Como
publicista, deixou vasta obra, onde avultam os dez volumes de
«Memórias», valiosos subsídios para a história da política
/
28 / portuguesa dos últimos cinquenta anos; e, sozinho,
criou e escreveu um jornal − “O Povo de Aveiro” − que teve a maior aura
na imprensa portuguesa. Ao contrário do que muitos supõem, não foi,
apenas, um demolidor: ao lado dos seus artigos violentos e mordazes, não
faltaram campanhas construtivas, de que são exemplo os milhares de
artigos que escreveu a favor da instrução popular e defendendo os
melhoramentos de Aveiro.
A
excessiva violência − por vezes injusta − dos seus comentários, e a sua
sistemática intransigência, criando-lhe inimigos, impediram-no de
prestar maiores serviços ao país, onde poderia ter exercido altas
funções; mas esses mesmos traços violentos emprestam grandeza ao seu
perfil.
Tive a
honra de ser seu amigo, e nalguns livros seus me dedicou palavras
generosas e penhorantes. Não o admirei pelos seus defeitos, mas porque,
desde muito novo, reparei nas suas qualidades, e reagi contra a
incompreensão dos que muito concorreram para lhe amargurar a vida.
Uma
figura de tão rica e complexa personalidade não pode ser tratada em meia
dúzia de linhas. Merece e justifica monumental biografia que eu gostaria
de poder escrever.
No
jornalismo, nas letras, nas artes, muitos outros valores de Aveiro devo
mencionar. Como o poderei fazer dentro de limitado espaço?
Na
poesia, brilharam os seguintes nomes: José Maria Ançã, que foi
vice-reitor do seminário de Beja; seu irmão Manuel Ançã, também
grande orador; Alexandre da Conceição, poeta e prosador − todos naturais
de Ílhavo. Em Águeda nasceram os poetas Homem de Melo, Dr.
Adolfo Portela, José Maria Veloso e o inspiradíssimo
Fernando Caldeira, que escreveu as deliciosas peças de teatro:
«Mantilha de renda» e «Madrugada». Não faltou um poeta popular,
Manuel Alves, «O poeta cavador», natural da Anadia, que foi muito
acarinhado pela crítica. Mas entre todos se distingue o desventurado
Manuel Laranjeira, médico, nascido em Vila da Feira, e que se
suicidou em Espinho, deixando o prólogo dramático «Amanhã», «A doença da
Santidade» (ensaio psico-patológico); um volume de versos «Comigo», «A
Cartilha Maternal» e a «Fisiologia», (ensaio médico-biológico), tendo
aparecido agora um livro póstumo «Cartas», com prefácio de Miguel
Unamuno, que muito o admirava.
Como
escritores, temos o falecido romancista João Grave, natural de
Vagos, Sá de Albergaria, de Arouca; Gastão de Melo Matos,
arqueólogo, natural de Aveiro; o padre Serafim Leite,
historiador, de S. João da Madeira; o Dr. Alberto Souto, crítico
de arte, conservador do Museu de Aveiro; Dr. Vaz Ferreira,
publicista, de Vila da Feira; o padre Miguel de Oliveira,
brilhante jornalista e historiador; e diversos outros distintos
publicistas, alguns dos quais honram o presente número da Revista
“Turismo” com os seus escritos, pedindo aos que não cito que me relevem
a involuntária omissão.
Em outros
ramos de actividade espiritual, intelectual e artística, conta Aveiro
altos valores que não posso esquecer: o Senhor Arcebispo-Bispo de
Aveiro, D. João de Lima Vidal, e o Senhor Bispo de Helenópolis,
D. Manuel Trindade Salgueiro, de Ílhavo, que além de eminentes
figuras da Igreja também são eruditos escritores. O Dr. Amândio Pinto,
de Estarreja, médico-cirurgião de grande prestígio; o Dr. Castro
Soares, médico cultíssimo, actual governador civil de Coimbra; e o
Dr. Nunes da Silva, antigo presidente da Comissão de Direito
Marítimo Internacional.
Nas artes
plásticas, o grande pintor Fausto Sampaio, natural de Anadia, com
obras consagradas pela crítica, e a quem o país deve o melhor
documentário pictoral das Colónias; o Dr. João Carlos, desenhador
delicadíssimo, autor de belos quadros e preciosas ilustrações, natural
de Ílhavo; e o Dr. Arlindo Vicente, espírito brilhante, que neste
Número da Revista “Turismo” publica um dos seus belos desenhos.
Deixámos
para o fim três figuras que se destacam na vida portuguesa: o Dr. Egas
Moniz, o romancista Ferreira de Castro e o Dr. Manuel Rodrigues Lapa.
O Dr.
Egas Moniz, natural de Estarreja, é uma das grandes figuras da
ciência médica contemporânea. Várias vezes presidente da Academia das
Ciências e individualidade de reputação internacional. A sua obra de
cientista, médico e professor, e o seu alto valor mental, dispensam
comentários.
Ferreira de Castro,
natural de Oliveira de Azeméis, é um dos maiores romancistas
portugueses, autor de notáveis livros traduzidos em diversas línguas, e
agora mesmo revelando uma das suas brilhantíssimas facetas de escritor
eminente com a sua obra «Volta ao Mundo», que alcançou a maior tiragem
de livros portugueses. É um escritor que honra a literatura nacional e
desfruta merecido e singular prestígio,
O Dr.
Rodrigues Lapa, natural da Anadia, antigo professor catedrático da
Faculdade de Letras, é dos mais lúcidos e sabedores publicistas
contemporâneos, dedicando-se a estudos literários de crítica e
interpretação de clássicos, possuindo indiscutível autoridade em ciência
literária.
Enumerámos muitos nomes nesta longa notícia, para chegarmos à seguinte
conclusão: uma região que no seu panorama intelectual apresenta valores
como: o romancista Ferreira de Castro, o eminente professor Dr. Egas
Moniz, o professor e ensaísta Dr. Rodrigues Lapa, o vigoroso jornalista
Homem Cristo, o eloquentíssimo José Estêvão, o sábio jurista Visconde de
Seabra, tem motivos para orgulhar-se. Tal floração espiritual está de
harmonia com a imponência maravilhosa de galas com que a Natureza a
dotou.
Julião
Quintinha
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