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carta de ANGOLA

Balacende, Dezembro de 1962

De Angola, onde me encontro ao serviço da Pátria, a todos saúdo e peço me desculpem pelo tempo que porventura vos roubo com a leitura destas linhas.

Não podia, porém, ficar indiferente a um pedido do nosso Chefe de Escritório, para que fizesse um artigo contando coisas de Angola na nossa «Flâmula».

Confesso que não me sinto muito à vontade em redacções desta natureza. No entanto, baseando-me em livros que li sobre Angola e no que ouvi e vi, vou procurar, dentro do possível, fazer algo que não fique muito mal nas páginas da nossa conceituada revista.

Encontro-me em Angola há 14 meses. Durante este tempo, percorri esta nossa província desde Nambuangongo a Sá da Bandeira, e conheço algumas das principais cidades, como Luanda, Lobito, Benguela, Sá da Bandeira e Novo Redondo. Presentemente, encontro-me no mato, no Norte da Província, onde decerto permanecerei até meados do ano que vem, altura em que deverei regressar à Metrópole.

O que sei acerca desta nossa grande província já para vós não constitui novidade.

Como é do conhecimento geral, a África, pelo menos em toda a sua costa Ocidental e em grande parte da Oriental, foi descoberta pelos portugueses. É, portanto, com os portugueses que começa praticamente / 31 / a sua história e foram eles que aqui trouxeram as primeiras luzes da civilização e do cristianismo.

Mais tarde, a África começou a despertar o interesse da Europa, daí resultando a sua divisão. Assim, a maior parte dos territórios que os portugueses haviam descoberto foi repartida pela França, Grã-Bretanha, Alemanha e Bélgica, conforme ficou decidido na Conferência de Berlim de 1885. Os restantes que nos deixaram deram ainda para formarmos Moçambique, Guiné, Angola e as ilhas de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

Angola, estendendo-se desde o Rio Zaire ao Rio Cunene e do Atlântico ao Zambeze, é a maior província ultramarina (14,5 vezes maior que Portugal continental). A sua população está calculada em 4.300.000 habitantes, dos quais 400.000 são brancos e 90.000 são mestiços. Os restantes são pretos de diversas tribos. Administrativamente está repartida em 14 distritos, alguns deles maiores que toda a Metrópole.

Uma das maiores riquezas da Província reside nas suas enormes possibilidades hidroeléctricas, havendo já hoje em exploração oficial a barragem das Mabubas, situada sobre o Rio Dange, que abastece Luanda; a da Matala, situada sobre o Cunene, que serve Sá da Bandeira, Silva Porto e Nova Lisboa, e a do Biópio, sobre o Catumbela, que fornece energia ao Lobito e Benguela. Encontra-se ainda em construção a Barragem de Cambambe, sobre o Rio Cuanza, a qual fornecerá 3.900 milhões de Kwh, ou seja mais que o total da energia hidroeléctrica produzida por todas as barragens da Metrópole. A construção desta barragem encontra-se em fase muito adiantada e a sua inauguração está prevista para Março-Abril de 1963.

Por outro lado, Angola é um dos maiores produtores de diamantes e o principal produtor africano de café. É ainda um importante produtor de oleaginosas, sisal, madeiras (em especial em Cabinda), farinha de peixe (em Moçâmedes), milho, açúcar, algodão (em Malange), etc.

É um recente mas já importante produtor de ferro, extraído das minas do Cuima e Cassinga, no distrito da Huíla (cujas reservas estão calculadas em 25 milhões de toneladas); Monte Saia e Tumbi em Malange.

A extracção do petróleo tem sido feita nos arredores de Luanda e com incremento em Moçâmedes, havendo esperanças de que seja encontrado em breve em Cabinda.

Também o gado é uma riqueza angolana, embora esteja ainda mal aproveitada. A maior parte / 32 / pertence aos indígenas do Sul, que não se interessam em o negociar.

Na agricultura encontrou Angola, nestes últimos anos, um impulso extraordinário para o seu progresso. A elevada cotação do café e do sisal contribuiu bastante para o actual esplendor urbanístico de Luanda e até mesmo para o alargamento da cidade de Lisboa. A média de construções feitas em Luanda no espaço de 10 anos, até Março de 1961, calculou-se em uma por dia. Esta cidade é considerada hoje uma das mais belas e progressivas da África Negra. Tem formosas avenidas, prédios de 12 a 15 andares, casas comerciais tão boas como em Lisboa, praias belíssimas, bons hotéis, etc.. Por seu lado, todas as cidades dos distritos beneficiaram do progresso geral e são hoje cidades já importantes. Sobressaem Lobito, Benguela, Sá da Bandeira, Nova Lisboa e Carmona.

