Curiosidades
São quatro os principais braços da ria:
Ao Norte, o braço da Torreira-Ovar, de todos o mais
importante e profundo, com 25 km. de comprimento, paralelo à costa,
bastante largo (2 km.) em frente da Torreira. Neste ponto inflecte para
Nordeste, em direcção aos campos de Ovar, desprendendo para Norte um
extenso canal – o braço ou ria do Carregal – e a Nordeste, vários
esteiros, como os de Entre-Águas, Mourão, Ribeira das Bulhas, Ribeira da
Aldeia, Amieiro, Bunheiro, etc.
Ao centro, a ria da Murtosa que em frente do bico
de Moranzel se ramifica na direcção do nascente, servindo com os seus
numerosos esteiros as terras populosas de Pardelhas, Murtosa, Veiros,
Estarreja, Salreu, Canelas e Fermelã. (Entre os esteiros de Salreu e
Estarreja desagua o rio Antuã e próximo da cale do Chegado
entram as águas vagarosas de um dos braços do Vouga, o Rio Velho).
Ao Sul, o canal ou ria
(1) de Ílhavo,
de 7 km. de comprimento por 200 metros de largura máxima, que partindo
de Sudoeste de Aveiro, banha os campos de Ílhavo, a Vista Alegre, as
cercanias de Vagos, Sosa e vai até à embocadura do Boco.
A Sudoeste, o canal ou ria de Mira, que se
prolonga desde as alturas da Barra ao Poço da Cruz, num comprimento de
14 km. e largura /
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máxima de 300 metros e banha o cordão litoral da Costa e do lado
interior a península da Gafanha. Dantes, este braço ia bastante
mais ao Sul, estendendo-se por 6 km. até à lagoa chamada Barrinha de
Mira (pág. 127). A barra da ria era então na Vagueira. Mas depois da obstrução desta, no século XVI (pág. 474), o braço
estreitou, diminuindo ao mesmo tempo de extensão e profundidade e
ficando prejudicado nas condições de navegabilidade. Hoje passa-se, por
vezes, a vau, ao Sul das Portas de Água. Em alguns pontos entre Vagueiro
e Areão, não excede 6 metros de largura e 30 centímetros de
profundidade. [Aditamento: As condições de navegabilidade neste segmento
estreito e difícil da ria tem melhorado sensivelmente em consequência
das obras da barra de 1932-36. O refluxo das águas, na vazante, age como
uma espécie de dragagem natural e lenta que parece opor-se com relativa
vantagem à ameaça do completo assoreamento.]
No centro da ria há um pequeno arquipélago
constituído pelas ilhas de Monte Farinha, da Gaivota, dos
Ovos, do Amoroso, da Testada (a maior de todas), de
Perrechil, da Tranqueira, do Poço, de Sama,
e outras menores que não excedem 1 metro de altura (excepto duas que
atingem 3 metros), e geralmente cobertas e descobertas pelo fluxo e
refluxo das marés. São pastagens, pantanosos juncais ou matinhas,
separadas por cales ou esteiros. Os canais mais importantes que estas
ilhas marginam são os de S. Jacinto e Espinheiro que ligam
a Barra aos braços do norte e o canal da Cidade (15 km.). O Vouga
desaguou até ao século XVIII pelo braço chamado Rio Velho,
entre Cacia e o Bico da Murtosa. Para se rejuvenescer a sua
corrente e dar-lhe mais fácil visão, abriu-se durante a regência
de D. João VI, entre Sarrazola e Vilarinho, em direcção à Barra
Nova, um canal rectilíneo (o rio Novo do Príncipe), por onde hoje
principalmente desagua.
Uma rede inextricável de canais secundários, cales, valas
e esteiros completa as «mil vias» da ria, fazendo dela um verdadeiro
labirinto de entradas e atalhos aquáticos – e um pequeno mundo de
incontáveis digressões.
Na ria cresce e pulula uma vegetação marinha
variadíssima, a que se aplica genericamente o nome de moliço
(correspondente ao «argaço» do litoral minhoto). É o principal adubo
agrícola dos campos marginais. Essa flora vive no fundo da ria e nas
praias que só na baixa-mar ficam a descoberto.
As espécies que o constituem são, entre outras, a folhada
ou alface-do-mar (UIva lactuca), os limos (Enteromomorpha),
o sirgo (Rupia spiratis) e o moliço propriamente dito (Rupia
maritima).
A apanha do moliço faz-se em grande parte de bordo de
barcos moliceiros, de proa recurva, comportando uma carga de 3 a
4 toneladas e tripulados ordinariamente por dois homens. Usam-se para o
efeito ancinhos de ferro, enormes, de 64 dentes, que se fazem arrastar
pelo fundo da bacia.
Além da vegetação aquática faz-se ainda a colheita de
outras espécies, dos areais, sapais, e margens dos esteiros, como seja o
junco, a junça, a bajunça, o caniço e o estormo, também chamado em
Aveiro feno-das-areias. Todas são empregadas como estrume (talvez
corruptela de estrame, leito de ramos). Outra planta utilizada é
uma ciperácea, o bunho, de que se fabricam esteiras. A salinidade das
suas águas é muito variável. Existe uma zona salgada, outra salobra e
outra de águas doces. Na primeira destas zonas, a salinidade das natas
atinge a graduação de 3º Beaumé.
