Escola Secundária José Estêvão, n.º 2, Jan. - Mar. de 1991

Era uma tarde quente do mês de Agosto de 1990. Entorpecido pelo calor, pálpebras semi-cerradas frente a um jornal, eis-me quase entregue à plena vivência vegetativa. Mas um título mais destacado rompe subitamente a letargia – "A morte de Skinner".

Como que numa homenagem íntima deixo desfilar pela minha mente aquele Autor e a sua "teoria do condicionamento operante"... e, então, voluntariamente, de olhos bem fechados entrego-me ao exercício de encadear cronologicamente algumas teorias de aprendizagem...

O primeiro objectivo de aprendizagem, acima e além do prazer que nos possa dar, é o que deverá servir no presente e valer-nos no futuro.

Aprender não deve apenas levar-nos até algum lugar, mas também permitir posteriormente, ir além dum modo mais fácil.

Desde o século XVII desenvolveu-se a Ideia que o Homem pelo uso da "Observação" e da "Razão" poderia descobrir as leis da Natureza. Pelo aperfeiçoamento da "observação" e dos "métodos" utilizados na recolha de dados poderia obter-se um crescente conhecimento das leis da Natureza.

Skinner desenvolveu uma tecnologia de ensino, organizando a aprendizagem de modo a proporcionar aos alunos um "conjunto de estímulos" planeados para "um resultado pré-determinado".

Com as experiências realizadas na conhecidíssima "Skinner's Box" estabeleceu uma série de princípios. Muitos psicólogos educacionais apresentaram-se defensores desta "Teoria E-R (estímulo-resposta)".

Para estes behavioristas ou teóricos do condicionamento, a aprendizagem ocorre através de estímulos e respostas. Os estímulos ou causas que originam a aprendizagem são agentes ambientais actuantes sobre o organismo, que desencadeiam ou aumentam a probabilidade de reacção do organismo: A Resposta. Perpassa-nos meteoricamente pela mente a" Aprendizagem por Objectivos (APO)" e muitos Autores: Landsheere, Mager, Gronlund, Elsner, Gagné, etc.

A abordagem comportamentalista do ensino e as Pedagogias de Objectivos foram alicerces no desenvolvimento de novos projectos curriculares: Physical Science Study Commitee (P.S.S.C.), Biological Sciences Curriculum Study (B.S.C.S.), Earth Science Curriculum Project (E.S.C.P.), School Mathematics Study Group (S.M.S.G.).

Entre nós e apenas a partir dos meados da década de 1970, assiste-se à exaustiva aplicação do "método científico" no campo do ensino-aprendizagem.

Connant tinha expressado a opinião de que os "Métodos da Ciência" teriam uma melhor compreensão com a selecção das condições em que os cientistas haviam efectuado as suas investigações: Transferência da ênfase da "Análise do Método Cientifico" para a "História das Descobertas Científicas".

Karl Popper em "Logic of Scientific Discovery" (1959) descreve o papel da instrumentação, protocolos de pesquisa e processos lógicos de inferência científica à medida que se vai das observações para as conclusões. / 12 /

Nesta posição de Popper são enfatizados os métodos de análise e minimizada a "estrutura conceitual" do cientista. "Assistimos a uma diferença posicional entre Popper e Kuhn e essas diferenças poderiam ser apenas de interesse esotérico não fosse o facto de que muitos dos currículos terem sido feitos como se Popper estivesse certo e Kuhn errado. Os trabalhos de Kuhn(1962,1970) e Toulmin (1972) dão uma maior dimensão à natureza dos conceitos e seu papel no pensamento humano" (Novak).

Estas opiniões têm Implicações extremamente importantes para a educação. A descrição do carácter evolutivo dos conceitos na sociedade e o papel essencial que estes desempenham na compreensão humana contrastam com as Ideias kantianas sobre a busca do Homem por verdades "absolutas", expressas nos trabalhos de Francis Bacon (1620), Karl Pearson (1900) e Karl Popper (1959).

Várias formas de "psicologias associonistas" ou de "estímulo-resposta (E-R)" estão baseadas nestas epistemologias absolutas. Psicologias Skinnerianas e outras psicologias associonistas continuaram a dominar a psicologia educacional. Felizmente surge uma alternativa...

Assim a excessiva aplicação do "método científico" no campo do "ensino-aprendizagem" cede lugar à nova concepção de Kuhn: Transferência dos "conhecimentos e métodos" para as "estruturas conceptuais".

Escreveu Thomas Kuhn (1962,1972): «A história da ciência mostra que as modificações ocorreram nos "óculos conceptuais" através dos quais os cientistas observaram a realidade.» Kuhn realçou o papel destes "visores conceptuais" – os PARADIGMAS – na orientação do trabalho dos cientistas.

