Escola Secundária José Estêvão, n.º 4, Jul. - Set. de 1991

Por vezes somos estimulados ao "meter foice em seara alheia".

Na verdade foi da leitura da "Introdução aos Novos programas de Físico-Químicas (3.º ciclo) – Em regime de experiência pedagógica" que recebi aquele empurrão indispensável à percepção da epistemologia subjacente àqueles programas... E também aos de Ciências Naturais.

Pareceu-me que, finalmente, os princípios epistemológicos e psicológicos eram os MESMOS.

Voltei a reler Autores como Gowin, Kuhn, Toulmin, etc.

Expressões naqueles "Programas de Físico-Químicas" como sequências conceptuais", "moldes construtivistas", "mapa de conceitos", etc.; relembrar Bruner e a sua conhecida expressão "Aprender é aprender a aprender", um artigo de Novak em que escrevia "os mapas de conceitos constituem ferramenta útil à planificação do ensino e auxiliam os alunos a aprender a aprender", eram estimulantes.

Por outro lado, Karl Popper parecia sussurrar-me ao ouvido: «...o cidadão comum revela-se frequentemente mais sensato..., e se não mais sensato, é guiado por intenções mais correctas e generosas».

Cidadão comum, quiçá de duvidosa sensatez, mas guiado por intenções generosas ao meu exercício da actividade de professor de ensino não superior, fiquei suficientemente "preparado" para formular algumas perguntas ao senhor secretário de Estado da Reforma Educativa:

1 – Após leitura dos "Programas de Ciências Naturais, em regime de experiência pedagógica (3.º ciclo do Ensino Básico)" senti-me exultar e na minha modesta opinião não podia deixar de felicitar os Autores da sua "Nota Introdutória" pela sua preocupação, no que creio ser contemporaneidade em psicologias educacionais e epistemológicas, que vislumbro irradiarem daquelas páginas.

2 – Mas apesar dos factos anteriormente referidos sou impelido, e numa perspectiva construtivista, a apresentar aos seus Autores algumas despretensiosas perguntas:

▪ Nas páginas 6 e 7 apreciaria ver as psicologias cognitivistas duma forma mais explicitada.

Ou duvidam que não se correrá o risco duma leitura behaviorista?

Epistemologicamente o empirismo não será ainda a força dominante a nível do...?

A epistmologia de Kuhn, embora presente naquelas páginas, será descoberta com a subtileza da linguagem usada?

Ainda na página 7 serão facilmente percebidos o que se pretende com os "camuflados":

"If I had to reduce all of educational psychology to just one principle, I would say this: The most important single factor influencing learning is what the learner already knows. As certain this and teach him accordingly" e "Alternative Conceptions Movement"?

▪ Novamente nas páginas 7 e 8 será facilmente compreendido o autor do "Meaninful learning"?

E o conteúdo tão disfarçado do "subsumption" apresentado na página 8?

A mesma página ao abordar o "processo do professor" refere (e parece-me bem) "Guided discovery learning to autonomous discovery learning".

Mas não será subtilmente apresentado?

▪ A linguagem ausebeliana apresentada (e ainda bem) naquelas páginas será dum domínio tão generalizado? Há inquéritos que o confirmem?

▪ Na mesma página 8, o implícito conhecimento da Teoria de Bruner e Currículo em Espiral acreditam que serão facilmente descobertos?

▪ As páginas 8 (Ausubel) e 29 (onde subentendi "concept mapping” segundo Novak, J. D.) parecem-me estar em contradição (na hierarquização do grau de inclusão dos conceitos). Não será assim?!

▪ No mesmo mapa de conceitos (página 29) julgo que se esqueceram de especificar as "proposições” ou então, estão deslocadas as "palavras de ligação”.

Assim não será compreendida a "progressive differentiation" de conceitos?

As "ligações cruzadas" também não me parecem expressar convenientemente "integrative reconciliation" e "superordinate learning".

É pretensiosa esta minha proposta para a necessidade duma corrigenda ao mapa de conceitos (página 29)?

