeira, das luminosas praias de Espinho, Furadouro, Torreira, S. Jacinto e Costa Nova, à variada gama verde dos refregos de cenário, desfrutados do Alto do Baralha sobre o verdejante Vale de Cambra, da Ermida da Senhora da Saúde, de S. João de Valinhas, da Senhora da Mó e da Pena da Forcada, para as bandas do rio Paiva e da Serra da Gralheira, e das faldas do Caramulo, pelos férteis prados e amplos vales de colorido policromo, campos de milho e pinheirais, dunas e viveiros, vinhas e matas de eucaliptos, o distrito de Aveiro desce das terras da Beira Alta, em rampas verdejantes, através de várzeas, prados e acidentes do terreno, de branda ondulação, até ao mar.

Os motivos da sua atraente beleza estão no território e na sua população; na frescura e na cintilação das salinas e dos canais da Ria, nos campos fecundos e argilosos da Bairrada, na graça escultural das mulheres da Murtosa e de Estarreja, no trecho bucólico e na vegetação exuberante de Pessegueiro e de Macinhata do Vouga, no recorte esbelto e na ornamentação vistosa dos moliceiros, nos campos ridentes de Águeda e de Oliveira de Azeméis, nos carros pitorescos de Sobrado de Paiva, puxados por pequeninos bois, na graça ingénua e forte dos que andam na faina do mar, nas magníficas vistas de montanha, no trajecto para Oliveira de Frades, nos «esguichos», nas noras, nos espigueiros, nas culturas em socalcos e na «vinha de enforcado», nos inesquecíveis aspectos do espraiar da lagoa ao pé da Barra e das vistas altas e extensas para além de Albergaria.

Não sendo das mais ricas do País, em obras de arte, a região de Aveiro possui, todavia, interessantes núcleos de monumentos arquitectónicos e museus detentores de relíquias valiosas e de veneráveis tradições.

Da arte dos nossos pré-históricos antepassados conservam-se ainda as antas do Vale da Rua, em Castelo de Paiva, do Casal Mau, em Arouca, e de Mamaltar em Albergaria-a-Velha.

Os sombrios tempos medievais estão representados no distrito de Aveiro por um dos mais belos e característicos espécimes da nossa arquitectura militar: o Castelo da Feira, que emerge dum frondoso maciço de arvoredo, no elegante o poderoso perfil da Torre de Menagem com suas torres e coruchéus pontiagudos, como os castelos dos contos de fadas.

Anterior à fundação da Monarquia, este evocativo baluarte da nossa missão cristã existia já no primeiro quartel do século Xl, no tempo de D. Bermudo III de Leão, e foi reconstruído nos séculos XV e XVI pelo donatário Fernão Pereira e, a seguir, por seu filho Rui Vaz Pereira.

Dos antigos conventos, também reconstruídos, mas mais tarde, restam o de Grijó, o de Cocujães e o de Arouca. O primeiro, restaurado nos séculos XVI e XVII, conserva um notável documento da escultura portuguesa de meados do século XIII: o túmulo do filho natural do rei D. Sancho I, Rodrigo Sanches, falecido em 1245.

Quanto ao convento de Arouca, e apesar das afirmações desanimadoras que acerca do seu recheio artístico publicou o Dr. Filipe Simões em 1881, quando andou pelo País a recolher objectos para a grande Exposição de Arte Ornamental, esse possui um conjunto de obras raras de muito valor e beleza excepcional, tanto na igreja como no seu museu de arte sacra.

Reconstruída no século XVIII, a igreja do Convento de Arouca guarda piedosamente o corpo mumificado da Rainha D. Mafalda (falecida em 1256) numa urna de ébano, cristal e prata, feita em 1734. Ainda na igreja devem admirar-se o órgão executado em 1739 e o sumptuoso cadeiral de 1798.

O tesouro do Convento, actualmente exposto no Museu, consta de ricas alfaias e paramentos, peças de ourivesaria, mobiliário, pinturas, esculturas, etc.

