Aveiro é conhecida como a terra dos cagaréus, dos
ceboleiros e dos bicudos, epítetos utilizados para caracterizar os seus
naturais. No primeiro caso, referem-se aos «pescadores [e marnotos] da
cidade portuguesa de Aveiro, especialmente aos nascidos na freguesia de
Vera Cruz» (Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora). No
segundo, aos «moradores da freguesia da Glória» (Grande Enciclopédia
Portuguesa e Brasileira), referência associada à existência, no
período muralhado da cidade, de um conhecido «mercado de cebolas».
Quanto ao último, descrevem os naturais de Esgueira, justificado por
«algum excesso de vaidade dos seus habitantes/naturais» (Correia, 2004).
Apesar do tempo passado, estas alcunhas ainda hoje mantêm a sua
utilização, sendo um interessante sinal identitário.
As alcunhas têm origem ancestral e etimologicamente
provêm do árabe «al-kunya» referindo-se a um «apelido que se usa
em substituição do nome próprio» possuindo uma função de «identificação
social» sendo a sua utilização mais frequente nos «meios rurais»,
exprimindo vivências locais e contextos históricos e culturais (Nunes,
2016).
Não são só as pessoas que têm alcunhas, as cidades também
as usam para se posicionarem no contexto nacional e internacional.
Lamentavelmente, em alguns casos, esse posicionamento conduz a uma
transformação indesejada – física, sobretudo – e à perda da sua
identidade. Mais recentemente, tem vindo a emergir um cuidado em se
valorizar os seus fatores distintivos, com especial destaque para a
identidade local, o bairrismo e o sentido de pertença, aquilo que se
designa por «alma» da cidade.
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Aveiro tem vindo a caminhar nesse sentido, quer pelas
redes de solidariedade e vizinhança que consegue tecer, quer pela forma
como alimenta o seu sentido bairrista, com expoente máximo na Festa de
São Gonçalinho realizada há 85 anos no bairro da beira mar. Mas a alma
da cidade é também feita das estórias das suas gentes, estórias essas
que correm o risco de desaparecer.
O livro «Alcunhas d 'Aveiro» que Manuel Pereira Pacheco
agora edita é um contributo inestimável para cuidar das estórias das
gentes que fazem a história de Aveiro. Num trabalho exemplar de recolha
de testemunhos junto de familiares, amigos e conhecidos, esta publicação
compila mais 400 alcunhas, num esforço de produção de «ciência cidadã»
que uma cidade universitária não poderá deixar de reconhecer.
As magníficas ilustrações de Armando Regala, com um
apurado sentido humorístico, lembram como devemos olhar para esta obra e
para a vida, com desprendimento e boa disposição.
José Carlos Mota
Aveirense nascido em Coimbra, neto de Henrique Pereira
da Mota, estudante em Aveiro, em 1924. Foi protagonista da peça “Pangloss
em Aveiro”, um «turista estrangeiro que vinha apreciar e criticar
o que de bom e mau havia na cidade». Anos mais tarde, estudou na
Universidade de Coimbra, onde ganhou a alcunha de «Pantaleão».
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Se quiserem ficar a conhecer
o estudante Henrique Pereira da Mota, cliquem na hiperligação destacada
a azul. Além de o poderem ver bem caracterizado na fotografia que
ilustra a peça de teatro escrita em 1924 por José Pereira Tavares,
poderão usufruir de uns momentos agradáveis de leitura e, quiçá, dar
umas boas gargalhadas. H.J.C.O.
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