Albergaria-a-Velha,
pequena vila de 2775 habitantes, sede de concelho de 3.ª classe, do
distrito de Aveiro (a 18 km ENE. desta cidade), situada a dois km da
margem direita do rio Caima, no cruzamento da estrada de Lisboa-Porto
com a de Aveiro-Vale de Lafões.
A sua fundação parece ter sido originada precisamente
pela circunstância de ser o ponto de passagem obrigatória para muitos
viandantes. A rainha D.ª Teresa mandou construir neste lugar, em 1120,
uma «albergaria» para nela ser agasalhado quem andasse em jornada. Devia
ter quatro camas, diversos enxergões, lume, sal e azêmolas para
transportar os enfermos.
Em 30 de Janeiro de 1919, a vila, onde a coluna realista
que se dirigia para Águeda havia proclamado a monarquia, foi reocupada
pelas forças republicanas.
– Restaurantes: Ferrugento, Vouga, Faca; Pensões: de
Alberico H. Ribeiro, Bernardino Maria da Costa e Maria Geraldo; Casas de
pasto: Diversas e modestas; Casas de recreio: Clube de Albergaria,
Teatro Albergariense; Filarmónica. Banda da Fábrica Alba; Cafés: de José
Inácio da Silva e Maria Armandina Geraldo; Automóveis de aluguer e
garagens: António Domingos Pereira e José Domingos Pereira; Iluminação
Eléctrica; Descanso semanal: Segunda-Feira; Feriado municipal: 24 de
Junho; Feira: 19 de cada mês; Mercado: Domingo; Romarias: Santa Cruz (3
de Maio) e Sr.ª do Socorro (3.º domingo de Agosto, 1 km Nordeste)
Assistência: Hospital da Misericórdia; Posto Telef.; Indústrias:
Fundição, papel, serrações de madeira, cerâmica de construção; Estação
no caminho de ferro de Espinho-Sernada; Carreiras de camioneta diversas.
A vila, muito modesta, carece de valores de arquitectura
dignos de menção. Há um ou outro trecho arcaico, nas suas apertadas
ruas. Igreja matriz comum, de uma nave, com alguma talha. Ao fundo de um
pequeno largo ajardinado, contíguo aos campos de cultivo, estão os Paços
do Concelho. No centro do
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casario sobressai o torreão da Quinta da Boavista, municipalizada, que é
um bom miradouro donde se abarcam as agradáveis cercanias. A vida local
recebeu sensível incremento com o estabelecimento das importantes
oficinas da fundição Alba, a 1 km ao Sul da vila, produtora, em
escala ampla, de gradeamentos, fogões, marmitas, tubagens de grande
calibre para condutas de água de estações hidroeléctricas, etc. Merece
ver-se a sua laboração.
O melhor passeio que poderá realizar-se de
Albergaria-a-Velha é certamente aquele que Raul Proença
descreveu, nestes breves traços, num dos seus opúsculos descritivos das
«Estradas de Portugal»:
«Aconselhamos aqui o turista a abandonar a estrada
nacional (mas antes informe-se do estado do caminho que vai percorrer)
para descer a Vale Maior, subir depois à Ribeira das Fráguas e vir
retomar a estrada nacional um pouco mais além de Albergaria-a-Nova. O
trajecto é encantador. Toma-se a princípio a estrada de Viseu que se não
tarda a abandonar, descendo à esquerda para Vale Maior, onde a
Companhia do Prado possui uma das suas mais importantes fábricas de
papel, e depois para o Caima, que se atravessa por uma ponte. Lindo vale
coberto de milharais. Subimos agora entre colinas xistosas, violáceas,
vestidas de mato rasteiro ou de pinhais. Um pontão de Vilarinho, e logo
nos surge Rendo. Atingido o alto da ladeira, vista deliciosa
sobre o vale do Caima e a serra da Gralheira. A estrada contorna num
monte xistoso, enquanto à esquerda manchas de argila vermelha alternam
com xistos violáceos. Na descida, a meia encosta, avista-se Bustrengo.
Outro pontão, e estamos na Ribeira. O caminho é agora mais ou menos
plano. Pouco mais adiante é a Ribeira das Fráguas, com a sua
igreja à beira da estrada e os seus casinhotos e espigueiros a subir a
encosta dum e outro lado do vale. Deixamos à direita uma estrada para a
Silva Escura, e de novo trepamos, levando agora à direita o lindo
vale de Ribeira das Fráguas. Chegados à portela que marca o ponto
culminante da estrada (à direita fica-nos a que leva às minas de
Telhadela), abandonamos o vale, descendo para a oficina hidroeléctrica
do Palhal e as suas minas inexploradas, num sítio pitoresco, mas
sombrio, agreste. Transposto mais uma vez o Caima, nova subida pelo
trecho entre pinheirais; no apertadíssimo vale à esquerda, magníficos
carvalhos. Mais uns momentos e passamos o mais interessante da estrada,
o alto de Fradelos, onde se faz o cruzamento das estradas de
Branca, Albergaria-a-Nova e Albergaria-a-Velha: panorama amplíssimo,
muito belo, para Vale Maior e as serras do Caramulo e do Buçaco.»