Em educação, como em qualquer outra área, CONCEITOS são aquilo com que pensamos. Se não tivermos conceitos claros e organizados, o nosso pensamento será confuso e não teremos êxito nem para solucionar problemas, nem para gerar outros conceitos que nos ajudariam a solucioná-los.

Na "Aprendizagem Por Descoberta" (APD), a característica essencial (Formação de Conceitos) é que o conteúdo principal que vai ser aprendido não é fornecido. É descoberto pelo aluno antes de ser "incorporado significativamente" na sua estrutura cognitiva. Este é o ponto-chave da teoria de Bruner: "A Descoberta".

Escreve Bruner em "The process of Education": «A actividade Intelectual é a mesma em toda a pane, quer nas fronteiras da sabedoria, quer numa classe do terceiro ano.»

O que um cientista faz à sua mesa ou no seu laboratório; o que um crítico literário faz ao ler um poema, são de ordem idêntica ao que fará qualquer aluno quando envolvido em actividade semelhante, se pretende chegar a compreender. A diferença é de grau, NÃO de natureza.

Ao estudar Física, o aluno é um físico. Discussões em classe e compêndios em que se fala de conclusões em um campo de investigação correspondem a uma tarefa de dominar "meia língua".

Nesta perspectiva, a física, a biologia,... na escola secundária (e não só), pouco se parecem com a / 13 / física e biologia; os estudos sociais são vistos desligados dos problemas da vida e da sociedade, como vulgarmente são abordados e a matemática escolar, frequentemente perde contacto com o que está no âmago do assunto, a Ideia de ordem. Quando o aluno "aprende por si próprio" deve-lhe ser dado conhecimento do fim a atingir, para que possa escolher conscientemente as alternativas orientadoras das direcções desejáveis.

O melhor meio de despertar Interesse por um assunto é tornar valioso o seu conhecimento, Isto é, tornar o conhecimento válido na mente de quem o adquiriu em situações posteriores àquelas em que ocorreu a aprendizagem.

O conhecimento adquirido sem suficiente estrutura é um conhecimento fadado ao esquecimento. Um conjunto desconexo de factos não tem senão uma vida extremamente curta na memória. Organizar os factos em termos de princípios e Ideias, a partir dos quais possam ser Inferidos, é o único meio conhecido de reduzir a alta proporção de perda da memória humana.

Bruner sugere que se devem planear currículos, de modo a reflectirem a estrutura básica dum campo do conhecimento, exigindo a mais profunda compreensão desse campo. É tarefa que não pode ser levada a cabo sem a participação activa dos estudiosos mais capazes. Será necessário multo maior empenho na preparação de material curricular, na preparação de professores e em pesquisas básicas, se pretendermos que a melhoria nas nossas práticas educacionais permitam enfrentar os desafios da revolução científica e social que atravessamos.

Os currículos devem ser estruturados por forma que o aluno tenha oportunidade de revisitar a matéria já aprendida, mas num outro nível de profundidade. Essa progressão nas matérias é uma ajuda ao aluno na descoberta de novas relações, à medida que vai avançando em nivele sucessivamente mais complexos. Esta Ideia é conhecida por currículo em espiral.

Ao professor pertencerá apenas, durante aquela progressão, um apoio atempado aos alunos, pertencendo a estes da forma mais Independente possível, a procura da solução. Ao professor competirá uma subtil Intervenção, proporcionadora de eventuais reforços ou sugestões de alternativas, mas essa Intervenção deve acautelar a desmotivação do aluno. Desmotivação que pode surgir com um "apoio tardio", em que já se verificaram desvios dos objectivos pretendidos ou um reforço antecipado, proporcionando um "conhecimento prévio", também ele factor de desmotivação. É para mim esse "savoir faire" que caracteriza o professor que integrou esta teoria de aprendizagem por descoberta e que possibilitará ao aluno o desenvolvimento de uma autonomia, que deverá estar implícita à sua formação global. O professor, "agente transmissor de conhecimentos" terá de se transformar em professor recurso neste processo de aprendizagem (APD). O professor que não viva apaixonadamente a sua área de especialidade, dificilmente poderá despertar nos outros uma vivência entusiasta para aquele assunto. Igualmente o professor inseguro, que teme continuamente o erro, não poderá constituir o apoio neste processo de ensino.

Bruner parte do principio que qualquer assunto pode ser ensinado com eficiência em qualquer estágio de desenvolvimento. Mas apesar de aceitar que esta é uma hipótese arrojada, afirma que não há qualquer evidência a contradizê-la. pelo contrário, muitas provas foram acumuladas para a comprovar. A tarefa de ensinar determinada matéria a uma criança, em qualquer Idade, é a de representar a estrutura da referida matéria em termos de visualização que a criança tem das coisas. Pode ser encarada como um trabalho de tradução. A hipótese apresentada tem como premissa que toda a ideia pode ser representada nas formas de pensamento em Idade escolar e que essas primeiras representações podem, posteriormente, com maior facilidade, ser desenvolvidas graças a essa aprendizagem anterior.

