Escola Secundária José Estêvão, n.º 12, Abr.- Jun. de 1994


 

INTRODUÇÃO

Ninguém negará que o problema da leitura, ou a sua ausência, é, antes de mais, um problema de ordem social.

Não é só (nem sobretudo) à Escola que se pode imputar culpas da situação periférica que Portugal ocupa, face a este problema, como aliás a tantos outros.

Não deixa, no entanto de ser penosa a situação do professor de Língua Portuguesa que deveria, segundo os actuais programas para o 3.º ciclo do Ensino Básico, «... ajudar o aluno a apropriar-se de estratégias que lhe permitam aprofundar a relação afectiva e intelectual com as obras, afim de que possa traçar, progressivamente, o seu próprio percurso enquanto leitor e construir a sua autonomia face ao conhecimento».

A análise deste pequeno excerto porá a qualquer professor, desde logo, a seguinte questão: que processos poderei utilizar para aprofundar a relação afectiva com obras de carácter literário, ou não, consciente de que essa relação afectiva é complexa porque nela vão actuar diferentes factores de ordem psicológica, social e intelectual?

É sabido que vão longe os tempos e ambientes tão sabiamente evocados por Marcel Proust na sua obra "Sobre a Leitura", em que, com uma delicadeza de artista, nos fala do carácter sedutor da leitura, sobretudo na infância.

Vejamos o resultado de um inquérito aplicado a alunos de uma turma do 7.º ano de escolaridade, cujos níveis etários se situam entre os treze e os quinze anos.

Dos vinte e sete inquiridos, vinte e um responderam que costumam ler durante as férias, embora a maioria dê a sua preferência à Banda Desenhada.

Dentre outros tipos de leitura (sem imagens), as preferências evidenciadas poderiam ser assim hierarquizadas:

1 – Conto

2 – Romance Policial / 7 /

3 – Ficção Científica

4 – Romance e Poesia

5 – Livros de Aventuras

Os resultados deste inquérito foram de certa forma reveladores, quanto a alguns aspectos que se prendem com a relação que os jovens mantêm com a leitura:

1 – Os alunos que ingressam no 3.º ciclo do Ensino Básico tiveram já, quer através do meio familiar, quer através do meio escolar, contactos com a ficção narrativa e/ou com a poesia. Não se trata portanto de um público virgem em relação a esta realidade.

2 – As preferências dos alunos inquiridos vão para a ficção narrativa, mais concretamente para o conto. A extensão funciona, sem dúvida, como factor inibidor: Os jovens (mesmo os menos jovens) olham para um livro volumoso, como se de uma ameaça se tratasse, por isso o conto é para os jovens desta faixa etária uma leitura mais atraente – a acção desenvolve-se mais rapidamente, o que lhes permite também identificar mais rapidamente as pistas que conduzem à solução de problemas e de responsabilidades sociais.

Outra observação que nos parece importante é o facto de as suas preferências se encaminharem para livros de ficção científica e policiais, narrativas tradicionalmente consideradas marginais, face ao romance, tido como a narrativa de carácter mais nobre. Pensamos que, neste caso, a apetência por este tipo de narrativa se prende fundamentalmente com a temática aí utilizada, muito mais de acordo com as necessidades de fantasia próprias desta idade do que a do romance tradicional, que trata de personagens e ambientes identificáveis com a própria realidade.

Estas reflexões poderiam conduzir-nos a uma questão que gostaríamos de poder aprofundar: o que é exactamente a literatura infanto-juvenil e em que medida este tipo de narrativa serve a causa da leitura? Conscientes de que não dispomos de elementos que nos permitam tirar ilações rigorosas, permitimo-nos avançar uma opinião baseada sobretudo nos contactos com os jovens com quem fomos convivendo e dialogando em situação de aula ou fora dela. Duma maneira geral, os livros especificamente destinados a jovens abordam temas que, de uma maneira ou de outra lhes dizem respeito: ou porque o envolvimento temático os implica, ou porque se identificam com o herói ou com qualquer outra personagem. Ousando ainda generalizar, diríamos que, se os jovens encontram, neste tipo de escrita, os ingredientes que os fazem preferir a leitura a todas as outras solicitações a que já se aludiu neste trabalho, então estas são obras "úteis". E se não são, na sua grande maioria, portadoras de uma dimensão estética, que enriqueça o imaginário juvenil, elas vão permanecer na memória de cada um como referência que se poderá situar no plano ético, social ou outro. Estas obras poderão ainda assumir-se como uma forma de acesso mais directa à expressão literária ou a outras formas de expressão plástica.

