2. A
Ílhavo,
Vista Alegre, Vagos e Mira (respectivamente a 5
km., 7 km., 10 km. e 26 km. ao Sul de Aveiro, pela E. N. n.º 50-2.ª).
A 1,7 km, Arada, povoação branca e alongada, como
tantas da região da ria, rodeada de extensos prados e campos de cultivo;
lacticínios e fabrico de louças de barro. – 2,5 km. Verdemilho,
onde viveu durante os seus últimos anos o avô de Eça de Queirós, Joaquim
José de Queirós e Almeida (pág. 476), revolucionário vintista e ministro
do reino com Saldanha, em companhia de quem o romancista passou a
infância.
Junto da povoação, a Quinta de N.ª S.ª das Dores,
propriedade do dr. António Lebre, dentro da qual se faz, anualmente, no
1.º domingo de Setembro, uma concorrida romaria. Além do portão da
quinta (que facilmente se abre ao visitante ocasional) e da capela anexa
à residência, há, de interessante, no santuário, alguns grupos de
escultura de barro, policromados, em tamanho natural, representando
cenas do drama do Calvário, objectos de admiração e observação ingénua
dos romeiros. As figuras, embora não atinjam o plano de obra de arte,
são modeladas em atitudes vivas; análogas às do Apostolado de
Udarte, outrora existentes no refeitório do mosteiro de Santa Cruz, de
Coimbra. (pág. 251)
À direita, a paisagem luminosa da ria. Notam-se os restos
de alguns braços extintos lançados na direcção
/ 531 /
da estrada. As breves descidas e subidas indicam-no-los. A todo o
momento se cruzam transeuntes de bicicleta: operários, estudantes,
trabalhadores do campo, pescadores, mulheres, velhos e raparigas.
A 5,3 km entra-se em
Ílhavo
(1)
Vila
de 6031 habitantes, é sede de concelho do distrito de Aveiro e fica
situada a algumas centenas de passos da ria.
– Pensões. Francisco Veiga e Joaquim Santiago; Automóveis
de aluguer. Vizinho, Irmão e Filhos, Horácio de Almeida, Augusto
Vinagre; Restaurante. Santiago; Cafés. Central, Chave Verde, Recreio;
Casas de distracções. Salão-Cinema, Teatro Municipal; Água. De poços e
inferior qualidade; Luz Eléctrica; Feriado Municipal. 1.º de Maio;
Indústria. Empresas de pesca de bacalhau, extracção de sal.
Há a tradição lendária de ter sido fundado por uma
colónia grega. O certo é ser povoação muito antiga, anterior à formação
da nacionalidade. Acharam-se documentos do tempo de D. Sesnando e
Fernando Magno que se lhe referem. (Cfr. Illiabum, de António
Gomes da Rocha Madahil, 1922). Eram de Ílhavo os altieiros, quer
dizer, os únicos pescadores que entre toda a população que se acumula à
beira da laguna, faziam a pesca do alto mar. A maior parte dos
comandantes da marinha mercante portuguesa são também ílhavos, como
ílhavos eram ainda os tripulantes das enviadas, expedições que
partiam de Ovar e de Pardelhas em demanda de diversas partes do litoral,
especialmente Lisboa, com embarcações sumariamente aparelhadas,
construídas naqueles estaleiros. Nasceram aí, entre outras
personalidades, o erudito Alexandre da Conceição (falecido em 1889), D.
José António Bilhano, arcebispo de Évora e amigo íntimo de José Estêvão,
o publicista Manuel da Maia Alcoforado, o lobo do mar arrais Gabriel
Ançã, D. Manuel Trindade Salgueiro, bispo de Helenópole, o poeta Vaz
Craveiro, e o artista João Carlos.
Almeida Garrett, traçou nas Viagens na Minha Terra
um bem humorado retrato dum marítimo ílhavo.
É o principal centro de irradiação da marinhagem
portuguesa, dedicada à pesca e navegação mercante. O ilhavense
encontra-se, não somente em companhas de pesca costeira, caíques de
cabotagem, bateiras de mexoalho, mas também em cargueiros e
transatlânticos de pavilhões estrangeiros. A sua vocação ingénita é a
vida do mar, espalhando-se por todo o litoral do nosso País. Daí têm
saído, no decurso dos séculos, colónias de pescadores para a Afurada,
Matosinhos, Quiaios, Buarcos, Lavos, Nazaré, Sesimbra. É de Ílhavo uma
boa parte da frota bacalhoeira portuguesa que anualmente vai pescar à
Terra Nova e à Gronelândia.
O maior interesse pictural da vila, animada pelo afluxo
frequente de homens do mar, no termo das suas viagens, reside na
atmosfera da ria que a envolve
/ 532 /
– paisagem de aguarela, com as suas marinhas de sal, vastos areais e
inconfundível cobalto do céu. As mulheres ilhavenses distinguem-se das
demais da região da ria pela elegância e formosura. «Passam por as mais
lindas, pelo sorriso que encanta, pelo olhar, e pela magia que exalam»
(Raul Brandão).