A obra de Piaget sugeria que se podiam distinguir, "grosso modo", três estágios no desenvolvimento Intelectual da criança:

O primeiro estágio, característico da criança pré-escolar, finda por volta dos 5 a 6 anos. O trabalho mental consiste sobretudo em estabelecer relações entre a experiência e a acção. A criança está / 14 / preocupada com a manipulação do mundo através da acção. Este estágio vai do desenvolvimento inicial da linguagem até ao ponto em que a criança aprende a manipular símbolos. No entanto, o mundo simbólico da criança não estabelece uma separação clara entre motivos internos e sentimentos, por um lado, e a realidade exterior, por outro.

O segundo estágio do desenvolvimento (e aqui a criança já está na escola) é conhecido por estágio de operações concretas. Operação é um tipo de acção que pode ser executada directamente, pela manipulação de objectos, ou Internamente, manipulando mentalmente os símbolos que reapresentam coisas e relações. Portanto a operação é um meio que permite abastecer a mente com dados sobre o mundo real e ali transformá-los, de modo que possam ser organizados e utilizados selectivamente na solução de problemas. As operações concretas, embora guiadas pela lógica das classes e pela lógica das relações do meios de estruturar apenas a realidade imediatamente presente.

Entre os 10 e os 14 anos, a criança passa por um terceiro estágio: "Estágio das operações formais". Então a actividade Intelectual da criança parece basear-se antes numa capacidade para operar com proposições hipotéticas, do que em permanecer restrita ao que já experimentou ou que tem diante de si. Pode então deduzir relações potenciais que, mais tarde, serão objecto de transferência. Mas contrariamente àquela perspectiva piagetiana, o desenvolvimento Intelectual da criança não é uma sequência cronométrica de acontecimentos.

Davld Page, experiente professor de Matemática, escreveu: «Ensinando desde o jardim de Infância até à pós-graduação, surpreendi-me com a semelhança intelectual dos seres humanos em todas as idades, multo embora as crianças sejam talvez mais espontâneas, criativas e cheias de energia do que os adultos. Até onde posso julgar as crianças, quase sempre aprendem tudo mais depressa do que os adultos, desde que lhe seja apresentado em linguagem compreensiva. Para tal devemos dar a matéria em termos que entendam, de modo suficientemente interessante e... quanto melhor for a formação do professor, melhor a poderá ensinar.»

O Professor incapaz de dar vazão à sua própria intuição, dificilmente poderá despertar intuição nos seus alunos. Matemáticos, físicos, biólogos, etc., acentuam o valor do pensamento intuitivo nas suas áreas. Um indivíduo poderá intuitivamente quando, tendo trabalhado por muito tempo sobre um problema, encontrar de súbito a solução, para a qual, porém, terá de descobrir uma prova formal. Muitos professores já consideram objectivo fulcral do ensino, o desenvolvimento da eficiência em pensar intuitivamente. No entanto, na generalidade dos currículos, pouca atenção é dada ao desenvolvimento da compreensão intuitiva e assim o ensino é comummente dedutivo e analítico. Por isso foi sugerida a necessidade de melhorar o uso do pensamento Intuitivo pelos professores... e também pelos alunos.

É certo que dispomos de muitas mais coisas concretas a dizer sobre o pensamento analítico. O pensamento analítico caracteriza-se por caminhar passo a passo. Esses passos do explícitos e podem ser convenientemente relatados por aquele que assim pensa. Tal pensamento analítico processa-se com plena consciência das Informações e das operações que implica. Pode envolver raciocínio cauteloso e dedutivo ou pode envolver um processo gradativo de Indução e experimentação. Em contraste, o pensamento Intuitivo não progride por passos cuidados e bem definidos. Comummente, o pensamento intuitivo repousa sobre a familiaridade com o campo do conhecimento implicado e com a estrutura desse conhecimento, permitindo nessa forma de pensamento dar saltos. Uma vez conseguidas soluções por métodos intuitivos, essas soluções deverão, se possível, ser verificadas por métodos analíticos.

Reconhecida a natureza mutuamente complementar dos pensamentos intuitivo e analítico, Bruner sublinha a primordial importância em estabelecer uma compreensão intuitiva da matéria, antes dos alunos serem expostos a métodos mais tradicionais e formais de dedução e prova.

Nesta APD de Bruner parece-me ter ficado bem dedutível a sua afirmação: «Aprender é aprender a aprender».

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(A continuar com "Aprendizagem por descoberta versus Aprendizagem por recepção")

* Manuel Ferreira – professor do quadro de nomeação definitiva do 11.º B, orientador do estágio pedagógico da Licenciatura em Ensino de Biologia e Geologia da Universidade de Aveiro.

Aliás, Escola Secundária José Estêvão

 

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