Escola Secundária José Estêvão, n.º 22, Junho de 1998


OS DIREITOS HUMANOS,

O PROGRESSO CIENTÍFICO

E TECNOLÓGICO

E A DIGNIDADE DA VIDA

HUMANA

10.º F

Uma introdução por Raquel Ruivo

 

Na História da Cultura Ocidental, o despertar da consciência do homem pela problemática do progresso científico e tecnológico e a dignidade da vida humana remonta ao século XVII, século de Galileu e do nascimento da ciência moderna.

O optimismo decorrente de uma nova concepção do mundo, visível na obra do filósofo alemão Leibniz (1646-1716)(1) e de uma valorização e exaltação da razão humana, cedo começou a dar lugar a manifestações de desencanto.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) com a teoria do 'bom selvagem', segundo a qual o homem é bom e livre por natureza e a sociedade é que o corrompe, lança um primeiro sinal de alerta contra a ideia de progresso da humanidade envolta, num manto de racionalidade e de optimismo.

Pela mesma época, Voltaire insurge-se contra o optimismo de Leibniz e contra a teoria de Rousseau. O seu protesto, irónico ou causticamente satírico surge sob a forma de livro e com o título Cândido ou o Optimismo. Nele, como observa Pierre Castex, «Voltaire quer fazer-nos compreender que, pelo menos ao nível do homem, a existência é absurda e que é inútil tentar justificá-la. Deste ponto de vista, a atitude é extremamente moderna. O erro de Pangloss está em pretender introduzir artificialmente uma causalidade na sucessão de acontecimentos cuja lógica escapa às investigações do espírito humano.»(2)

No desenrolar da modernidade instalou-se, sobretudo a partir de meados do século XVIII, o sentimento contraditório de que, por um lado, a humanidade caminhava no sentido de um entusiástico avanço científico-tecnológico, capaz de garantir por si só a dignidade da vida humana, e que, por outro lado, a humanidade regredia em termos de espiritualidade e consequente perda de sentido. Contudo, e independentemente das(Faltam linhas neste texto)…  … ratura dos séculos XIX e XX(3), os cientistas, os filósofos e os historiadores iam deixando gravadas na História da Cultura Ocidental as marcas indeléveis do progresso da razão humana, da ciência e da tecnologia.

As profundas transformações sociais, políticas e económicas, verificadas a partir dos finais do século XVIII, fizeram convergir o pensamento do homem moderno no problema dos direitos humanos, cuja expressão culminou na Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776) e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) após a Revolução Francesa (1789).

Uma vez desperta a consciência para alguns direitos do homem, a luta pela sua defesa e garantia alastrou por toda a Europa. Porém, foi só com o eclodir da II Guerra Mundial que esta consciência, ainda um pouco adormecida, entrou em pleno estado de vigília.

A violação sistemática dos direitos mais elementares da pessoa humana e as atrocidades cometidas em nome de uma ideologia que erguia o estandarte de uma hipotética raça pura e geneticamente perfeita, criaram um clima de revolta e indignação suficiente para fazer ressurgir das cinzas e dos escombros o sentimento da solidariedade e da defesa intransigente dos direitos humanos.

Assim, e após a II Guerra Mundial, muitos esforços se conjugaram no sentido de se proceder à elaboração e promulgação da primeira Declaração Universal dos / 7 / Direitos Humanos (10 de Dezembro de 1948). E, como disso Senarcles, «quaisquer que possam ter sido os seus condicionalismos históricos, a Declaração impôs-se ao conjunto da comunidade internacional como um documento dotado de uma autoridade política, moral e, finalmente, jurídica incontestável [...]. A universalidade da Declaração foi menos uma aquisição do ano de 1948 que uma conquista incessante da comunidade internacional. Hoje ainda, a universalidade dos direitos humanos permanece uma construção frágil que importa consolidar por um trabalho de reflexão tão amplo e intercultural quanto possível.»(4)

Na verdade, nem a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aceite por todos os estados que faziam parte da Assembleia Geral(5) nem os princípios aí enunciados são universalmente defendidos. Daí a continuação da luta pelos direitos da mulher, iniciada em princípios do século XX, a continuação da luta de Gandhi pela liberdade, a continuação da luta contra o racismo, iniciada por Martin Luther King. Daí também a luta contra a poluição e a defesa do meio ambiente.(6)

A época que hoje vivemos já no limiar do século XXI não só não rompeu com a tradição como continua  tributária de uma revolução científico-tecnológica em que a descoberta do urânio, o fabrico da bomba atómica, lançada pela primeira vez a 6 de Agosto de 1945 em Hiroshima e a 9 de Agosto do mesmo ano em Nagasáqui, a construção de centrais nucleares, o aparecimento do primeiro computador electrónico e a engenharia genética permitem, por um lado, reconhecer as vantagens do conhecimento científico-tecnológico e o seu contributo para a dignidade da vida humana e, por outro, o ressurgimento de um novo pessimismo.(7) Com efeito, no horizonte das preocupações do homem actual encontra-se o problema da sobrevivência do planeta Terra.

Raquel Ruivo

[A avaliar pelas notas de rodapé, falta texto neste artigo.]

____________________________________

(1) – Leibniz defendia a tese de que Deus era o criador do Universo e de que este era o melhor dos mundos possíveis.

(2) – Prefácio do editor in: Cândido ou o Optimismo, Lisboa, livros de Bolso Europa-América, p. 8

(3) – Preocupações referidas e ilustradas com extractos de textos literários no trabalho da área-escola.

(4) – P. de Sernacles, in Enseignement des Droits de l'Homme, UNESCO, Paris, pp. 3 e 4.

(5) – idem, op. Cit.

(6) – Aspectos referidos e desenvolvidos no trabalho da área-escola.

(7) – Aspectos referidos e desenvolvidos no trabalho da área-escola.

(8) – Nota do autor: Estes versos são uma espécie de paródia dos famosos fragmentos de Alceu, de que só existe memória nos espólios que nos conservou Eustácio.

(9) – Nota do autor: os protocolos das comissões de inquérito de há oito para dez anos a esta parte, sobre o estado das classes trabalhadoras e indigentes em Inglaterra, é a prova real dos grandes cálculos da economia política, ciência que eu espero em Deus se há de desacreditar muito cedo.

(10) – Nota do autor: a tradução chegada destes memoráveis versos de Shakespeare é: «Há mais coisas no céu, há mais casas na terra do que sonha a tua vã filosofia.»

 

 

Página anterior Índice de conteúdos Página seguinte

págs. 6 e 7