O universo escolar, porque eivado de um certo formalismo e de um carácter normativo, não reúne as melhores condições para que se crie um ambiente de liberdade e familiaridade indispensáveis aos primeiros contactos com o texto escrito.

Não se quer com isto alijar ou negar as responsabilidades e o papel que cabe à Escola nesta matéria. Pretendemos tão somente pôr esta questão para que, sem escamotear a realidade, se possa fazer uma reflexão sobre todos os elementos que intervêm neste processo tão rico e interactivo que é a leitura.

Sem pretender hierarquizar os conteúdos nucleares da área do Português, acreditamos que, a nível do 3.º ciclo, tudo começa pela leitura...

Estas páginas serão, por isso e antes de mais, um testemunho dos processos de operacionalização que foram utilizados numa turma do 7.º ano de escolaridade, na área da leitura.

Embora se afirme, nos / 8 / programas de Língua Portuguesa, que para o progresso da "Leitura Orientada" e da "Leitura para Informação e Estudo" muito contribuem as práticas de "Leitura Recreativa", continua a não ser fácil para o professor encontrar o equilíbrio que permita conciliar a leitura como fruição de um prazer (leitura recreativa) e a leitura como um trabalho, sujeito a regras, técnicas e modelos (leitura orientada e leitura para informação e estudo).
 

Leitura Recreativa

Entendemos a leitura recreativa como um acto voluntário, intencional, praticado por gosto; trata-se, por isso, de uma atitude de natureza privada, podendo mesmo desenvolver-se um diálogo muito íntimo em que, frequentemente, se partilham desejos e sentimentos. À leitura recreativa não podem ser impostos tempos nem espaços, o leitor tem que ser considerado como um ente completamente livre, descomprometido. Face a este entendimento do conceito de leitura, parece-nos pertinente concluir que esta actividade exclui qualquer tipo de avaliação. Se o professor souber encontrar as estratégias adequadas aos seus alunos e se, em consequência disso, eles passarem a encarar a leitura como um sistema natural de comunicação, que poderá, eventualmente, conduzi-los a momentos de fruição de um prazer, terão sido atingidos objectivos importantes e que se tomarão determinantes num processo de formação integral do indivíduo.

A primeira estratégia utilizada foi a leitura em voz alta, feita pelo professor, já que consideramos este tipo de actividade capaz de evocar as primeiras histórias contadas ou lidas na infância e, se todos aqueles que chegaram à idade adulta recordam ainda com nostalgia esses momentos mágicos, é bem possível que uma leitura expressiva feita pelo professor pudesse provocar esse efeito sedutor nestes jovens, mal saídos ainda de uma infância em que nem sempre encontraram quem lhes contasse histórias na hora do adormecer,

Optámos por esta estratégia, considerando factores de ordem vária.

Atendeu-se, em primeiro lugar, ao perfil da turma – vinte e sete jovens (quinze raparigas e doze rapazes), provenientes de estratos sociais, culturais e económicos muito diferenciados, mas com níveis etários relativamente homogéneos. Neste conjunto encontra-se uma aluna com uma dislexia progressiva, diagnosticada por um psiquiatra infantil. As dificuldades desta aluna situam-se ao nível da descodificação de enunciados escritos.

