Escola Secundária José Estêvão, n.º 7, Jun.- Jul. de 1992

Como proceder com 33 faladores inveterados, apesar da tenra idade, manifestando-se estridentemente numa "comunicação" ansiosa e desenfreada? – interrogavam-se os professores, invejando, talvez, secretamente as delícias de uma turma lourinha de suecos disciplinados, suaves, discretos.

Mas, porque haveria de ser de outro modo?

Se deixarmos de lado razões de conjuntura nacional e internacional que afligem os docentes de muitos países desenvolvidos, entre os quais os franceses que, segundo Éric Debarbieux, autor de "La Violence en classe", vêem nas relações sociais e na violência latente as razões do "perpétuel brouhaha" que serve de música de fundo às actividades lectivas; se deixarmos também, por agora, as de natureza didáctica e pedagógica inerentes à instituição escolar e ignorarmos o lugar comum que as considera a densidade de ocupação e as turmas numerosas (obstáculo inamovível, comprovado por 24 anos de serviço e inúteis expectativas), sobressairá aquela que me parece ser a mais profunda e arreigada causa do barulho nas nossas escolas, a que se prende com o nosso "feitio" cultural e, por isso mesmo, mais difícil de remover e eliminar.

Consciente, portanto, da falibilidade dos resultados, decidi mesmo assim desafiar precisamente os meus alunos do 7.º C, acima caracterizados, a empreenderem uma campanha antipoluição sonora, no que fui acompanhada desde o início pela professora de Ciências da Natureza no âmbito da sua disciplina. E, como as necessidades de formação o justificavam, comecei por sacrificar, a espaços regulares, alguns minutos da aula de francês, partindo do pressuposto que, se o aluno reflecte, naturalmente, atitudes do seu meio social, é, ele próprio também, factor de socialização, agente privilegiado de mudança, portador que é de trocas de influência permanentes que, não provocando alterações imediatas, podem atenuar hábitos nocivos lenta e sensivelmente.

Comecei, então, por convidá-los a observarem o mundo circundante, partindo de si próprios na sua relação com os outros: na família, em casa, no prédio, no carro, na escola, nos transportes, nas visitas hospitalares, nos locais de diversão e nas festas.

Seria pacífico ler-se um livro num comboio, descansar na própria casa, manter uma conversa num restaurante ou numa feira, quando um intenso volume de som proveniente de várias fontes simultâneas atinge, por vezes, valores inacreditáveis?

Procurou-se que relacionassem a qualidade, intensidade e acumulação de sons com os espaços e momentos em que são produzidos e foram alertados para o enorme risco a que estão expostos os disco-jokeys, trocando um bom salário de poucos dias por uma prótese ou uma surdez irreversível.

Feita a sensibilização, foi-lhes pedido que procurassem documentação e testemunhos nos media escritos e, significativamente, pouco encontraram. Mas, referiram casos de perturbação física e psicológica de familiares que contraíram doenças em locais de trabalho ruidosos.

Dessas situações se fez, naturalmente, a transposição para o espaço escolar, evidenciando-se os casos em que a aprendizagem se processa num banho de ruído permanente, gerando irritabilidade, perturbação e insucesso.

Clarificou-se essa noção que, particularmente numa sala de aula, pode nada ter a ver com a intensidade e, dada a sua oportunidade, actualizou-se o seu significado linguístico, despido de roupagens teórico-reflexivas.

Um grupo razoavelmente numeroso do 7.º C reuniu-se, então, fora dos tempos de aula para proceder à análise e selecção dos documentos recolhidos ou elaborados em casa (informação científica, notícias, legislação, desenhos e textos em poesia ou prosa expressos nas três línguas estudadas), os quais, vindo a ser expostos em dois placards, procuravam chamar a atenção da comunidade escolar para o problema.

Paralelamente, a iniciativa da professora de Ciências, Laura Maria, e do grupo de estágio a que pertence, culminou com uma iniciativa de grande interesse, não só pela qualidade científica, como pelo universo de alunos abrangidos (dos 7.º e 8.º anos). Convidaram a vir à escola o Engenheiro José Dâmaso, da Comissão de Coordenação da Região Norte da Secretaria de Estado do Ambiente que, numa linguagem simples, mas rigorosa, adequada ao nível etário dos numerosos participantes, os alertou para um tipo de poluição que, pelas proporções que vem atingindo, provoca graves danos e desconforto no nosso quotidiano.

A sessão foi aberta a todos os interessados, pois só começando por si própria e promovendo a reflexão, a escola, incapaz que é de alterar a organização e as relações sociais, poderá procurar influenciar a comunidade em que se insere na superação de condutas prejudiciais e abusivas, praticadas de diversas formas por largas e diversas camadas da nossa estratificada sociedade. Apesar do doloroso e rápido esbatimento, a que assistimos, do que de mais puro e genuíno possuímos, não correríamos, neste caso, o risco de perder a nossa identidade cultural.

Entretanto, a Ana Patrícia do 7.º C parece já ter despertado para uma observação auditiva crítica, ao escrever:

"O barulho é constituído

Por alguns fenómenos vulgares,

Só que o barulho produzido

Não está nos seus devidos lugares"

Dulce Cunha Reis

Directora da Turma C do 7.º ano
 

Aliás, Escola Secundária José Estêvão

 

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