É que sendo o único mapa de conceitos estruturado no que creio ser modelo proposto por Novak (Ausubel) apresentado naqueles PROGRAMAS DE 3.º CICLO, oferece ainda o inconveniente de ser modelo a respeitar. Ele está em texto do Ministério da Educação... E como tal...!

3 – Mas apesar de acreditar nas virtudes de um ensino e aprendizagem conceptualizantes, com aprendizagem significativa, não posso deixar de me afirmar estupefacto com alguns dos "Objectivos Gerais (a nível de Atitudes, Capacidades e Conhecimentos)" explicitados na página 10 daqueles programas.

Transcrevo a seguir alguns Objectivos gerais propostos para os 7.º e 8.º anos de escolaridade:

"Avaliar as implicações do desenvolvimento da Ciência" .

"Reconhecer as Iimitações da Ciência na resolução de problemas sociológicos e tecnológicos".

"Formular hipóteses que podem ser testadas experimentalmente" (Acredito que os Autores dos Programas serão epistemologicamente "RACIONALlSTAS").

"Aplicar a novas situações, técnicas laboratoriais adquiridas".

"Relacionar ideias permitindo a passagem do conhecimento em si mesmo para o conhecimento posto em acção".

Aqueles poderão ser objectivos gerais para alunos de 12/13 anos de idade?!

4 – Na página 15 e seguintes a inclusão dos "processos internos na dinâmica da Terra", perspectiva geológico-biológica, creio serem dispensáveis, mesmo não indicados para o 3.º Ciclo.

Para um ESQUEMA CONCEPTUAL DE ANO que em despretensiosa sugestão apresento: "A crosta terrestre constitui um sistema natural em equilíbrio dinâmico nos diferentes ambientes" cremos dispensável o estudo da "geodinâmica interna".

Limitando-o à abordagem geológica da "Geodinâmica Externa", acreditamos que será possível uma APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA que contribuirá naquela perspectiva geológico-biológica (ecológica) para o desenvolvimento duma ESTRUTURA COGNITIVA DO ALUNO com PROGRESSIVA DIFERENCIAÇÃO DE CONCEITOS correspondentes às estruturas e interacção dos Biótopo e Biocenose.

5 – O grau de inclusão dos conceitos indicados para o 7.º ano e atendendo ao sentido da sua abordagem proposto por Ausubel e a organizar em mapas de conceitos (Novak), que creio ter sido sugerido, conduz a graus de tão menor inclusão (ou maior especificidade) que tornam inviável a sua concretização, em APREDIZAGEM SIGNIFICATIVA, num único ano (7.º ano).

Para percepção na Biosfera (ou mesmo Noosfera), perspectiva geológico-biologicamente, sua dinâmica, equilíbrio e ruptura, serão necessários conceitos como textura cristalina, manto, estenosfera, núcleo, etc., etc...?!

Em face dos factos anteriormente expostos, o signatário solicita a V.ª Ex.ª se digne autorizar lhe sejam autorizados os esclarecimentos para as dúvidas apresentadas.

Como "professor de ensino não superior em fim de carreira", mantendo funções na "Formação Inicial de Professores" e portanto necessariamente atento aos presentes e próximos programas, não posso de (quase) auto-didacticamente realizar a minha "pseudo-formação contínua", que carecerá de qualquer reconhecimento oficial por lhe faltar o aval de Instituições de Ensino Superior (o mérito na força da hierarquia convertido em razão de força).

No entanto a verificar-se as minhas deficientes interpretações daqueles "Programas em Experiência Pedagógica" revelar-me-ão, se não vier a ser prévia e superiormente determinado, que devo cessar funções na "Supervisão da prática Pedagógica" e aguardar a chagada da "Verdadeira Formação Contínua"... E depois, reforma/aposentação.

E qual será a Formação dos "Professores Divulgadores dos Novos Programas", não eu, que ao candidatarem-se num passado recente, se auto-afirmaram possuidores de "Actualização nos domínios das Ciências da Educação e da Especialidade"?

Manuel Ferreira / 1991

Aliás, Escola Secundária José Estêvão

 

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