O comércio conheceu um período áureo, que permitiu a formação de pequenas povoações no interior.

A indústria também se desenvolveu, havendo na província fábricas de tecidos, de açúcar, de descasque de arroz e café, de conservas de peixe, de cimento, de cerveja, de sacaria, etc.. Em Luanda há ainda uma moderna e importante refinaria de petróleo.

Os portos da província foram muito melhorados, sendo o Lobito o principal porto de Angola, graças ao trânsito das ricas produções do Katanga.

Este surto de progresso, aliado à Paz existente e à confiança no indígena local, mesmo apesar da evolução política de toda a África e da independência do Congo ex-Belga, nunca fizeram prever o que viria a suceder a partir de 15 de Março de 1961. N a manhã deste dia eclodiu o terrorismo em Angola.

Quitexe, Zalala, Nambuangongo e Madimba foram as primeiras povoações a sofrerem, simultaneamente, os ataques mais horrendos e sanguinários jamais vistos em África. Corpos de portugueses: brancos, pretos e mestiços que não quiseram aderir à revolta que estava sendo forjada desde há 3 ou 4 anos, homens, e mulheres, adultos e crianças ficaram aos pedaços. Logo a seguir, Cólua, Úcua e Lucunga sofriam idênticos massacres e os seus habitantes, impossibilitados de fugir às garras assassinas do inimigo, ficavam esquartejados sobre o solo.

Os postos emissores haviam sido destruídos pelos bandoleiros e só dois dias depois chegavam a Luanda as primeiras notícias concretas de tais acontecimentos horríveis.

O mundo estremeceu ao tomar / 33 / conhecimento de barbaridades que julgava impossíveis neste século. Imediatamente o Governo Geral tomou providências e foram enviados reforços para as localidades mais afectadas. Pouco tempo depois chegavam da Metrópole os primeiros contingentes militares que, auxiliados por civis, autoridades administrativas e policiais, procederam à recuperação heróica de algumas povoações, onde os bandoleiros se haviam instalado.

Pressentindo a derrota, o inimigo muda de táctica e dedica-se à destruição das fazendas agrícolas, na altura ocupadas por trabalhadores indígenas fieis. Mas estes, desarmados, ou são mortos à catanada ou fogem.

O extraordinário papel desempenhado pelo Corpo de Voluntários Civis na colheita do café e na recuperação das fazendas faz-se notar na altura. E à medida que os reforços vão chegando da Metrópole, o dispositivo militar avoluma-se e têm então lugar operações militares de certa envergadura. Nambuangongo, Quipedro, Canda e Pedra Verde são nomes que acrescentam o brilho do Exército e da Aviação portugueses, como o são também as acções desenvolvidas em inúmeras outras áreas que vão sendo heroicamente reocupadas. Em quase todas estas operações, os militares são guiados por civis e acompanhados por autoridades administrativas. Enquanto aqueles mantêm a indispensável protecção, os civis retomam as suas propriedades e as autoridades procuram repor os seus serviços em ordem.

Hoje, o terrorismo já não existe em Angola. Os terroristas puseram as catanas e canhangulos de parte e passaram à categoria de guerrilheiros. Começam a estar bem armados, dispondo até de minas que colocam na estrada. A fronteira congolesa continua a oferecer-lhes refúgio e apoio, mas a eficiência da acção militar portuguesa e a actividade constante das patrulhas obriga-os a diluírem-se em pequenos grupos que vivem nas regiões mais inacessíveis e cuja presença os nossos soldados, entranhando-se no mais denso das matas, conseguem detectar.

Estes grupos são dirigidos por elementos que foram treinados no norte de África, aproveitando as lições da luta argelina e encontram nas autoridades congolesas facilidades para instrução militar e apoio no reabastecimento.

Dos 14 partidos que se propõem «libertar» Angola, a UPA (União dos Povos de Angola) e o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) são os mais importantes e os mais activos nesta fase da luta.

Ambos têm pontos de vista divergentes entre si, chegando mesmo a guerrear-se em pleno mato.

Será portanto impossível que qualquer deles se apresente como libertador, quando o próprio povo de Angola discorda dos seus propósitos e é o primeiro a negar-lhes o seu apoio. A lição do Congo ainda está quente e viva na memória de todos. E todos sabem que não há progresso no caos.

A luta vai ser demorada e desgastante, mas os nossos soldados prosseguem animosos com a pacificação do Norte da Província, onde a Paz, decerto, há-de tornar a sorrir e o preto e o branco, irmanados no mesmo sentimento patriótico, hão-de continuar o progresso de Angola.


josé lino

 

 

 

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