1.) – A S. João de Loure, Frossos e Angeja. É uma
volta de 25 km que permite rever alguns aspectos da Ribeira
vouguense. Paisagem muito diferente da do passeio anterior. Seguindo
pela freguesia rústica de Alquerubim (ramal da E.N. n.º 28-2.ª),
descem-se os pendores do Vale do Vouga nas alturas das pontes de S.
João de Loure (pág. 568). Defronte são os arvoredos de Segadães,
Almear, Requeixo e Eirol. Vem então o aprazível trajecto marginal do
Vouga (E.N. n.º 28-2.ª) até Angeja.
[O Insucesso da rebelião realista de 1919 (pág. 591)
acentuou-se nestes sítios, em Frossos, numa acção travada em 20 de
Janeiro, entre forças comandadas pelos majores Quaresma (republicano) e
Taborda, da Junta. Este último morreu no decurso do combate.]
De Angeja (pág. 544) regressa-se a Albergaria pela E.N.
n.º 8-1ª.
Subindo a encosta pela airosa vila, em breve se perde de
vista
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a paisagem calmante da Ria. Já não são os arrozais, os biombos de
folhagem, os nateiros, as águas plácidas que veremos, mas sim, de novo,
sucessão de campos de lavradio, alguns vinhedos e nortadas. Ao longe, a
Nordeste, distingue-se o vulto da Gralheira. Atravessa-se a povoação
branca e bastante longa de Sobreiro. Os campos voltam a alternar
com os pinheirais. Paisagem simples, sem ser monótona. Se a viagem se
realiza na Primavera, as flores dos campos esboçam a cada momento o
sinal de mandar parar. Logo após a Casa da Fonte, com portal brasonado,
decadente, transpõe-se um arroio e reentra-se na vila.
2.) – À Ponte de Pessegueiro (15 km Este, pela E.N.
n.º 8-1ª).
Viaduto elegante, sobre o Vouga, do caminho de ferro de
Espinho a Viseu. Bela paisagem, à entrada do empolgante Vale de Lafões
(ver pág. 618).
3.) – A Sever do Vouga (20 Km. Nordeste). Pequena
vila serrana, nos pendores do Arestal (pág. 618).
4.) – Senhora do Socorro. Subindo ao Pico do
Monte, domina-se um amplo panorama, para os lados do poente, que
compreende alguns vislumbres da ria. O poeta António Correia de Oliveira
dedicou algumas poesias a este sítio airoso.
Para o Norte de Albergaria-a-Velha a estrada do Porto é
planáltica e frequentemente balizada por enormes eucaliptos. (Passagem
de nível sobre caminho de ferro de Espinho a Viseu). De um lado e outro,
extensos pinheirais. É raro ver-se os outeiros arborizados que escondem
as águas do Caima ou as linhas de alturas da sua margem esquerda, por
detrás das quais fica o concelho, de feições já bem serranas, de Sever
do Vouga.
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Rectas demoradas. Avista-se, à direita, o transportador aéreo da grande
fábrica inglesa de pasta de papel do Carvalhal. Ao cabo de uma légua,
passa-se por Albergaria-a-Nova.
A ria de Aveiro dista 7 km. Oeste, pela estrada municipal
de Salreu (pág. 544). Seguindo-a, poder-se-ia dar uma saltada (a 3 km)
ao outeiro chamado Cristelo, no qual há sinais de uma remota
povoação castrense: «um promontório amplo, de encostas abruptas, alto de
umas dezenas de metros, cercado por duas ravinas profundas onde correm
duas ribeiras afluentes do Antuã, todo envolvido num frondoso carvalhal,
belamente disposto para revigorar a sugestão do arcaísmo e significado
do expressivo topónimo. No ponto avançado do cabeço seria o castelo,
segundo uma versão de alguns antigos. A muralha coroaria o cabeço numa
extensão de perto de 800 metros, uma largura de 100 a 200 metros, num
perímetro de perto de 2 quilómetros.» (cfr. Alberto Souto,
Romanização no Baixo Vouga, 1942, págs. 42-43).