Encontrámos ainda, neste conjunto, um aluno que, nos primeiros contactos orais, evidenciou boa competência de compreensão e expressão oral. A expressão escrita revelou-se, no entanto, profundamente deficiente. Ao tentar identificar o elemento detonador desta situação, fomos surpreendidos com a enorme dificuldade que o aluno sentia quando descodificava, sozinho, sem o apoio da oralidade, um texto escrito. Essa dificuldade mantinha-se quando lia em voz alta. Frustradas algumas tentativas de empenhar a família no despiste das eventuais causas desta situação, tentámos fazer com este aluno um ensino individualizado da leitura e da escrita, depois de ouvidas duas técnicas do ensino especial. Apesar dos resultados obtidos não terem sido os mais / 9 / encorajadores, houve, em qualquer caso, alguma progressão, que esperamos continuar a verificar-se até ao final deste ciclo de estudos.

Um outro elemento caracterizador desta turma é a heterogeneidade ao nível das competências e das capacidades reveladas.

Os elementos atrás enunciados ajudam a construir um quadro em que as grandes linhas de força são a instabilidade, o conflito latente ou explícito, a necessidade permanente de encontrar opções alternativas às linhas condutoras das aulas.

A leitura em voz alta pareceu-nos ser um elemento aglomerador e que poderia responder, de certa forma, a algumas das necessidades evidenciadas pelos alunos: relação directa e privilegiada com o professor que, durante aquela hora, passava a ser o contador de histórias, o comentador que ria, sentia, comungava, ou não, dos mesmos sentimentos perante a obra, que era, naquele momento, um objecto de que, em conjunto, usufruíamos – um elemento catalisador de atenções e emoções.

A obra escolhida para este primeiro contacto com o texto escrito, mediado pela voz do professor, foi: "A Viagem Maravilhosa de Nils Holgersson através da Suécia" de Selma Lagerlof.

Antes de entrarmos na obra através da leitura, falámos aos alunos acerca de Nils, da poética nórdica, de neve e de gnomos. Alguns conheciam já a história de Nils, numa versão trabalhada pelo audiovisual e divulgada pela televisão. Pareceu-nos que a adaptação para a televisão não lhes teria transmitido a dimensão de fascínio da história daquele rapazinho que parte mau e regressa bom. Foi – pensamos – a dimensão do fantástico o que maior expectativa criou.

Mostraram-se, enfim, entusiasmados em conhecer as aventuras do pequeno Nils e partimos, amedrontados como ele, para essa viagem Maravilhosa. / 10 /

Algumas das descrições iniciais abalaram significativamente o interesse evidenciado pelos alunos, face a esta actividade, tendo sido mesmo posta em causa a prossecução da leitura, sob pena de produzir efeitos nefastos ou até perversos em relação ao objectivo proposto.

Foram-se criando alguns pólos motivadores, em redor da personagem e da sua evolução. E, à medida que a acção evoluía, em cada rosto ia renascendo a vontade, o desejo de acompanhar Nils.

A continuação da leitura desta obra produziu um efeito a que poderemos chamar de "bola de neve". Com efeito, a partir de uma determinada altura, os alunos estavam tão interessados em conhecer o evoluir da narrativa que alguns nos vieram manifestar o desejo de adquirir a obra, enquanto outros, sem as possibilidades económicas dos primeiros, vinham pedir para que as sessões de leitura fossem menos dilatadas no tempo.

Pareceu-nos que este seria o momento oportuno para introduzir as actividades da biblioteca de turma. Tinha sido atingido um objectivo fundamental nesta matéria: a maioria dos alunos tinha experimentado, pela primeira vez, o desejo de ler uma obra.

 

Biblioteca de turma

De início não foi fácil catalisar a atenção destes jovens, habitualmente tão dispersos, sempre prontos a desviar a atenção dos centros de interesse das aulas para os seus próprios centros de interesse.

Cada um poderia, se o desejasse, levar para casa um livro que, durante quinze dias, lhe pertenceria, que poderia ler ou não, que poderia apenas folhear ou, se fosse caso disso, ler apenas as passagens que / 11 / maior interesse lhe despertassem. Tentámos criar, em relação a este tipo de leitura, e de acordo com o que atrás foi afirmado, um clima de grande liberdade e de autenticidade perante o acto de ler.

