Esperança

 

Relembro o canto evanescente das cigarras em cio

como o bom augúrio de um imaginado e lindo estio,

o tão desejado verão do nosso contentamento

que vamos desenhando nos rastos deste caminho

ladeado de urze, tojo, rosas, e amores perfeitos

plantados a esmo pela pródiga natureza

nos idos já esquecidos em que  ainda sonhávamos

com areias quentes em praias sem alforrecas

e oásis a convidarem para uma vida calma e airosa.

E agora sobraçando este feixe de nardos

despojo que nos resta das promessas perdidas

aqui vamos, ajoujados de súbitos desejos

por dentro deste inverno sem primavera à vista,

neste fugir sempre a fugir. afadigando os passos

já trôpegos, com sentimentos de desconfiança

e o receio de alguma triste surpresa na encruzilhada

aquando de mais uma encenação de rota segura

nesta incontornável demanda do porto de abrigo

onde naufragado está o bote de todas as esperanças

afundado que foi na virulenta ressaca da maré.

Essa saudosa embarcação, queremos revê-la;

senti-la na evocação dessa maldita efeméride,

doloroso desprazer a que não nos podemos furtar

e, nesse então, à sombra das vitórias havidas

festejadas ao som monocórdico das cigarras

deixemos a imaginação partir à desfilada

pois estaremos já na tarde acolhedora do nosso estio

esquecidos, certamente, da malvadez deste inverno

que há-de ficar submerso, sem remédio nem remissão,

nos odores dos crisântemos e na sombra dos ciprestes

envolvendo como assustador espectro as sepulturas

dos que, não resistindo à sua diabólica voracidade

serão por nós guardados na eternidade da memória.

Dezembro de 2020

 

 

28-1-2021