Acesso à hierarquia superior.

Romarias

Se bem que menos características, mercê do progressivo desuso das tradicionais maneiras de vestir das diferentes regiões e devido também ao desenvolvimento dos meios mecânicos / 29 / de transporte, em conjunto concorrendo bastante para obliterar o pitoresco dos ranchos de forasteiros que, em tempos, a pé ou em morosos carroções, por velhos caminhos e veredas, faziam as suas longas jornadas, – as romarias são ainda hoje, nas Beiras, e, dum modo geral, no Norte de Portugal, a melhor ocasião para se conhecer os festivos modos de ser dos seus habitantes. O arraial, de noite, na véspera do dia grande da festa, com as suas iluminações e abarracamentos, alamedas de postes engalanados e palanques de «músicas» metálicas, fogos de vistas e descantes, suas alamedas ladeadas de tendas de doceiros de petiscos, lembranças, louças, artefactos, bebidas, é um verdadeiro bazar de emoções e vivos achados folclóricos. No outro dia, o mesmo arraial revelará novos aspectos, sob a luz quente de Agosto, tendo-se em volta o cenário amplo de serras e vales que em regra do santuário se avista.

Quando o sol declina oferece-se, como remate, a solenidade cheia de cor da saída processional, à qual todo o arraial se associa ou assiste, em uma hora de deslumbramento espectacular, ingénuo e grave. Empunhando enormes círios e envergando vistosas opas, duas linhas de homens, rudes e solenes, abrem uma extensa clareira entre o povo silencioso. Dentro dessa clareira, que em vagaroso movimento se desloca, realiza-se o litúrgico desfile: estandartes sumptuosos, erguidos ao alto pelos pulsos possantes dos mais rijos mocetões, crianças da primeira infância, vestidas de anjos, de asas enormes e brancas, tombadas, caminhando atónitas ou distraídas, cruzes de prata, por vezes do tempo dos reis godos, a seguir a padroeira ou o orago em aparatosos andores, os penitentes, o pálio – e na cauda do extenso cortejo, na sua insanável emulação de muitos desafios musicais, decididos a golpes de Wagner e de pau, bandas erguendo os acordes dos hinos religiosos que as vozes brancas das mulheres sublinham. A passo arrastado, e frequentes pausas, a procissão dá a demorada volta do cruzeiro, enquanto os foguetes, a espaços, como espécies de mensagens, enviadas insolitamente, pelas quebradas além, estoiram no azul indiferente e sublime. Com o cair / 30 / da tarde, desfeito o arraial, o formigueiro dos romeiros (se ainda não há estrada que desça do alto) escoa-se pelas veredas do monte, e, em magotes, com a alegria cansada de quem regressa, dispersam-se pelos caminhos das devezas e barrocais.

 

 

Página anterior.

Página seguinte.

pp. 28-30