Abolidas as fichas de leitura para os livros da biblioteca de turma, os alunos podiam, em regime de voluntariado, exprimir as suas opiniões, oralmente ou por escrito, no momento da entrega da obra lida.

As maiores responsabilidades foram delegadas na bibliotecária e na tesoureira, eleitas pela turma para estes cargos.

Os alunos trouxeram livros seus, que emprestaram, escreveram às editoras a solicitar-lhes o envio de algumas das suas publicações e, finalmente, tentaram arranjar um fundo, através de quotizações mensais, com o qual compraram obras do agrado geral da turma. Todas estas actividades foram levadas à prática com bastante êxito e a turma começou a ter uma dinâmica de leitura que se foi desenvolvendo de forma progressiva. As aulas dedicadas à leitura silenciosa passaram mesmo a ser uma das actividades preferidas dos alunos.

Admite-se que para esta situação tenham concorrido os seguintes factores:

Em primeiro lugar tratar-se de uma actividade em que os alunos se sentem relativamente livres, porque muitos dos livros que circulam quinzenalmente pertencem-lhes, enquanto grupo – ou porque foram adquiridos por sua livre escolha, ou porque foram emprestados por colegas que, ao incluir o seu livro na biblioteca de turma, adiantaram um testemunho abonatório em relação à obra.

Em segundo lugar, apontaríamos como elemento que considerámos motivador, o facto de não ser exigida ao aluno uma opinião após a conclusão da leitura de qualquer publicação. Alguns testemunhos apareceram naturalmente, no momento da distribuição dos livros. Alunos hesitantes na escolha da obra certa pediam opinião ao professor, que remetia esse pedido, se achasse oportuno, para os colegas que já conheciam a obra em causa.

Procurou-se que, no âmbito desta actividade existisse o mínimo de compromisso. O compromisso, a estabelecer-se, deveria ser entre o aluno e própria obra e nunca entre o aluno e o professor.

Reiteramos portanto a ideia de liberdade como a principal estratégia a utilizar para a prática da leitura recreativa: o aluno é livre quando escolhe e, ao permitir que ele tenha consigo o livro durante quinze dias, renováveis, admite-se que essa liberdade se estenda ao espaço e ao tempo de leitura.

Pensámos que é justamente nesta dimensão que a leitura se torna um acto criativo, porque solitário e livre, podendo mesmo, em última análise, levar os alunos a criar elos afectivos com os livros de que mais gostaram, cuidando deles como se de um objecto frágil se tratasse. E é esta relação afectiva com o livro que vai, porventura, conferir à leitura a sua dimensão estética, sensibilizando o aluno-leitor para a transcendência do acto de ler.

À laia de síntese conclusiva, adiantaremos ainda duas reflexões críticas sobre esta matéria:

A leitura recreativa, entendida como acto de liberdade e de libertação, afasta o pressuposto avaliativo implícito a todo o processo de ensino-aprendizagem. Seria, quanto a nós, contraditório utilizar instrumentos para avaliar o prazer da leitura ou a sua recepção afectiva e estética.

As actividades de leitura recreativa devem conduzir ao desejo de ler. A consecução deste objectivo atribuirá ao professor de Língua materna um papel determinante nesta perspectiva dual de leitura, prazer e trabalho. Se para o aluno a leitura puder constituir um prazer, será necessário capitalizar esta dimensão para que, em seguida e sem esforço se passe ao texto / 12 /  como instrumento de trabalho.

 

Leitura Orientada

«As práticas de leitura orientada (...) exigem a mediação do professor e visam exercitar os alunos na interpretação de textos.

As actividades a realizar devem preservar o sentido global das obras e permitir interacções criativas com os textos, contribuindo, assim, para aprofundar o prazer de ler. "(in Programa de Língua Portuguesa - Ensino Básico - III ciclo)

Segundo os actuais programas de Língua Portuguesa para o 3.º ciclo do ensino básico, o que distingue leitura orientada de leitura recreativa são fundamentalmente as práticas que decorrem de dois conceitos: exercício (... "exercitar os alunos") e mediação.