Os homens, atavicamente dados à vida marítima, revelam
espontâneo gosto da fabricação de embarcações e apetrechos náuticos,
gosto do teatro e da música, da pintura. Como demonstração sugestiva de
algumas destas propensões do natural de Ílhavo, deve visitar-se o
interessante
Museu Municipal
(2)
(Aberto todos os dias, desde as 10 às 12 horas e das 13
às 17 horas. Entrada por bilhete, 1$00. Instalação provisória. Não há
catálogo. Os objectos são identificados por etiquetas. Inaugurado em 8
de Agosto de 1937. Organizador e director: dr. A. G. da Rocha Madahil.
Conservador, Teodoro Craveiro).
Tem duas secções: uma notável * de etnografia
piscatória e náutica; outra de cristais e porcelanas da
Vista Alegre. Na primeira há as * notáveis miniaturas,
em escalas, de todas as embarcações da ria; uma série,
muito desenvolvida, de barcos de mar, com um exemplar precioso de * galera de guerra do séc. XVIII, feito de marfim; uma
série de barcos de pesca da costa portuguesa, desde a jangada da Apúlia
à traineira e ao vapor de arrasto; série de instrumentos náuticos, desde
a primitiva balestilha ao moderno sextante; diversos tipos de redes, com
exemplificação duma xávega de sardinha, dum cerco de
tainha, duma chincha da ria, aprestos variadíssimos; a
miniatura de uma salina; a colecção completa dos utensílios
desta indústria, em tamanho natural; maquetes de construção naval
nos estaleiros da Gafanha; a miniatura duma seca de bacalhau;
trabalhos de marinheiros (colecção de nós e voltas, da
maior curiosidade); a sala do moliceiro, com a reprodução
pitoresca de alguns graciosos painéis de proa; peças de vestuário
popular, de várias épocas; chapeletes (das mulheres de Ovar,
Ílhavo, Gafanha e Murtosa; gravuras e pinturas de assunto
marítimo (de Alberto Sousa, João Carlos, Fausto Gonçalves, António
Vitorino, Manuel Tavares, Fausto Sampaio, Carlos Fragoso); uma colecção
de algas do litoral português (as da ria, com a nomenclatura
científica); colecções de conchas e búzios; etc. – formando tudo um
conjunto
/ 533 /
singularmente interessante e cheio de cor. No vestíbulo do museu a
maquete original do monumento «O Homem do Leme», do escultor Américo
Gomes, erigido em bronze na Foz do Douro.
Na secção de cristais e porcelanas da Vista
Alegre, há peças da fase mais progressiva e artística desta indústria,
vizinha de Ílhavo, com pinturas dos melhores mestres decoradores,
Chartier-Rousseau e Fortier, e séries de objectos indicadores da
evolução do gosto artístico da manufactura. Há ainda alguns bons
exemplares de cristais lapidados, da mesma fábrica (hoje exclusivamente
ocupada na produção de porcelana) (v. adiante) e anexo a essa
secção, um curioso mostruário de louça popular ilhavense. Ex-votos
das igrejas locais (como, por exemplo, aguarelas e óleos, evocando
tragédias marítimas ingenuamente representadas) também não faltam a
traduzir a vida religiosa do pescador e do marinheiro, em justificação
do aforismo que diz «se queres aprender a rezar, entra no mar».
RIA DE AVEIRO – COSTUMES
A igreja matriz (de três naves e cinco tramos de volta
inteira, com duas fiadas de robustas colunas toscanas) concluída em
1785, foi desapossada durante o domínio napoleónico de Junot das suas
valiosas alfaias de ourivesaria. Salvou-se apenas uma bem lavrada
custódia de prata dourada. Há duas imagens, em escultura, um Senhor
dos Navegantes e um Santo Ivo, esta de barro policromado do
ceramista local Anselmo Ferreira, apreciáveis, assim como duas tábuas
em relevo, (análogas às da Santa Clara-a-Nova de Coimbra, (pág.323) do
século XVIII, representando, uma o Pentecostes, e outra a fIgura
e Cristo, com policromia ténue, provenientes do antigo convento
de Sá, de Aveiro.
Ílhavo está, por estrada, em ligação directa com a
Gafanha pela ponte de João Galancho, (construída em 1862).
/ 534 /
Por este lado se pode ir à Barra e à Costa Nova, sem se passar por
Aveiro.
________________________________________
(1)
– Há nesta notícia algumas anotações devidas ao comandante Rocha e Cunha
e ao sr. dr. Rocha Madahil.
(2)
– Por A. G. da ROCHA MADAHIL.
|