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Na zona salgada da ria (muito beneficiada pelas obras
da barra de 1932-36) (2)
pesca-se com abundância o robalo grande, a choupa, a dourada, os ruivos,
o larote, o congro; em menor escala, o cação, as raias, a faneca; e mais
raramente, a sardinha e o chicharro. Na zona salobra predominam a
enguia, a solha, quatro espécies de mugens (a tainha, o ilhalvo, o
garranto e o negrão), o robalo, duas espécies de linguados, o rodovalho
e o peixe-agulha. Nas águas doces, abundam a enguia, que se dá em todos
os cursos de água da região, as bogas, os barbos, os pimpões e os
ruivacos. Na embocadura do Vouga encontra-se por vezes a lampreia e o
sável. Entre os crustáceos, colhe-se o caranguejo escuro, que se utiliza
como adubo, o camarão branco e o vermelho. A pesca de berbigão é intensa
de Abril a Setembro. Os pescadores agrupam-se por pequenas companhas,
tripulando ligeiras embarcações de fundo chato, a remo ou à vela,
chamadas bateiras. Em 1937 ocupavam-se na pesca da ria 1255
pescadores, distinguindo-se, pela perícia e pelo número, os da Murtosa.
As «artes» empregadas são numerosas: galricho, solheira,
(para os chatos), branqueira (para a tainha e robalo),
caçoeira, chinchorro, berbigoeira, etc. Uma das
«artes» mais curiosas é a do salto, usada na pesca da tainha, que
teria sido inventada por um ardiloso pescador de Esgueira e logo
adoptada pelos da Murtosa. Consta duma cortina de rede ou cerco
que descreve uma espécie de espiral (curral), fixada por estacas
ao fundo da ria e se prolonga por uma longa curva, a rabeira.
Uma das particularidades da região de Aveiro é a sua
elevada densidade de população. Nas margens da ria alvejam, aqui e além,
numerosas aldeias que ultrapassam mil e dois mil habitantes.
Nos campos marginais caça-se a codorniz, a narceja (voo
esquivo e difícil) e o pato bravo. Há abundância de gaivotas.
AVEIRO – UM DOS TRABALHOS CARACTERÍSTICOS
DA RIA: A APANHA DO MOLIÇO)
A paisagem da ria tem sido objecto de belas
descrições literárias e de numerosos apontamentos de arte de alguns
pintores portugueses
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contemporâneos. Importa citar, entre estes, o aguarelista Alberto de
Sousa, os mestres Sousa Lopes e Joaquim Lopes e o médico-artista
ilhavense Dr. Celestino Gomes (João Carlos). O Museu de Viseu possui uma
pequena galeria de luminosas manchas do penúltimo pintor.
Bibliografia
Magalhães Mesquita,
A arborização da costa de Aveiro. 1884;
Fonseca Regala,
A ria de Aveiro e as suas indústrias. 1888; id., Apontamentos
acerca da região litoral compreendida entre as lagoas de Mira e de
Esmoriz (in Com. dos Serv. Geol., t. III, 1895, p. 23);
Almeida Azevedo,
A propriedade da ria de Aveiro, 1895;
Adolfo Loureiro,
Os portos marítimos de Portugal, vol. II, 1904;
Carlos Ribeiro,
Descrição da costa marítima compreendida entre o cabo de S. Vicente e
foz do no Douro (in “Rev. das Obs. Pub. e Minas”, t. II e IV);
Nascimento Leitão,
A bacia hidrográfica de Aveiro;
Baltasar Osório,
Pescas e peixes;
Melo e Matos,
Memória sobre a arborização das dunas de Aveiro;
Luís de Magalhães,
Os barcos da ria de Aveiro (in “Portugalia”, t. II, fasc. I);
Gomes Ferreira Cabido,
Corografia industrial do concelho de Aveiro (monografia
estatística), 1911;
Alberto Souto,
Guia do Viajante no distrito de Aveiro, 1913; id., As obras da
barra e ria de Aveiro, 1913; id., Origens da ria de Aveiro,
1913; id., Augusto Nobre, J. Afreixo e S. de Macedo, A Ria de Aveiro
(relatório), 1916;
Rocha e Cunha,
Porto de Aveiro, 1923; id., Relance da história económica de
Aveiro, 1930; id., Porto de Aveiro: obras de melhoramento da
barra; id., Notícia sobre as indústrias marítimas na área da
jurisdição da capitania do Porto de Aveiro, 1939;
Amorim Girão,
Bacia do Vouga, 1932;
Raul Brandão,
Os Pescadores, 1923;
Viana de Lemos,
O moliço da ria de Aveiro, 1933;
Ferreira Neves,
Breve história da barra de Aveiro (in “Arq. do distr. de Av.”),
1936;
Fernando de Sousa,
Porto de Aveiro, 1939.
________________________________________
(1)
– Além da designação de rias, dada aos ramos mais importantes da
laguna, usam-se na região as designações de braços, canais,
cales ou esteiros. Entre estas duas últimas palavras a
distinção não é bem precisa, mas em geral emprega-se a primeira (cale,
cal ou cala) para nomear os veios mais largos e profundos
e a segunda para os mais estreitos.
(2)
– Informações do comandante ROCHA E CUNHA.
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