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a pesca do bacalhau em

 tempos idos

narração do capitão josé pereira da bela

Vamos tentar contar um pequeno episódio dos muitos a que assistimos em tempos distantes, tempos em que ainda não havia nos bacalhoeiros, telegrafia, telefonia, sondas, gónios e outros aparelhos que só há pouco começaram a ser utilizados nesses barcos. E arrastões, só franceses havia, e mesmo assim, poucos.


sem comunicações

Lembro ainda, de quando era rapazola, a chegada de cartas vindas dos bancos. Era um alvoroço em Ílhavo. Todos corriam a casa dos que tinham a dita de receber alguma carta, para saberem notícias dos seus.

Nessa época, as cartas eram entregues nos bancos a qualquer barco que por ali passava na sua viagem e que fazia o favor de parar a pedido dos capitães dos bacalhoeiros, para lhas levar e as enviar do primeiro porto em que tocasse, pondo-as no correio sem selo. Depois, era a chegada destas desejadas cartas ao seu destino, passado muito tempo (pois não havia correio aéreo) e com a multa regulamentar, que nesse tempo era de $50, ou seja, o dobro da franquia nacional, mas que os familiares pagavam com grande alegria...

A chegada dos navios aos portos ou em frente às barras só era conhecida quando eles apareciam à vista.

Na primeira viagem que fizemos aos Bancos da Terra Nova, deu-se um caso que mostra bem o que era a falta de comunicações.

Seguimos como piloto no palhabote «Nazaré 2.º», cujo capitão era o falecido Fernando Matias, o «Parracá». Em outro dos navios portugueses, um novo lugre denominado «Ariel», eram capitão e piloto, respectivamente, os saudosos capitães Manuel Labrincha e Chico Calão.

Os capitães dos dois navios, durante a pesca, resolveram trabalhar em conjunto, acompanhando-se sempre em qualquer / 37 / «emposta», até que tiveram de ficar a concluir a campanha de pesca, durante bastante tempo, nos baixos denominados Virgin's Rocks, principalmente no «Main Leige», o baixo principal, como o nome o indica.

Esta demorada estadia deveu-se ao facto do «Nazaré 2.º» estar privado de suspender o ferro constantemente, como era preciso quando a pesca se fazia fora daquele local, porque algumas peças do molinete, os «macacos», rebentavam com facilidade, e só havia a bordo as que estavam montadas no referido aparelho de suspender a amarra.

E por ali se ficaram os dois navios, sozinhos, sem saberem se os outros barcos já teriam ou não largado para o seu regresso a Portugal. Nesse tempo, depois do dia 5 de Outubro, nenhum navio português ficava nos bancos, mas aqueles dois continuaram ali até ao dia 25 desse mês, esperando que a pesca melhorasse e atenuasse a fraca pesca que tinham feito até então.

Tal facto foi até cantado pelos pescadores, quando nos botes, durante a pesca, com o seguinte quadra:

Este ano não há peixe,
Esta vida não está má,
Ficam de guarda ao Main Leige
O Labrincha e o Parracá.

No dia 25 de Outubro, já com o vento a refrescar, vimos o «Ariel» com a bandeira nacional no topo, sinal de que ia suspender para a largada em direcção a Portugal.

Imediatamente, o nosso capitão deu também ordem para levantar o ferro e foi içar a nossa bandeira. Foi grande a alegria sentida por todos.

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