A 3 km Norte-Nordeste de Albergaria-a-Nova, na freguesia
de
Branca
(interessante igreja matriz, de uma nave, com a particularidade de ter a
torre por detrás da capela-mor, construída entre 1693 e 1694),
encontra-se também no alto do Monte de S. Julião (ou S. Gião),
num pequeno plaino, o resto de outra fortificação castrense, com
alicerces de muros, notando-se do lado do nascente uma saída ladeada de
cortinas desmanteladas, de pedra.
Branca
e os pinheirais que a rodeiam presenciaram o primeiro episódio da
retirada da segunda invasão napoleónica de Portugal: as forças avançadas
de Soult, do comando do general Franceschi, estavam aqui acampadas
quando foram atacadas, em 10 de Maio de 1809, pelas vanguardas das
brigadas de Wellesley.
O plano traçado pelo general inglês previa derrota
completa destas tropas do duque da Dalmácia por um ataque de surpresa
nocturno e um simultâneo movimento de flanco confiado ao general Hill,
que de Aveiro, em barcos de pescadores, deveria atravessar e atravessou
de facto a ria na noite de 9 para 10, para desembarcar com 1500 homens
em Ovar. O plano falhou porque a cavalaria inglesa andou desorientada,
às escuras, nas ravinas de Serém e, assim, Franceschi, com o apoio dos
regimentos de Mermet e de uma força estacionada na Vila da Feira, pôde
realizar sem precipitação a retirada para Oliveira de Azeméis e daí para
Grijó. Um oficial inglês, testemunha ocular do encontro, escreveu no seu
jornal esta impressão: «Devo registar o belo efeito da nossa operação.
Ela principiou ao nascer do sol em uma das mais bonitas manhãs de
Primavera que é possível conceber, num extenso trecho de tojal, com uma
mata de pinheiros na retaguarda do inimigo. Tão pouco mortífera era a
fuzilaria e tão metódica a manobra, que tudo parecia muito mais um
simulacro de combate em Wimbledon Common do que uma acção de
guerra em país estranho.»
(cfr. Hawker, Journal cit. por Oman, A History of the
Peninsular War, vol.
II, pág. 326). As importantes minas de Palhal, de
cobre e galena de chumbo, (explorada pelos capitais da Lusitanian
Mining Company) encontram-se à esquerda, sobre o Caima. Poços
relativamente profundos e extensas galerias; os filões atingem por vezes
1 metro de espessura.
Depois de Albergaria-a-Nova sobe-se insensivelmente, ao
longo da divisória das águas do Caima e do Antuã,
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– passando pelas povoações de Curval, Pinheiro de Bemposta, Prado,
Vendas, Areosa – até se atingir a encantadora varanda de Bemposta,
onde a paisagem se faz imprevisivelmente desafogada e bela.
Bemposta
foi vila, cabeça de concelho até 24 de Setembro de 1855. O rei Venturoso
deu-lhe foral em 1514, subscrito por Fernão de Pina, filho do cronista
Rui de Pina. Do seu passado municipal, restaram como sinais
interessantes, o antigo edifício dos paços do concelho e um bem lavrado
pelourinho (monumento nacional). A igreja matriz data de 1701.
Um dos filhos mais ilustres da terra, o médico Abel da
Silva Ribeiro, descreveu nestes dizeres a beleza da sua * paisagem:
«É preciso vir a Bemposta para que, com o testemunho dos
nossos próprios olhos, nos convençamos ser justificado e verdadeiro o
seu nome. Grandioso e esplêndido o panorama que daqui se desfruta
olhando para poente. Espessas matas de pinheiros cobrem o espaço que
daqui vai até ao mar e dão um tom escuro a todo o litoral; mas esta
monotonia é inteiramente atenuada pela cor local dos casais e casas
brancas, que donde a onde brilham como lâminas em campo relvoso,
semelhando a pele mosqueada de tigre colossal. Continuando a descer a
vertente, encontra-se o Antuã, que corre plácido e sossegado, sem ruído,
sem fragor, por um vale profundo, desde Romariz até aos campos de
Estarreja, onde entrega o tributo das suas águas à nossa ubérrima ria.
Foi na sua margem esquerda e em terreno pertencente a esta freguesia
que, em tempos remotos, existiu o célebre e antigo Mosteiro de Santa
Marinha da margem do Antuã, doado pelo conde Lucídio Vimaranes ao
mosteiro de Castromire.»
Defronte de Bemposta, do outro lado do vale cujas
vertentes a estrada desce e sobe em agudos cotovelos, bastante mais
rápidos que os do caminho-de-ferro, atravessando as povoações de
Carriços, Travanca e Silvares e transpondo o Antuã na ponte do Pego
(60 metros) – encontra-se, a 40 km Sul, do Porto,
Oliveira de Azeméis.
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