Ambos os conceitos remetem para as relações de interacção entre o professor e o aluno. O texto deixa de ser fruído directamente, porque passará a haver um agente mediador que usará as estratégias que melhor se adequem à apropriação da plurissignificação textual por parte do aluno.

Depois de adquiridos os instrumentos necessários à interpretação dos textos, o trabalho do professor conduzirá o aluno a fazer uma leitura pessoal "a fim de que possa traçar, progressivamente, o seu próprio percurso enquanto leitor e construir a sua autonomia face ao conhecimento.»

Porque entendemos que leitura orientada não exclui leitura motivada, antes a integra, e porque esta implica o conhecimento, por parte do professor, das predisposições mentais e afectivas dos alunos, procurou fazer-se, dentre as obras propostas pelo programa, uma escolha que tivesse em conta características temperamentais e culturais dos alunos e que, numa perspectiva operativa, pudesse ser um elemento temático aglomerador da área escola.

Uma das obras seleccionadas para leitura orientada é a adaptação em prosa da "Odisseia", feita por João de Barros e publicada pela Livraria Sá da Costa.

As razões desta escolha prendem-se com os aspectos atrás enunciados, que serão oportunamente clarificados, e com outros a que nos referiremos de seguida.

O inquérito que aplicámos a estes alunos e a que já aludimos neste trabalho foi um importante instrumento de auscultação das motivações psicológicas e humanas dos discentes. Para além deste inquérito, os alunos foram alvo de uma observação atenta, tendo emitido opiniões, de adesão ou recusa, sobre uma gama alargada de textos narrativos.

As conclusões a que pudemos chegar foram as seguintes:

1) – As sondagens, quanto às preferências temáticas, indiciavam que a narrativa com elementos fantásticos e a narrativa de aventuras colhiam as simpatias da maioria dos discentes.

A "Odisseia", considerando mesmo o hipotexto (segundo a terminologia utilizada por Gérard Genette), atribuível ou não a Homero, pode ser considerada como uma narrativa típica de aventuras com um desenlace desejado pelo leitor – o regresso a casa. Para além deste facto, desde logo aliciante, nós encontramos nesta obra uma série de histórias, autónomas entre si, mas cuja tecitura é magistralmente urdida através do herói – Ulisses.

2) – Os ingredientes da construção do herói, bem como a respectiva actualização e ainda a dimensão de mito, presente na obra, são outros factores que considerámos importante explorar junto de adolescentes, perdidos num final de século, povoado de mitos e heróis, mas carecidos de referências e valores.

3) – Um conhecimento, ainda que residual da cultura greco-Iatina, parece-nos ser hoje um dado do maior interesse. Numa sociedade que / 14 / queremos cada vez mais humanizante e humanizada, os aspectos culturais começam a ser encarados, já não como privilégios de elites, mas como qualquer coisa a que muitos se sentem com direito. Se é certo que toda a cultura ocidental mergulha as suas raízes no pensamento grego e nas variadas manifestações da cultura greco-Iatina, como compreender hoje as múltiplas manifestações plásticas, se não possuirmos códigos culturais comuns para o entendimento dessas obras?

Não podemos ignorar a importância do universo referencial clássico presente na literatura, no cinema, na música no teatro ou em outras manifestações plásticas contemporâneas.

Pensamos que esta obra pode funcionar como um estimulante apelo ao conhecimento do mundo grego clássico e do seu pensamento.

4) – A adaptação de João de Barros para língua portuguesa e para um público específico é um bom exemplo de como podem ser divulgadas as grandes obras clássicas.

Trata-se de um "hiper-texto", entendido este conceito ainda segundo a perspectiva de Genette em "Palimpsestes: «hypertextes – toutes les oeuvres dérivées d'une oeuvre antérieure, par transformation ou par imitation. De cette littérature au second degré, qui s'écrit en lisant, la place et l'action dans le champ littéraire sont, généralement et fâcheusement méconnues.»