Ruínas do claustro do Mosteiro de Arouca.Entre outras obras de grande valor devem mencionar-se: um díptico de altar, de prata doirada do século XII ou XIII; uma cruz relicário de prata do século XIII, contendo relíquias do Santo Lenho e da Coroa de Cristo, sobre uma base do século XVI; um tríptico-relicário de madeira, chapeado de prata, com lavores de ornatos e as imagens de Santo Humberto, S. Pedro, S. Paulo e S. Martinho, possivelmente de fins do século XV; um cofre de relíquias, imitação de tartaruga, com aplicações de prata; uma cruz de azeviche do século XVII que − diz a tradição − servia para as noviças levarem na mão quando iam «professar»; relicários, cruzes e custódias; um grande e precioso tapete persa com quase 6 metros de comprido e 2 metros e 70 cm de largura; tapetes de Arraiolos do Século XVIII; uma escultura de calcário representando S. Pedro; e tábuas portuguesas do século XVI, entre as quais um «Lavapés» e uma série da Paixão do Senhor de um continuador do Grão-Vasco de Viseu.

Ainda em Arouca, o Memorial do Burgo, levantado no século XIII, é bem digno de ver-se, e um dos raros espécimes deste género de monumentos. / 35 /

Panteão dos Lemos na igreja da Trofa.

Das evocativas e singelas relíquias arquitectónicas e escultóricas do passado, são, porém, cruzeiros e pelourinhos, símbolos da fé e do poder municipal, que mais se encontram na região distrital de Aveiro.

Entre os cruzeiros mencionarei o de Pinheiro da Bemposta, em Oliveira de Azeméis e o de Nossa Senhora da Glória, em Aveiro.

Quanto a pelourinhos estão oficialmente classificados, além daqueles cujos fragmentos se encontram em poder da Câmara Municipal (Arouca) e de um particular (Aguada de Cima), os de Paiva (Castelo de Paiva); Cabeçais e Trancoso (Arouca); Pinheiro da Bemposta (Oliveira de Azeméis); Couto de Esteves e Sever do Vouga, este último transformado em chafariz (Sever do Vouga); Angeja e Frossos (Albergaria-a-Velha); Esgueira (Aveiro) e Trofa (Águeda).

Das igrejas e capelas renascentistas, barrocas e rococos, merecem referência especial, as de Trofa, o monumental panteão dos Lemos; do Espírito Santo, na Vila da Feira; de S. Domingos, da Misericórdia, e das Carmelitas, e octogonal do Senhor Jesus das Barrocas, em Aveiro; e, finalmente, a da Vista Alegre, que encerra o túmulo de D. Manuel Moura Manuel, bispo de Miranda em Ílhavo.

A Fábrica de Porcelana da Vista Alegre possui ainda um museu cerâmico e uma colecção de elevado interesse artístico, única em Portugal.

O mais evocativo núcleo de arte antiga da região de Aveiro é, porém, o Convento de Jesus na capital do Distrito, onde professou a princesa Santa Joana, e o museu anexo, que é um dos mais opulentos entre os regionais do País.

A igreja, edificada no terceiro quartel do século XV está guarnecida opulentamente com talha doirada dos séculos XVII e XVIII.

O claustro quatrocentista, com suas capelas manuelinas; a sala do capítulo, com portal gótico; o rico e aparatoso túmulo da piedosa Infanta no seu habilíssimo lavor de embutidos de mármore do fim do século XVII, obra famosa de João Antunes; são os principais atractivos artísticos do antigo convento.

No museu destacam-se as valiosas colecções de paramentos, ourivesaria, pinturas, azulejos e esculturas de barro.

Urna em ébano e prata, onde repousa o corpo mumificado de Santa Mafalda, no mosteiro de Arouca.Entre os painéis, merecem referência muito especial: o célebre retrato coevo de Santa Joana; a tábua central de um tríptico do mestre quatrocentista do retábulo de Santa Clara do Museu Machado de Castro, de Coimbra; um pequeno tríptico atribuído ao Mestre de Miragaia e uma delicada pintura representando S. João Evangelista, estes dois últimos painéis do primeiro quartel do século XVI e de estilo flamengo-português.

Luís Reis Santos Crítico de Arte

 

 

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