TRÊS décadas, mesmo
na vida de uma pessoa, representam um mundo de factos, um nunca acabar
de recordações, uma imensidade de pequenas histórias; avalie-se o que
não sucederá com a Secção Náutica, sabido como é que ao longo da sua
existência tem desenvolvido uma actividade intensíssima e por vezes
fulgurante.
Não podemos, por
isso mesmo, ter a pretensão de se condensar em meia dúzia de linhas o
que daria para preencher bastantes volumes. Daí a breve referência a
muitos acontecimentos dignos de amplo desenvolvimento, reservado para
momento mais oportuno.
Perde-se nos tempos
a data do início da prática desportiva no nosso meio, onde, e desde
sempre, foi notória a preferência pelos desportos náuticos.
E nem se estranhe
que tal suceda, pois «Nós, os de Aveiro, somos feitos, dos pés à
cabeça, de Ria, de barcos, de remos, de velas, de montinhos de sal e
de areia, até de naufrágios...» — como magistralmente disse um dia
esse aveirense insigne que foi D. João de Lima Vidal.
Há na verdade nesta
luminosa cidade o culto da água, talvez por ela traduzir fielmente a
nossa maneira de ser — límpida, serena e constante, como as
consciências, a expressão de sentimentos e as convicções dos
aveirenses.
... Estamos em
1924, numa época em que o hoje extinto «Ginásio Clube» e o moribundo
«Clube Mário Duarte» disputavam memoráveis regatas no Canal das
Pirâmides, perante o entusiasmo de centenas de pessoas que dentro de
si tinham o «bichinho» da água.
/ 64 /
Uma equipa de Shell de 4 seniores.
/ 65 / Alguns
desses interessados espectadores eram, além de aveirenses, «Galitos»
da mais pura cepa; e parecia-lhes quase um sacrilégio que «o seu
Clube» andasse afastado da Ria, dos barcos, dos remos...
Homens de acção,
d'antes quebrar que torcer, Luís da Naia, Manuel Félix, Armando Madail
e António Pinheiro depressa concluíram que aquele estado de coisas não
devia manter-se e mais rapidamente ainda resolveram arranjar dinheiro
para um barco e... «experimentar».
Mas como do sonho à
realidade a distância é enorme, enormes foram as dificuldades que
tiveram de vencer para conseguir o tão desejado barco.
Acabaram por
obtê-lo, e ei-los remando com vigor, mas sempre com o coração
apertado, não fosse alguma estaca desmancha-prazeres destruir a
«menina dos seus olhos».
Àquelas, outras
boas vontades se juntaram — o Coronel Amílcar Gamelas, António Morais
da Cunha, Alberto Casimiro e José Maria Monteiro — e em 5 de Janeiro
de 1926 surgia finalmente a Secção Náutica, já com forma legal, com
gente, mas sem dinheiro.
Com um sorteio de
um rádio que «nunca ninguém chegou a ver», com o dividendo de algumas
acções adquiridas com o lucro da referida iniciativa e com a sua bolsa
particular, esses oito jovens (como o tempo passa!...) compraram um «yolle»,
o primeiro barco de corrida da Secção.
Logo, em 19 de
Junho de 1926, a equipa «galinácea» cantou d'alto, vencendo uma prova
e a respectiva taça. Era o começo...
No ano seguinte, a
mesma tripulação — Luís da Naia (timoneiro e treinador), Manuel Félix
e Armando Madail — repete a proeza, deixando para trás os valorosos
representantes das outras agremiações citadinas.
Entretanto, o «yolle»,
em consequência da sobrecarga de trabalho a que o forçava o interesse
dos praticantes, ia-se desconjuntando.
Sem barco, cansado
o corpo e a bolsa dos seus maiores entusiastas, a Secção «hibernou»
até 1938.
/ 66 / Nesse ano
quebra-se a letargia em que se havia caído, e sempre os mesmos, agora
com a ajuda João Morais Sarmento, Carlos Aleluia, António da Costa
Ferreira e Primo da Naia Pacheco, de novo a Ria se movimenta com os
barcos dos Galitos.
Sob a orientação de
Luís da Naia, recomeçam os treinos e nem os insucessos das primeiras
provas conseguem abater o ânimo da gente do Remo.
Trabalha-se com
método, com ordem, com vontade. Como corolário lógico, em 1940, vence-se
o Campeonato Regional de Yolles de 4 e o Nacional de Skiff. Era a
confirmação...
Depois os triunfos
sucedem-se numa cadência impressionante, a Cidade acredita e ajuda, e em
1942, na Figueira da Foz, uma tripulação do Clube dos Galitos,
representando Portugal, vence os primeiros Campeonatos Ibéricos. Era a
consagração!
José Lino
(timoneiro), Manuel Matos,
Amadeu Moreira, João de Sousa e José Velhinho
conquistam a honra de serem os primeiros internacionais do Clube dos Galitos. Atrás deles, outros, muitos outros, 26 ao todo!
Depois de um treino, um quatro feminino
de remo dos Galitos, entre os seus devotados monitores, evoca um passado
inesquecível.
/ 67 / De então para
cá, a Secção Náutica torna-se o mais gritante cartaz de propaganda de
Aveiro, chega a ser o melhor «embaixador» do Desporto Português, como
aconteceu nas Olimpíadas de Londres em 1948, nos Campeonatos Europeus de
1950, na Regata internacional de Roma em 1950, nos Campeonatos
Peninsulares de 1942, 1945, 1947, 1948 e 1950, nas Regatas
Internacionais da Figueira da Foz, em 1958.
Dentro do mais
rigoroso amadorismo, os remadores do Clube dos Galitos, em representação
de Portugal, exibem-se em Espanha, França, Itália, Finlândia e Noruega,
sempre se comportando de modo a merecerem as elogiosas referências da
crítica especializada e os louvores encomiásticos das entidades
oficiais.
Os aveirenses não são
ingratos — jamais poderão esquecer ou retribuir o que a Secção Náutica
do Clube dos Galitos tem feito em prol da sua Cidade e do Desporto
Nacional. Ela bem merece de todos
uma palavra de
estímulo,
um gesto de auxílio,
um muito Obrigado!
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