Com efeito, nesta obra de João de Barros, vamos encontrar uma organização narrativa em que cada capítulo poderia ser considerado uma micro-narrativa dotada de uma certa autonomia, não fosse a presença de Ulisses, que funciona, ao nível da sintaxe narrativa, como o elemento integrador, fornecendo uma coerência sequencial às várias narrativas.

Encarada sob o ponto de vista do discurso, entendemos tratar-se de uma obra com um vocabulário acessível, mas enriquecedor, pela possibilidade que fornece de, por um lado, se poderem fazer induções a partir do contexto e, por outro, de utilizar estratégias de alargamento de vocabulário por áreas semânticas ou vocabulares, trabalhando alternada ou concomitantemente o eixo paradigmático e o eixo sintagmático.

Encarada do ponto de vista da sua construção estilística, consideramos tratar-se de uma obra adequada aos objectivos propostos; não sendo excessivamente recheada de figuras de estilo e de plurissignificações, podemos encontrar exemplos de recursos estilísticos que identificam e ilustram o código literário, nomeadamente ao nível da utilização estética do adjectivo e do uso de uma pontuação com finalidades estilísticas.

5) – Uma última razão pesou na escolha desta obra.

No início do ano lectivo em curso foram levados à prática, duma forma generalizada, os pressupostos da Reforma Educativa. A Área-Escola foi uma das inovações introduzidas, cuja implementação maiores interrogações criou aos professores. Sem uma informação esclarecedora e sem uma tradição que testemunhasse experiências, os professores debateram-se com dúvidas e dificuldades, nomeadamente no momento do arranque das actividades desta nova área.

Pareceu-nos que o estudo da "Odisseia" poderia ser, por um lado, um ponto de partida e, por outro, um elemento aglutinador e integrador.

A "Odisseia" é a narrativa que tem como principal fio condutor uma viagem marítima, situada num tempo e num espaço históricos.

Propusemos então, a partir das referências textuais acerca de barcos, e em colaboração com a professora de História, que a turma fizesse uma investigação sobre as embarcações referidas na obra. Esta pesquisa conduziria naturalmente os alunos para as questões que se prendem com o aparecimento das primeiras embarcações: formato, materiais utilizados para a sua construção, finalidades de utilização, etc.

Depois de concluída esta primeira parte do trabalho, que assumiria sobretudo um carácter histórico, situar-nos-íamos no presente para saber quais / 15 / as embarcações que ainda povoam a ria de Aveiro, a utilização que lhes é dada e qual a sua origem. Para levar a cabo esta investigação, seria solicitada à Câmara Municipal de Aveiro um barco motorizado com o qual faríamos a travessia da ria.

Abandonada a perspectiva diacrónica, encarar-se-ia agora este estudo do ponto de vista sincrónico. Para tal, estudar-se-iam algumas teses que fundamentam a origem das embarcações que ainda actuam na ria de Aveiro: o saleiro, e variados tipos de bateira, como por exemplo, o chinchorro. Seriam ainda observados exemplares de barcos moliceiros, que, embora já não sejam utilizados na faina da apanha do moliço, têm sido recuperados pelas Câmaras Municipais para fins turísticos, ou simplesmente, como exemplares de um património cultural e etnográfico.

De todas estas pesquisas resultariam trabalhos, acompanhados pela professora de Português (elaboração de entrevistas, relatórios, descrições, legendagem de fotografias) e pela professora de Educação Visual que levaria os alunos a representar graficamente todo o material observado. Deste trabalho poderia, eventualmente, resultar uma edição de postais, se subsidiada pela Câmara Municipal de Aveiro.

O projecto da área escola seria assim um contributo para o estudo do barco e a sua relação com a região de Aveiro do ponto de vista histórico, cultural, económico, estético e lúdico.

Todos estes projectos foram levados à prática, excepção feita à edição dos postais por não ter havido verbas.
 

Aliás, Escola Secundária José Estêvão

 

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